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Ringtones e truetones: mais receita para o Ecad?

por Attilio Gorini

08 de agosto de 2005

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Os ringtones e truetones são uma grande febre mundial. Operadoras de telefonia celular e empresas especializadas colocam milhares de obras musicais à disposição do usuário para que sejam baixadas diretamente da Internet para o aparelho celular, mediante pagamento. O negócio envolveu, segundo pesquisas, 70 milhões de downloads só em 2004.

Tamanha movimentação financeira não poderia deixar de chamar a atenção do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), responsável pelo recolhimento de direitos autorais pela execução pública de obras musicais. O Ecad tem como função, por exemplo, recolher valores sobre obras reproduzidas em shows ao vivo, trios elétricos, cinema, televisão etc.

No entanto, uma pergunta deve ser feita: será que os ringtones e truetones caracterizam execução pública, de forma que caiam sob o guarda-chuva do Ecad?

Segundo a Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), "execução pública" ou "comunicação ao público" é a colocação de obra ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição de exemplares. Ou seja, na comunicação ao público não há venda de música, assim como, ao se adquirir um CD, não há execução pública, mas sim distribuição.

Recentemente, porém, o Ecad passou a entender que os ringtones e truetones para uso em aparelhos celulares estão dentro do conceito de execução pública e, por isso, cobra 5% da receita obtida com os ringtones e 7,5% da receita obtida com os truetones. A razão do valor mais alto no segundo caso está no fato de que os truetones se referem à reprodução de fonogramas, havendo que se considerar os detentores de tais direitos.

Cobrar pelo toque de um celular pessoal em pleno shopping center, por exemplo, seria o mesmo que cobrar por eventuais sons que um fone de ouvido deixa vazar "ao público" ou pela audição de uma boombox por seu dono, em praça pública. O toque de um celular tem todas as características de execução privada e admitir-se o contrário seria esticar demais o conceito que o legislador quis emprestar ao termo.

No entanto, o maior foco do Ecad não é no raciocínio acima, que até teria alguma sustentação jurídica, apesar de frágil. O Ecad entende – de forma perigosa – que a mera transmissão ou envio de um ringtone ou truetone via internet ou linha telefônica de um servidor central de uma operadora de telefonia celular ou outra empresa já bastaria para caracterizar a cobrança por execução pública.

Ocorre que equiparar a transmissão eletrônica de arquivos à execução pública é um equívoco. O perigo de tal interpretação reside no fato de que a disponibilização de arquivos digitais contendo obras musicais para posterior download por meio da internet é o caminho que a indústria fonográfica terá que fatalmente seguir – e já está seguindo – para diminuir a pirataria de suas obras. Essa disponibilização e transmissão se equiparam à venda física de um CD ou DVD contendo obras musicais em uma loja especializada. Se, nesse caso, não há cobrança, por que cobrar quando o meio físico desaparece? Não faz sentido.

Não se inclui no raciocínio acima as chamadas "rádios pela internet" pois, nesses casos, os arquivos digitais são, via de regra, passíveis de serem ouvidos diretamente do computador. Em muitos casos, essas rádios se equiparam às rádios comuns que se utilizam das ondas hertzianas para a transmissão. O caso dos ringtones e truetones em nada se assemelha a essa hipótese pois não há a possibilidade de se ouvir os tons no processo de transmissão. Há sim a possibilidade de se ouvir amostras para incitar as compras. Mas essa hipótese encontra-se absolutamente fora da esfera de proteção do direito autoral já que a utilização de obras para demonstração à clientela por estabelecimentos comerciais é uma das claras hipóteses de limitação aos direitos exclusivos do autor.

O que se verifica é que a disponibilização e posterior transmissão de ringtones e truetones se equipara à venda de CD, estando, assim, fora da competência arrecadatória do Ecad. O próprio conceito legal de comunicação ao público é suficiente para afastar quaisquer dúvidas pois exclui explicitamente a "distribuição de exemplares". Comunicação e distribuição são como água e óleo, não se misturam.

Corroborando essa questão, a lei determina que depende de autorização do autor, dentre outras, a distribuição por quaisquer meios, o que demonstra que o legislador efetivamente teve como objetivo distanciar distribuição de comunicação ao público.

Entender o contrário é ameaçar não só o modelo de negócio das operadoras de celular mas, principalmente, da indústria fonográfica que, cada vez mais, está migrando para as vendas virtuais. Todos esperam que o Ecad seja um instrumento de equilíbrio dos direitos autorais e não uma ferramenta para a inviabilização de negócios.

 

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Attilio Gorini

Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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