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Mercosul e propriedade intelectual

por Sandra Leis

25 de junho de 2005

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O Mercosul tem sido alvo de muitos comentários por parte de empresários, governo, entidades de classe e jornalistas. Alguns usam expressões pessimistas como "a crise do Mercosul", "a morte do Mercosul", o seu "rebaixamento" de união aduaneira a simples área de livre comércio; outros radicalizam, afirmando que o Mercosul nunca existiu. Do outro lado, estão os otimistas, que não vêem crise alguma e, mesmo que ela exista, pode ser contornada com uma reunião de presidentes ali, outra acolá, um aumento de cotas nesse produto e redução naquele, uma salvaguardinha hoje, outra amanhã.

Sem querer tomar partido de gregos ou troianos, ou melhor, de brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios, a verdade é que se trava um tiroteio entre os quatro países, num ricochetear sem fim, atingindo geladeiras e fogões, calçados e automóveis. Até os vinhos já foram vítimas de balas perdidas! Os cigarros e eletroeletrônicos tiveram mais sorte e escaparam ilesos, cruzando a Ponte da Amizade sem problemas.

Os atritos entre os quatro países não estão só nos campos de futebol. Cruzaram fronteiras e se revelaram até nas negociações internacionais, quando o Uruguai apresentou proposta em separado frente à Alca e ficou fora do G-20 nas negociações da OMC, sem falar na disputa entre Seixas Corrêa e Perez del Castillo para ocupar a direção da OMC e a súbita retirada de Kirchner da recente cúpula de países sul-americanos e árabes. É provável que as Cataratas do Iguaçu sejam o próximo pomo da discórdia, com um pedido para que as quedas mais bonitas, que ficam do lado brasileiro, se virem para o lado argentino, a fim de desviar o destino de turistas que vêm ao nosso país.

Mas nem tudo são desentendimentos. Brasil e Argentina se uniram e apresentaram uma proposta conjunta à OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) – a chamada Agenda do Desenvolvimento.

Apesar das opiniões divergentes, até os otimistas reconhecem as deficiências do Mercosul e sabem que há um longo caminho a percorrer para que ele se torne um exemplo de integração regional, abrangendo não só o comércio entre os quatro países mas também vários outros aspectos, como circulação de pessoas, fundos de cooperação e normas de propriedade intelectual. Sim, muitos não sabem que esse esforço (ou falta de esforço) de integração entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai envolve também a propriedade intelectual.

Em 1995, os países membros do Mercosul assinaram o Protocolo de Harmonização de Normas sobre Propriedade Intelectual no Mercosul em Matéria de Marcas, Indicações de Procedência e Denominações de Origem, que tinha por objetivo estabelecer normas, prazos e procedimentos para a proteção de marcas, indicações de procedência e denominações de origem, ou seja, os nomes geográficos de localidades conhecidos como centro de extração ou produção de algum produto ou serviço. Foi um grande passo na tentativa de se harmonizar os procedimentos e normas dos quatro países, que, em alguns casos, são bem diferentes. Ocorre que apenas Paraguai e Uruguai ratificaram esse protocolo e, portanto, ele vigora somente entre esses dois países. O Brasil chegou a levá-lo ao Congresso para aprovação, mas retirou-o de pauta em 2000. A Argentina nunca o ratificou. Em 2004, um subgrupo de trabalho subordinado ao Grupo Mercado Comum (GMC) do Mercosul retomou a discussão do protocolo, mas ateve-se às marcas, retirando do texto indicações de procedência e denominações de origem.

O atual Protocolo de Harmonização em Matéria de Marcas visa a superar diferenças de cunho procedimental e conceitual, a fim de facilitar o registro e a proteção de marcas nos países do Mercosul, dando, porém, alguma flexibilidade para cada país adotar conceitos e normas de acordo com sua legislação nacional.

Dentre essas diferenças, podemos citar o próprio conceito de marca. Enquanto no Brasil não se permite o registro de marcas olfativas e sonoras, elas já são uma realidade na Argentina. Para conciliar, o protocolo define marca de forma ampla, como um sinal suscetível de distinguir produtos e serviços, sem exigir que ele seja visualmente perceptível.

O Uruguai, por exemplo, não condiciona a validade de uma marca ao seu uso, enquanto nos outros três países o uso da marca é necessário, sob pena de perda do registro.

Com relação a oposições a marcas idênticas ou semelhantes de terceiros, a Argentina adota a via judicial para resolver o conflito, caso as partes não cheguem a um acordo; nos outros três países, as oposições são apresentadas ao órgão responsável pelo registro de marcas.

O protocolo busca, ainda, amenizar as formalidades burocráticas que dificultam o registro de marcas no âmbito do Mercosul, dispensando a legalização consular e a tradução juramentada de documentos em português e espanhol.

Espera-se que a ratificação do protocolo pelos quatro países e a implementação dessas medidas tornem o procedimento de registro de marcas no Mercosul mais ágil, estimulem empresários a registrarem suas marcas nos países vizinhos e fomentem o fluxo de comércio dentro do bloco.

A harmonização de normas em matéria de marcas entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai é necessária, pois será mais um passo para a almejada integração regional.

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Sandra Leis

Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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