Referência na área de Propriedade Intelectual no Brasil e no exterior, Peter Dirk Siemsen é sócio do escritório Dannemann Siemsen, advogado e agente da Propriedade Industrial. Um dos fundadores e ex-presidente das Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) e Associação Interamericana da Propriedade Intelectual (ASIPI) e ex-presidente da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (AIPPI). Também é membro do Tribunal de Arbitragem do Esporte (CAS), ex-vice-presidente da Federação Internacional de Vela – ISAF (antiga IYRU), autor do Código de Propaganda e Patrocínio e do Código de Eligibilidade da ISAF. Foi indicado diversas vezes como advogado mais admirado em publicações nacionais e internacionais especializadas na área do Direito.
Na entrevista, Peter Dirk Siemsen fala sobre como a propriedade intelectual aliada ao esporte pode contribuir para o crescimento de países em desenvolvimento, como o Brasil e a África do Sul.
Segundo o advogado, no mundo esportivo encontramos em uso todas as áreas da propriedade intelectual, tais como: marcas, desenhos industriais, direitos autorais, direitos de imagens e atividades correlatas como licenciamentos, marketing, merchandising, propagandas, patrocínios, questões de direito de competição, de consumidor e de marketing de associação.
– Qual a relação entre a propriedade intelectual e o esporte?
O esporte serve de veículo para a disseminação das marcas, desenhos industriais e obras protegidas por direitos autorais de seus patrocinadores, bem como das imagens dos seus atletas.
– De que forma o esporte contribui para o desenvolvimento da propriedade intelectual?
O esporte se tornou mais atrativo para o público mundial em decorrência dos meios de comunicação, como televisão e Internet, além da imprensa escrita e falada. Portanto, os patrocinadores veem nos eventos esportivos um meio de divulgar as suas marcas. Nesse contexto, se destacam os esportes de massa como futebol, voleibol, basquete, rugby, beisebol, e aqueles que têm um grande público por intermédio da televisão, como: tênis, golf, corridas de automóvel, com destaque para a Fórmula 1.
– Até que ponto a realização de eventos esportivos em países em vias de desenvolvimento pode contribuir para o crescimento desses países por intermédio do uso da propriedade intelectual?
Eventos esportivos atraem o público em geral, servindo como promoção da propriedade intelectual, ao serem identificados com a marca do seu principal patrocinador. Essa identificação se estende até os locais de realização das competições. Consequentemente, o marketing, os licenciamentos e o merchandising podem criar atividades econômicas e gerar empregos, riquezas e investimentos nos países em desenvolvimento.
– Como as nações desenvolvidas fazem uso da propriedade intelectual por meio do esporte?
Nas nações desenvolvidas o esporte é uma grande fonte de receitas. Por exemplo, os Estados Unidos, somente em 2007, movimentaram 650 bilhões de dólares. Esse montante decorre da participação de patrocinadores, anunciantes, marketing, licenciamento de imagem dos atletas, merchandising e televisionamento, e em todos esses aspectos a propriedade intelectual está presente.
– O que o Brasil pode fazer para se beneficiar ao máximo do fato de ser sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas?
O Brasil deve se organizar para desenvolver de forma mais intensa todas as atividades mencionadas anteriormente, pois ainda se encontra muito atrasado no uso desses instrumentos econômicos em benefício do desenvolvimento do esporte no país. O esporte mais popular, o futebol, tem uma estrutura administrativa atrasada, que pouco aproveita os instrumentos disponíveis no mercado, mas que começa a acordar em relação aos benefícios que esses ativos podem trazer. A seleção nacional e clubes como São Paulo, Corinthians e Internacional já demonstram que existem exceções à regra, que podem influenciar a mudança do futebol brasileiro. No Brasil, o voleibol é o melhor exemplo de sucesso na administração do esporte, há muito tempo que se organizou e vem obtendo um grande sucesso. O fato é que o caminho até que a propriedade intelectual seja usada na sua plenitude pelo esporte brasileiro é longo, porém muito importante para geração de novas receitas e divulgação da imagem. O melhor exemplo é o iatismo, esporte que mais medalhas olímpicas conquistou para o Brasil, que não explora o seu potencial, prescindindo fundamentalmente da verba pública para financiar a equipe olímpica. Enquanto, no mundo inteiro equipes de iatismo obtém rendas substanciais através do merchandising de seus símbolos e marcas, bem como da imagem dos seus tripulantes, no Brasil, essa atividade ainda precisa ser desenvolvida.
– Como os países protegem as marcas e outras designações relacionadas aos grandes eventos esportivos?
As marcas e outras designações relacionadas aos eventos esportivos são protegidas pela Lei da Propriedade Intelectual, os Tratados Internacionais e a Lei do Ato Olímpico (Lei no. 12.035/2009). No Brasil, ainda contamos com uma proteção especial, prevista nos arts. 15 e 87 da Lei Pelé (no. 9615/98).
– No Brasil, foi aprovada a Lei do Ato Olímpico, que regula o marketing relacionado às Olimpíadas. Qual o principal objetivo da lei?
O principal objetivo da Lei do Ato Olímpico é vedar a utilização, comercial ou não, dos símbolos relacionados ao Jogos Rio 2016 sem autorização do Comitê Organizador ou do COI. Além disso, a Lei visa a proibir expressamente a utlização de símbolos e expressões que, apesar de não se enquadrarem no rol dos símbolos relacionados no Ato Olímpico, possuam semelhança suficiente para provocar associação indevida de quaisquer produtos ou serviços. Todas as cidades candidatas a sediar uma Olimpíada devem possuir legislação que regule as atividades diretamente relacionadas com os Jogos Olímpicos. Essa exigência não existia anteriormente, e a primeira cidade que se submeteu a essa obrigação foi Londres, para as Olimpíadas de 2012.
– Quais são os principais direitos dos patrocinadores oficiais?
De acordo com o Ato Olímpico (Lei no. 12.035 de 01/10/2009), o uso dos símbolos e das denominações olímpicas é prerrogativa dos patrocinadores e colaboradores oficiais, autorizados pelo Comitê Olímpico Internacional e pelo Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016.
– Não tínhamos uma legislação assim na época do Pan Americano. Como as marcas relacionadas ao evento foram protegidas? Como isso ocorrerá na Copa do Mundo, que ainda não conta com uma lei própria?
Na época do Pan Americano, as marcas relacionadas ao evento eram protegidas pela legislação comum. Na verdade, a legislação anterior ao ato já era sufiente para proteger os símbolos, nomes e marcas relacionadas à Olimpíada e a outros eventos esportivo. O Ato Olímpico apenas tratou do assunto de forma específica. O mesmo ocorre em relação à Copa do Mundo, provavelmente vai ser promulgada uma legislação própria para o evento.
– As empresas que fizerem campanhas publicitárias que façam associação as Olimpíadas, podem ser acusadas de praticar marketing de associação. O que é isso?
O marketing de associação, também conhecido como marketing de emboscada (ambush marketing) ocorre quando um terceiro tenta se beneficiar da repercussão do evento esportivo (Olimpíadas, Copas do Mundo, etc.), mesmo não sendo patrocinador oficial. Ele está presente, principalmente, nas Olímpiadas e Copas do Mundo, em que o investimento de patrocinadores é substancial. É por isso que o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a FIFA, ao examinar a candidatura das cidades e países, exigem que a legislação local preveja meios para coibir o marketing de associação.
– O que uma empresa que não é patrocinadora oficial poderia fazer para associar sua campanha aos jogos olímpicos sem infringir a lei?
O patrocínio de atletas e equipes seria benéfico ao esporte brasileiro e não viola a legislação vigente. Como alternativa, investimentos em divulgação da cidade e do país e seus aspectos positivos, pode alavancar uma campanha em época de grandes eventos. No mais, o limite entre a conduta lícita e uma campanha inteligente, que aproveite movimentação de grandes eventos esportivos, vai depender da avaliação de cada empresa, que deverá evitar ultrapassar a fronteira entre o marketing lícito e o marketing de associação.
– Como um parecer jurídico pode auxiliar as agências de publicidade durante o processo de criação das campanhas?
Um parecer jurídico é um importante instrumento para orientar as empresas sobre a fronteira entre uma campanha inteligente e positiva e a conduta ilícita, evitando expor seus clientes ao risco de sofrer uma demanda judicial e ter a sua imagem prejudicada.
– As empresas que não cumprirem as disposições do Ato Olímpico serão punidas pela Justiça comum ou pelo Conar?
As duas alternativas são válidas. A justiça comum tem jurisdição sobre todas as infrações do Ato Olímpico. No que se refere à publicidade, o Conar aceita denúncia de autoridades públicas, bem como instaura representações ex officio. Assim, é possível que o Conar venha a julgar um caso mesmo sem a provocação direta do Comitê Organizador ou do COI, via o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Ainda existe a possibilidade de o COB se associar e, com isso, submeter seus casos ao julgamento do Conar. Vale frisar que o Código de Ética do Conar veda expressamente a prática de ambush marketing.
– As agências serão punidas ou somente as empresas?
Ambas estão sujeitas a sofrerem demandas judiciais. O Comitê Organizador ou o COI, via o COB, poderão optar por demandar as duas ou somente uma das duas. Por isso, é fundamental que no contrato entre a agência e a empresa, seja bem definida a cláusula de responsabilidade na hipótese de ação que involva direitos de propriedade intelectual.
– Qual a importância do esporte como forma de difusão de marcas e integração cultural?
O esporte é um grande veículo de difusão das marcas pelo seu alto grau de penetração junto ao público. Além disso, o esporte congrega pessoas de diferentes raças, religiões e nacionalidades, promovendo, naturalmente, a integração cultural entre os povos.
Portanto, o uso da propriedade intelectual para o desenvolvimento econômico através do esporte é uma realidade a ser melhor explorada pelos países emergentes e em vias de desenvolvimento.