por Carlos Eduardo Eliziario de Lima e Rodrigo Augusto Oliveira Rocci
08 de agosto de 2017
compartilhe
Gestão do programa realizada pelo Ministério da Saúde necessita ser aprimorada
Carlos Eduardo Eliziário de Lima e Rodrigo Augusto Oliveira Rocci
O programa das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, conhecidas como PDPs, foi implementado de forma mais estruturada pelo Ministério da Saúde a partir do ano de 2009.
As PDPs foram concebidas como instrumento para capacitar laboratórios públicos oficiais a fabricar medicamentos considerados estratégicos no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), reduzindo, assim, o déficit da balança comercial de compra de medicamentos do Ministério da Saúde.
A ideia por traz do programa reside na utilização estratégica do poder de compra do Estado, no caso, do Governo Federal, mediante a estruturação de parcerias tripartites, envolvendo uma empresa privada detentora de tecnologia de um medicamento estratégico, um laboratório público oficial e o próprio Ministério da Saúde.
Assim, a PDP seria estruturada a partir de um contrato administrativo entre a empresa privada e o laboratório público oficial, por meio do qual a empresa forneceria ao laboratório público a tecnologia de fabricação do medicamento e, durante o prazo de transferência da tecnologia, o laboratório se comprometeria a comprar da empresa determinadas quantidades do medicamento.
Mediante outro contrato, denominado Termo de Compromisso, o Ministério da Saúde então se comprometeria a comprar com exclusividade (ou semi-exclusividade) o medicamento do laboratório público.
Nesse contexto, a empresa obtém, como contrapartida ao fornecimento da tecnologia de fabricação do medicamento, uma garantia de fornecimento do produto a certas quantidades, preços e por um determinado período.
Durante a fase inicial de implementação do programa, havia muitas dúvidas a respeito das PDPs, na medida em que não existia marco regulatório próprio sobre o tema, de modo que a forma de contratação e o próprio rito para formalização de uma parceria não estavam totalmente claros.
Diante daquele cenário de incerteza, foi editada e publicada a Portaria 2534/2014, que redefiniu as diretrizes e os critérios para a definição da lista de produtos estratégicos para o SUS e, ainda, as regras para o estabelecimento, avaliação e gestão das PDPs.
Apesar de ter sido objeto de algumas críticas, o novo marco regulatório das PDPs foi visto como avanço, já que, pela primeira vez, foram estabelecidas regras claras sobre o processo de submissão de propostas de PDP e avaliação pelo Ministério da Saúde, sobre as fases da PDP, monitoramento das parcerias, responsabilidades das partes, etc.
Ocorre que, desde que houve a divulgação do resultado das propostas de PDP vencedoras do ano de 2015 e a interposição de recursos administrativos pelas empresas que não tiveram suas propostas selecionadas, tem-se observado grande retrocesso no Ministério da Saúde com relação à gestão das PDPs. Como resultado, o programa, que caminhava para estabilização e melhor nível de segurança jurídica, sofreu substancial desgaste.
Desde então, não houve a divulgação oficial do resultado do julgamento dos recursos administrativos apresentados em 2015 e, diante de tal impasse, o Ministério da Saúde sequer publicou a lista de produtos estratégicos para o ano de 2016.
Em 2016, portanto, diante da não divulgação da lista de produtos estratégicos, não foram submetidas propostas de PDP ao Ministério da Saúde.
O cenário conturbado do programa permaneceu em 2017, já que a lista definitiva de produtos estratégicos, que deveria ter sido publicada até 31 de dezembro de 2016, somente foi publicada em 10 de março de 2017 (Portaria 704 do Ministério da Saúde).
Como o prazo de submissão das propostas de PDP previsto na Portaria 2531/2014 expira em 30 de abril (partindo-se da premissa de que a lista de estratégicos é divulgada até 31 de dezembro do ano anterior), houve grande incerteza por parte das empresas e laboratórios públicos, já que o Ministério da Saúde tardou em informar qual seria o prazo para submissão de propostas de PDP em 2017.
De fato, apenas em 29 de junho de 2017 houve a divulgação de um Informe Técnico, por parte do Ministério, informando que o prazo para submissão de propostas seria 06 de julho de 2017; em outras palavras, da data de confirmação do novo prazo, laboratórios e empresas tiveram apenas uma semana para estruturar e submeter suas propostas de PDP.
Para compor esse cenário de incertezas, o Ministério da Saúde decidiu, de ofício, suspender, no início de julho, a PDP firmada entre a empresa farmacêutica Shire e a Hemobrás – Empresa Brasileira de Hemoderivados, cujo objeto é a transferência de tecnologia para fabricação e o fornecimento do produto fator VIII de coagulação (recombinante), destinado ao tratamento de hemofilia A.
Tal decisão foi comunicada por meio de um ofício direcionado exclusivamente à Hemobrás, sem qualquer motivação, e sem que tanto a Shire quanto a Hemobrás tivessem tido a oportunidade de se manifestar antes da decretação da suspensão.
Em virtude dos vícios da decisão, especialmente a falta de motivação e o cerceamento de defesa, a Shire se viu compelida a recorrer ao Judiciário e, felizmente, obteve a concessão de medida liminar revogando a decisão do Ministério da Saúde e restabelecendo a vigência de sua PDP.
A liminar foi concedida pelo Juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 4ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, sobretudo por reconhecer que o ato do Ministério da Saúde carece de motivação e, ainda, porque não se pode suspender a PDP sem que o Ministério comprove, ainda que perfunctoriamente, que não há risco de desabastecimento no SUS.
A decisão do Ministério da Saúde, aliás, também foi objeto de questionamentos por parte do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) que, mediante o protocolo de uma representação com pedido cautelar, solicitou ao TCU a revogação imediata da decisão do Ministério da Saúde até que se avalie a economicidade da parceria e os eventuais prejuízos que a suspensão/ cancelamento poderiam trazer ao Erário.
Isso porque, conforme amplamente noticiado, a decisão de suspensão da PDP firmada entre a Shire e Hemobrás teria como pano de fundo as negociações conduzidas pelo atual Ministro da Saúde Ricardo Barros para implementação de parceria alternativa, envolvendo a empresa Octapharma, que levaria investimentos para uma nova unidade do Instituto de Tecnologia do Paraná – TECPAR, a ser instalada em Maringá, reduto eleitoral do Ministro.
Essa alternativa pretendida pelo Ministro, além de não respeitar a PDP firmada entre Shire e Hemobrás, ainda vai de encontro aos procedimentos previstos na Portaria 2531/2014, já que o fator VIII de coagulação (recombinante) sequer consta da lista de produtos estratégicos de 2017 sujeitos a propostas de PDP e, ainda que estivesse, não haveria garantia de que a proposta vencedora seria aquela que contemplasse a empresa Octapharma e o laboratório público TECPAR.
Muito embora as PDPs possam trazer inúmeros benefícios para a sociedade e o Estado brasileiro, a gestão do programa realizada pelo Ministério da Saúde necessita ser aprimorada, a fim de que as regras e princípios previstos no marco regulatório promulgado em 2014 sejam efetivamente aplicados e, assim, conferindo a necessária segurança jurídica ao programa.