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Dez anos depois

por David Merrylees

01 de junho de 2007

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A conscientização da importância da propriedade industrial que vem correndo pelo mundo, desde a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da assinatura do acordo TRIPS (Trade-Related Intellectual Property Rights) no início de 1995, não ficou despercebida no Brasil. Se a lei brasileira atual da propriedade industrial passou pelo Congresso em 1996, tendo entrado em vigor em 1997, a sua origem está nos ano oitenta.

Naquela época, nem sequer os produtos químicos eram patenteáveis no Brasil. Hoje, não há habitante em uma cidade como o Rio de Janeiro que não tenha consciência do fato de que a compra de um CD contrafeito ou de uma bolsa feminina com a aparência de grife é um crime contra o direito autoral de alguém, podendo até provocar uma ponta de culpa. E a população brasileira sabe da existência da proteção patentária, mormente no campo farmacêutico. De qualquer maneira, a conscientização está presente e, pelo que parece, veio para ficar.

As disposições sobre patentes na legislação brasileira têm a sua origem no Tratado de Harmonização da Lei de Patentes da OMPI que nunca passou de projeto, mas que provocou a modernização da lei patentária em diversas jurisdições. Deve-se mais a este projeto de tratado do que aos termos do acordo TRIPS a inspiração brasileira para o Projeto de Lei que, alguns anos depois, virou a Lei da Propriedade Industrial 9279/96. A nova lei veio como uma mensagem bem-vinda àqueles que defendem a propriedade intelectual e finalmente o Brasil, membro fundador da Convenção de Paris em 1883 e do Tratado de Cooperação de Patentes (PCT) em 1997, foi agraciado com um legislação moderna.

A nova lei só foi entrar plenamente em vigor um ano após a sua promulgação, em 14 de maio de 1996, o que resultou no depósito de pedidos pipeline, que são aqueles destinados a garantir a concessão imediata de patentes brasileiras com a mesma vigência das patentes correspondentes no exterior, ainda em vigor, que reivindicavam invenções previamente não patenteáveis e ainda não exploradas no Brasil. De outra forma, tais invenções só seriam patenteáveis um ano mais tarde, com a entrada em pleno vigor da lei nova, desde que ainda preenchessem os requisitos básicos de novidade e atividade inventiva. As invenções em questão incluíam todos os produtos químicos, farmacêuticos e alimentícios e ainda seus respectivos processos de preparação. Foi exigida uma alta taxa oficial para tais depósitos. Embora a interpretação e a aplicação das disposições pipeline tenha resultado em diversos questionamentos na justiça, é fato que muitas patentes -a maioria no campo farmacêutico-foram concedidas a partir de pedidos que não tinham sido previamente depositados no Brasil, em razão das proibições contidas na legislação anterior.

A partir de 15 de maio de 1997, no entanto, as disposições da nova lei entraram em pleno vigor e, com elas, aumentou em tornou de 25% o número de pedidos de patente no País, por conta não apenas da remoção da maioria das proibições à patenteabilidade, como também do aumento da credibilidade na política do governo brasileiro que, além de aderir ao acordo TRIPS, fez promulgar uma legislação de propriedade industrial moderna.

A nova lei incorporou disposições importantes que incluem um período gratuito de um ano para depósitos de patente, o reconhecimento específico de que aquele que contribui para um ato de infração é também um infrator e uma definição genérica de equivalência na interpretação de uma reivindicação para questões de infração.

Uma mudança importante na nova legislação foi a extinção das patentes de modelo e de desenho industriais, previamente concedidas por uma vigência de 10 anos, após um exame substantivo idêntico ao aplicado às patente de invenção e de modelo de utilidade, e a introdução da proteção de desenhos por meio de registros de desenho industrial. Esses registros são concedidos quase imediatamente após o depósito e possuem uma vigência que poderá ser prorrogada por até 25 anos a partir da data de depósito. Os registros de desenho industrial, que também são beneficiados por um período gratuito (de 180 dias) poderão ser examinados, a pedido, quanto a sua novidade e originalidade, mas somente após o registro. Este exame é rápido e o titular poderá esperar ter o seu desenho registrado e examinado dentro de aproximadamente um ano a partir do depósito. Ao confrontar-se com uma cópia quase exata, o titular de um registro de desenho industrial possui uma arma bastante eficaz a ser levada aos tribunais, com a real possibilidade de obtenção muito rápida de uma liminar que impeça o infrator de continuar a atividade questionada até a decisão em primeira instância.

Os últimos dez anos, beneficiados pelas disposições da "nova" lei de propriedade industrial, testemunharam um aumento notável dos litígios atrelados a patentes. Muitas dessas ações judiciais dizem respeito à interpretação do acordo TRIPS ou das disposições sobre as patentes pipeline. Muitas foram provocadas pelo crescimento mundial da indústria de genéricos no campo farmacêutico. E muitas resultaram do fato de que a legislação moderna de propriedade industrial trouxe mais investimento ao País. O propósito de grande parte desses litígios foi o de assegurar os direitos dos titulares, buscando interpretações dos tribunais com base no acordo TRIPS e/ou na legislação nacional. Houve, no entanto, um aumento nos litígios envolvendo o exercício dos direitos dos titulares de patentes e de registros de desenho industrial contra infratores nos tribunais estaduais, que têm concedido liminares a favor tanto dos titulares como dos eventuais infratores. Nas circunstâncias em que há constatação inicial de uma evidência forte de infração, concederam-se liminares impedindo os infratores de continuarem a atividade questionada, sob pena de uma multa relativamente pesada. Por outro lado, quando o réu de uma ação de infração consegue apresentar na Justiça Federal um argumento cabal de que a patente é nula, pode obter uma liminar suspendendo os direitos da patente ou do desenho industrial (pelo menos em relação a ele mesmo), até decisão em primeira instância.

De fato, dez anos após a promulgação da atual Lei da Propriedade Industrial houve muito desenvolvimento e, ainda mais importante, a conscientização pública de que a existência da propriedade industrial está finalmente se tornando realidade.

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David Merrylees

Agente da Propriedade Industrial , Engenheiro

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