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Matrix ontem, metaverso hoje: como se resguardar frente às novas tecnologias?

por Rafael Dias de Lima e Felipe Dannemann Lundgren

17 de novembro de 2022

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No primeiro e aclamado filme Matrix, lançado em 1999, há uma célebre frase com a qual o ator Laurence Fishburne (Morpheus) se dirige ao ator Keanu Reeves (Neo) e indaga: “Como você saberia a diferença entre o mundo dos sonhos e o mundo real?”

À época, muitos certamente refletiram de forma imediata: “Será que um dia teremos uma fusão do mundo real com o virtual?”

Vinte e três anos depois, tudo indica que nunca estivemos tão próximos dessa intercessão entre o físico e o virtual. Um novo mundo se apresenta para uma geração ávida pelo conhecimento e cada vez mais engajada e envolvida com o mundo virtual em suas mais diversas vertentes.

O advento de novas tecnologias e a consequente dinâmica frente à sociedade provocam novas discussões sob a égide da propriedade intelectual. Como nos posicionarmos e protegermos não somente no cenário nacional, como também no internacional?

A premissa principal é entender que a visão estratégica das novas tecnologias (metaverso, NFTs, blockchain e smart contracts) não pode ser restritiva. Ao contrário, as novas tecnologias devem ser analisadas, praticadas e protegidas com a maior amplitude possível, de modo a literalmente “agarrar” todas as oportunidades que surgirem.

Blockchain
A tecnologia blockchain pode ser definida como uma estrutura de dados que assegura que os registros são imutáveis. Através de um sistema descentralizado de registro de dados e informações, a tecnologia visa adicionar confiança em um ambiente de desconfiança e permitir o registro de qualquer tipo de transação, bens (físicos e digitais) e/ou informação, sejam eles de caráter financeiro ou de qualquer natureza.

Dito isso, a tecnologia tem aplicação em praticamente todos os ramos de atividade, inclusive e especialmente na área de propriedade intelectual.

Considerar o registro em alguma rede blockchain pode ser particularmente interessante como forma alternativa de proteção das chamadas “criações de espírito” que, no Brasil, de acordo com a Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98), independem de registro formal para merecerem proteção, mas cujo exercício contra terceiros muitas vezes depende de prova de titularidade e de criação da obra em juízo.

Além da proteção das criações de espírito, a tecnologia pode ter utilidade em processos judiciais e/ou administrativos em todas as áreas da propriedade industrial (marcas, patentes, desenhos industriais, entre outros). Tribunais ao redor do mundo já começam a aceitar registros efetuados em redes blockchain como meio válido de prova em juízo.

Na prática, por ser de fácil utilização, acessível a todos e de custo marginal baixo, o blockchain já vem sendo utilizado por empresas e indivíduos como forma complementar de proteção dos seus ativos de propriedade intelectual. A tendência é que ganhe cada vez mais espaço nas estratégias globais de proteção da propriedade intelectual.

Smart contracts
Os chamados contratos inteligentes (ou smart contracts em inglês) são uma decorrência natural da popularização e ampliação do uso da tecnologia blockchain.

Trata-se de uma verdadeira evolução da rede, passando de uma rede estática para registro de bens e transações (financeiras ou de qualquer natureza), para um ecossistema digital que permite a interação entre uma pluralidade de partes para transacionar de forma segura em ambiente virtual.

Um smart contract nada mais é do que um programa de computador, criado em linguagem de programação, contendo regras pré-definidas que serão executadas de forma automática após a ocorrência de um determinado evento, também previamente definido.

Trata-se de um contrato (programa de computador) que estabelece um conjunto de regras para a realização de determinadas transações, não apenas financeiras, e que são autoexecutáveis, “rodando” de forma segura e descentralizada.

Não é difícil perceber o potencial praticamente infinito de aplicações para contratos dessa natureza. Muito além de simples transações financeiras, que deram origem à tecnologia, os contratos inteligentes podem ser utilizados e implementados em praticamente todos os segmentos da economia, viabilizando desde simples transações de compra e venda, até transações mais complexas, envolvendo uma pluralidade de partes.

Iniciativas nesse campo já se espalham por ramos como mobilidade urbana, distribuição de energia, transações imobiliárias e cadeias de suprimento.

Na área de propriedade intelectual, os smart contracts têm um amplo potencial de utilização, podendo facilitar, por exemplo, o licenciamento e/ou transferência de bens de propriedade intelectual, pagamento de royalties e a atualização de grandes portfólios internacionais.

É só uma questão de tempo até que esse tipo de contrato vire parte do cotidiano daqueles que atuam com propriedade intelectual, como já é a realidade em outros campos.

NFTs
As tecnologias exploradas nos tópicos anteriores viabilizaram o surgimento de uma terceira, a saber, os NFTs.

Os NFTs (tokens não fungíveis, em português) já são uma realidade “palpável” que vem obrigando as empresas a saírem de suas zonas de conforto, de modo a assimilar e acompanhar o novo caminho traçado pelo cada vez mais exigente mercado consumidor (altamente atento às novas tecnologias).

Diversas pessoas e empresas vêm disponibilizando seus NFTs, como peças únicas, exclusivas e autênticas, nos mais diferentes segmentos de mercado (automotivo, vestuário, alimentício (comidas e bebidas), esportivo, obras de artes, entretenimento etc.).

Tal expansão vem gerando transações milionárias e, consequentemente, discussões sobre diferentes formas de resguardar suas criações sob a ótica da propriedade intelectual (marca, direito autoral, desenho industrial, software etc.).

Para referência, atualmente, diversos marketplaces (Open Sea, OpenBazaar, Neuno, OpsKins, Super Rare, Binance, Super Rare, etc.) estão disponíveis para atuar como elo de interação entre as criações desenvolvidas por empresas e o público-consumidor.

É fundamental que os usuários e titulares tenham pleno conhecimento dos termos de uso adotado por cada um dos marketplaces, uma vez que estes impactarão diretamente em seus modelos de negócio.

Além disso, é necessário estar atento às “regras” vinculadas a cada NFT específico, tendo em vista que os criadores podem, por meio dos smart contracts (acordo de vontade interpartes que ocasiona segurança e transparência na formalização do negócio), estabelecer contraprestações devidas em futuras reproduções ou vendas do conteúdo (porcentagem do lucro auferido, por exemplo).

A lógica dos NFTs está diretamente associada a um certificado digital de propriedade, que traz consigo todo o histórico de titularidade e transações, que permitem a existência das referidas regras. O histórico via blockchain, por sua vez, fica totalmente preservado, garantindo que nenhuma informação será perdida ou alterada.

Além de associar contraprestações à futuras reproduções ou vendas, as regras envolvendo NFTs podem ir muito além. É possível atrelar a aquisição de artigos colecionáveis digitais (exclusivos e limitados) à obtenção de ingressos de shows ou de clubes exclusivos realizados também no âmbito virtual). Há, ainda, quem vincule a aquisição de NFTs com a entrega física do objeto. A título ilustrativo, o usuário compra um NFT de um hambúrguer ou tênis e recebe o seu produto diretamente em casa.

Em suma, tudo o que acontece no mundo físico pode acontecer no mundo virtual em um piscar de olhos, mas com uma pluralidade, profundidade e alternativas ainda mais diversificadas em comparação ao mundo físico. Ao mesmo tempo, é possível que compras e transações realizadas no mundo virtual tenham resultado no mundo físico também.

Diante das altas cifras alcançadas com os NFTs, é possível afirmar que a monetização da propriedade intelectual no mundo virtual alcança patamares jamais imaginados anteriormente. A tendência é que esse patamar ainda aumente de forma exponencial em cifras incalculáveis, tendo em vista as criações intelectuais e tecnologias que se diversificam e desenvolvem cada dia mais.

A propriedade intelectual, com o NFT, ganha uma nova e até então inimaginável força nas mãos das empresas. O sucesso e o lucro na exploração dos ativos, no entanto, dependerão exclusivamente da maneira através da qual as empresas se protegerão no âmbito de propriedade intelectual e áreas correlatas.

Metaverso
E chegamos ao “mundo” metaverso. Compras de terrenos (já é possível se deparar com especulação imobiliária virtual), espaços para assistir shows e eventos de diferentes naturezas, espaços específicos para comercialização de artigos de diferentes segmentos, espaços para colégios e universidades, entre outras funcionalidades, já são uma realidade nesse mundo novo.

O metaverso permite a interação e socialização total entre os usuários. Trata-se de um novo ecossistema em que as pessoas poderão usufruir no mundo virtual dos mesmos benefícios (ou até melhores) do mundo físico. Já é possível abrir contas em banco, fazer reuniões de trabalho, comprar artigos (roupas, carros, apartamentos etc.), frequentar restaurantes, visitar museus e até mesmo estar em países jamais visitados fisicamente. É possível, portanto, realizar no mundo virtual as mesmíssimas atividades já realizadas no mundo físico, agora com mais facilidade.

Atualmente, já existem diversas plataformas conhecidas que atuam com o metaverso, tais como: Descentraland, Fornite, Roblox, Sandbox, Minecraft, entre outras. Tais plataformas vêm caminhando a passos largos para uma interação cada vez mais real entre o mundo físico e o virtual.

O impossível até poucos anos se tornará cada vez mais possível. Todas as percepções sensoriais (olfato, paladar, visão, audição e tato) poderão ser viabilizadas por meio do metaverso. Muito provavelmente, inúmeras pessoas passarão a viver mais no mundo virtual do que no mundo físico. Na verdade, a tecnologia vem sendo desenvolvida de maneira tão rápida que estamos mais próximos da total fusão do mundo físico com o mundo virtual. Existe, portanto, a possibilidade de, no futuro, não existir mais dois mundos tão identificáveis, mas sim a perfeita interação entre ambos.

A referida interconexão nos colocará diante de incontáveis criações, as quais resultarão em novas marcas, patentes, desenhos industriais, softwares, direitos autorais, contratos, dentre outros ativos de propriedade intelectual e direitos conexos. Uma nova realidade para a qual as empresas deverão estar preparadas desde já.

A partir do cenário exposto, surgem inúmeras indagações em relação a como resguardar adequadamente os direitos de propriedade intelectual, monetizá-los e criar um maior elo com os consumidores, dentre as quais destacamos as seguintes:

a) Como e de que modo devo proteger o meu ativo intelectual para entrar de modo seguro nesse novo mundo virtual?

b) Há mecanismos seguros de modo a garantir a efetividade dos meus direitos de propriedade intelectual dentro do mundo virtual?

c) Existe a possibilidade da criação de “robôs” dentro do mundo virtual de modo a fazer uma varredura de eventuais infrações dos meus direitos de propriedade intelectual?

d) Como se dará a defesa dos meus direitos de propriedade intelectual dentro desse novo mundo virtual?

e) Qual a amplitude dos contratos para a proteção de meus ativos intangíveis diante desse novo mundo que se apresenta?

f) Quais modelos de negócio poderão se fortalecer, e como podem ser utilizados para monetizar os meus bens de propriedade intelectual?

Todas essas questões convergem para a necessidade de as empresas buscarem imediatamente a proteção de seus ativos de propriedade intelectual (marcas, direito autoral, desenhos industriais, softwares, etc.), de modo a garantir a efetividade de seus direitos neste novo mercado.

Novos modelos de negócios vêm sendo estabelecidos no âmbito do metaverso e NFT. Em um curto espaço de tempo esse mercado vem abrindo novas oportunidades de negócios, resultando em altas cifras. Igualmente, revela-se a importância em firmar novos contratos com amplitudes diversas, visando a proteção dos ativos de propriedade intelectual e a criação de um elo cada vez mais sólido entre as marcas e os consumidores.

O mais importante aqui não é somente entrar no mundo metaverso/NFT, mas ter conhecimento de antemão de todas as proteções necessárias dentro da área de propriedade intelectual para alavancar esse novo modelo de negócio, que deixou de ser virtual e passou a ser real.

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Rafael Dias de Lima

Conselheiro - Conselho Administrativo

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Felipe Dannemann Lundgren

Conselheiro - Conselho Administrativo

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