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Propriedade intelectual e retaliação cruzada em disputas perante a OMC

por Sandra Leis

01 de março de 2009

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A suspensão de concessões e obrigações na área de propriedade intelectual (PI) tem sido uma ferramenta utilizada por países subdesenvolvidos e em desenvolvimento a fim de pressionar países desenvolvidos a cumprirem as recomendações da OMC. Como as economias dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento são muito dependentes da importação de produtos manufaturados e exportação de commodities, a suspensão de concessões e obrigações dentro do GATT (bens) ou GATS (serviços) pode ser mais desvantajosa do que benéfica para aqueles países. Portanto, países em desenvolvimento e subdesenvolvidos preferem ameaçar países desenvolvidos com a suspensão de concessões e obrigações dentro do TRIPS, que é uma área mais sensível para os países desenvolvidos. Este mecanismo é comumente conhecido como retaliação cruzada porque envolve um acordo da OMC que não é objeto da disputa.

Recentes exemplos de retaliação cruzada envolvendo PI são: Equador & E.U.A. vs. Comunidade Européia referente ao regime da CE para importação e distribuição de bananas; Antigua e Barbuda vs. E.U.A. a respeito de serviços de apostas transfronteiras; Brasil vs. E.U.A. sobre os subsídios a produtores de algodão. Embora nessas disputas o painel da OMC tenha autorizado o demandante a suspender concessões e obrigações dentro do TRIPS, em face do não cumprimento da decisão pelo demandado, nenhuma medida nesse sentido foi aplicada até hoje.

Em relação à disputa sobre subsídios ao algodão, em agosto de 2008, o Brasil pediu a reabertura do painel de arbitragem, suspenso em 2005. O painel foi nomeado e o Brasil apresentou seu pedido, contendo a forma e o valor da retaliação. Espera-se uma decisão em abril de 2009.

Paralelamente, como as decisões da OMC não são auto-aplicáveis nos países membros, o Brasil precisa de uma lei para fazer cumprir essas decisões e possivelmente suspender direitos de PI, se necessário. Com este fim, há um projeto de lei pendente na Câmara dos Deputados (nº 1893/2007), que, se aprovado, permitirá ao Brasil suspender direitos de PI em caso de descumprimento de decisões da OMC, mediante autorização do Órgão de Solução de Controvérsias daquela entidade. Esse assunto tem causado muita preocupação por parte dos titulares de direitos de PI, que temem a suspensão temporária dos seus direitos.

No entanto, três aspectos devem ser considerados: primeiramente, o fato de que o referido projeto de lei requer aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado e sanção pelo Presidente da República, o que pode levar vários meses, já que ainda se encontra na Câmara; o segundo aspecto é que o projeto de lei contém disposições gerais sobre a suspensão temporária de direitos de PI, mas não estabelece como isso será feito, assim, mesmo que o projeto de lei seja aprovado e se transforme em lei, haverá necessidade de regulamentação; finalmente, há que se levar em conta que, no caso da disputa entre Brasil e Estados Unidos, a suspensão de direitos de PI pode trazer mais desvantagens do que benefícios ao Brasil, no que se refere ao fluxo de comércio entre os dois países e, portanto, é uma medida que merece cuidadosa reflexão antes de ser aplicada.

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Sandra Leis

Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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