por Attilio Gorini
01 de setembro de 2008
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Em 19 de fevereiro deste ano, a Lei de Direitos Autorais (LDA), Lei nº 9.610, completou 10 anos. Muita coisa aconteceu nesse tempo e mais ainda pode estar por vir. O Ministério da Cultura está à frente de um movimento que pretende mudanças radicais na legislação, apesar de sua juventude.
Há pouco mais de 10 anos, vigia no Brasil a Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973. Apesar de conter dispositivos interessantes, a lei realmente precisava de modificações, fora criada sob o regime militar e, em muitos artigos, carecia de linguagem ampla o suficiente para abraçar novas tecnologias.
A legislação de 1998, após bem sucedidas negociações, iniciadas após a promulgação da Constituição Federal de 1988, veio em resposta à inadequação da lei setentista. Apesar de, em 1998, o uso da Internet como ferramenta de divulgação e disseminação de obras, ser ainda tímido, o legislador foi muito feliz ao dar à nova lei uma roupagem moderna, com expressões amplas e abrangentes, tornando-a resistente ao tempo.
Para se ter uma idéia da adequação da LDA aos dias atuais, vale ressaltar que ela contém menção expressa à transmissão por satélites (art. 5º, incisos II e XII), ao armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos (art. 5º, inciso VI), à fixação de obras em qualquer suporte, tangível ou intangível (art. 7º) e aos dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia (art. 107, inciso I). Hoje, as expressões em questão podem ser perfeitamente aplicadas à transmissão digital via satélite, ao armazenamento em memória cache ou em HDs virtuais e ao controvertido DRM (dispositivos de gerenciamento de direitos autorais digitais).
Um dos pontos mais polêmicos da lei de 1998 foi a determinação de que somente pequenos trechos de obras podem ser reproduzidos, desde que sem intuito de lucro. A lei de 1973 autorizava a cópia integral. Esta redução, aliada à falta de definição sobre o que são “pequenos trechos”, trouxe à baila várias discussões sobre o quão restritiva seria a LDA. Na prática, essa restrição não impede – e nem havia essa intenção – cópias integrais para uso próprio, desde que o original tenha sido adquirido legalmente pelo copista. No entanto, ela serve, isso sim, para coibir cópias irrestritas e sem qualquer controle, como as de material didático que assombravam – e, na verdade, ainda assombram – os autores.
Uma ausência sentida na LDA foi a eliminação das obras feitas sob encomenda, existentes na lei de 1973 e na Lei de Programas de Computador, promulgada no mesmo dia da LDA. Assim, quaisquer obras criadas sob contratos de trabalho ou de prestação de serviços passaram a ter que ser alvos de contratos específicos de cessão, obedecendo às várias regras do artigo 49 da LDA. Isso acabou gerando uma burocracia enorme – e desnecessária – que afetou, em seu início, as empresas contratantes. Hoje, porém, a situação encontra-se substancialmente normalizada, tendo os contratantes e empregadores compreendido a necessidade de cessão expressa.
O que ocorre hoje, após 10 anos, é o início da consolidação de uma boa lei. No entanto, o Ministério da Cultura (MinC) não dá sinais de querer deixar as questões se apaziguarem. No início do ano passado, o MinC inaugurou o Fórum Nacional de Direito Autoral, que passou a defender uma profunda “flexibilização” da lei.
Na primeira edição do Fórum, em 5 de dezembro de 2007, todos os palestrantes escolhidos partilhavam da posição do governo, o que causou consistentes reclamações da comunidade detentora de direitos autorais, fossem pessoas físicas ou jurídicas, tendo em vista a parcialidade e unilateralidade do que foi discutido. Como se isso não bastasse, nos meses que se seguiram ao Fórum, o governo finalmente oficializou suas intenções de “flexibilização” da lei, quando, o agora ex-Ministro Gilberto Gil (que deixou o cargo no dia 30 de julho de 2008), afirmou que queria: (1) redefinir o papel do Estado na área autoral, com maior ingerência sobre os conflitos nessa área; (2) repensar o capítulo de limitações na LDA, permitindo a cópia integral e o acesso a obras por deficientes físicos e outros e (3) fazer com que os autores (pessoas físicas) retomem o controle sobre as utilizações de sua obras, impedindo a cessão total e definitiva de direitos (fonte: O Globo, 22.06.2008, p. 17, País).
Nos dias 30 e 31 de julho de 2008, oito meses após o primeiro Fórum, o governo organizou a segunda edição, dessa vez, curvando-se às pressões por algum equilíbrio nas discussões. No entanto, apesar de algumas ótimas apresentações, foi difícil manter um debate mais qualificado, pois a platéia, ainda que com opiniões divididas, deixou-se levar pelas emoções, conturbando o evento.
Recentemente, em 27 e 28 de agosto, a terceira edição do Fórum ocorreu em São Paulo. Apesar de um público mais calmo, vários conceitos fundamentalmente equivocados foram passados pelos palestrantes como verdades absolutas, o que tem o potencial de gerar entendimentos divorciados da realidade. A impossibilidade de intervenções orais por parte de especialistas presentes na platéia inviabilizou a justa correção de alguns conceitos, agravando-se a situação.
No nosso entendimento, o Governo Federal quer modificar uma lei que funciona e que é perfeitamente adaptada ao mundo moderno. Apesar de prematura qualquer alteração, a discussão – desde que de alto nível – é sempre bem-vinda. Há necessidade, porém, de um efetivo envolvimento de todos os setores que produzem e se utilizam de conteúdo protegido por direitos autorais, para que propostas distantes da realidade de mercado sejam rechaçadas em seu nascedouro.