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A proteção do ”trade dress” na área farmacêutica

por Gustavo Piva de Andrade

01 de junho de 2009

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Nos últimos anos, o Judiciário brasileiro enfrentou inúmeros casos sobretrade dress na área de medicamentos. O número de disputas cresceu substancialmente a partir de 1999, quando foi promulgada a lei que regulamenta a comercialização de medicamentos genéricos. Desde então, alguns fabricantes de genéricos têm adotado uma posição mais agressiva em relação à imitação do trade dress de medicamentos de referência. Nesse contexto, a possibilidade das empresas inovadoras de combater o uso indevido de embalagens semelhantes tem sido vital para seus negócios.

No Brasil, para obter ganho de causa em uma ação do gênero, o titular da embalagem deve atender a dois pressupostos e comprovar:

  • A distintividade do seu trade dress; e
  • A possibilidade de confusão ou associação.

A distintividade é um elemento fundamental, pois, sem ela, o trade dress não possui capacidade para diferenciar o produto dos diversos produtos análogos existentes. Para ser passível de proteção, portanto, a embalagem do medicamento há de ser distintiva e efetivamente distinguir e individualizar o produto dos seus congêneres no mercado.

É interessante notar que a lei brasileira proíbe não apenas a confusão concreta como também a possibilidade de confusão entre os produtos. O tipo mais comum de confusão ocorre quando o novo competidor tenta aproximar a embalagem do seu produto da embalagem do produto líder de mercado. Trata-se de uma forma de concorrência desleal e já existem diversos precedentes no Judiciário brasileiro atestando a ilicitude dessa conduta (vide Sanofi v.H.B. Farma, 2003, Sanofi v. Vitapan, 2006).

A jurisprudência na área farmacêutica também engloba situações em que o produto do novo competidor não se passa pelo produto líder, mas há uma associação indevida entre os medicamentos. Nesses casos, embora tenha reconhecido que o consumidor não irá adquirir um produto pelo outro, o Judiciário vem considerando que pode existir uma confusão quanto à origem dos fármacos ou mesmo uma “carona” na reputação do medicamento tradicional.

Essa questão pode ser ilustrada pela decisão proferida no caso Bristol-Myers v. EMS, 2007, que versa sobre a embalagem do produto "DERMODEX", na qual o Juízo concluiu que "o consumidor pode não ter dúvidas que o medicamento será genérico, contudo pode se equivocar, achando que se trata de medicamento genérico produzido por laboratório em que deposita sua confiança ou, talvez, passar a ficar com a sensação de familiaridade com aquele produto, pelo simples fato de se parecer com o produto de referência. (…) Ao utilizar sinais indicativos muito semelhantes àqueles da embalagem do DERMODEX, a ré consegue automaticamente transmitir ao seu produto todos os esforços de marketing das autoras, ou seja, uma percepção favorável na mente das pessoas (aspectos como confiança, tradição, liderança de mercado)".

Um argumento bastante usado por fabricantes de medicamentos genéricos é de que o uso de embalagens semelhantes seria benéfico para os consumidores, já que facilitaria a identificação pelo consumidor de qual seria o medicamento de referência daquele genérico. Nesse sentido, a indústria de genéricos se baseia na Lei dos Genéricos e alega que tal diploma legal autoriza o uso de características semelhantes em embalagens, suscitando uma espécie de conflito entre direitos marcários e o princípio constitucional do acesso à saúde da população.

Discordamos desse argumento uma vez que a Lei dos Genéricos simplesmente regula a coexistência dos genéricos com seus respectivos medicamentos de referência, permitindo a fabricação de fármacos cujas patentes já tenham expirado. Não há nenhum dispositivo na referida lei que autorize os fabricantes de genéricos a reproduzir a impressão visual da embalagem dos medicamentos de referência.

Esta questão também foi enfrentada na decisão do caso Bristol-Myers v. EMS, a qual destacou que "o legislador pregou a convivência entre o sistema jurídico que disciplina genéricos com o que tutela os direitos de propriedade industrial. (…) Destaca-se que a Lei dos Genéricos foi expressa ao excepcionar as hipóteses em que as normas relativas à patente poderiam não ser observadas. Não o tendo feito com relação aos demais direitos de propriedade industrial – marcas, desenhos industriais, outros sinais indicativos -, conclui-se que as mesmas permanecem vigentes, sem qualquer tipo de derrogação".

A decisão acima é extremamente relevante porque reconhece que não existe conflito entre a Lei dos Genéricos e a Lei da Propriedade Industrial, assim como deixa claro que a Lei dos Genéricos não criou qualquer tipo de exceção em relação aos direitos marcários e às normas que coíbem atos de concorrência desleal.

Nossa expectativa é de que a jurisprudência brasileira continue nesse sentido, garantindo às empresas inovadoras a prerrogativa de protegerem a impressão visual das embalagens dos seus medicamentos, bem como desestimulando a apropriação indevida do fundo de comércio desenvolvido sobre os referidos produtos.


 

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Gustavo Piva de Andrade

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Direito da Propriedade [...]

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