Em uma das decisões mais aguardadas no mundo da Propriedade Intelectual, a 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro reconheceu em 18/11 a proteção e distintividade do “Solado Vermelho” dos calçados Louboutin, declarando nulo o ato administrativo do INPI que havia indeferido o pedido de registro nº 901.514.225 para a marca de posição .A decisão judicial sobre a marca do “Solado Vermelho” representa um marco no direito de propriedade intelectual, especialmente no âmbito das marcas. Neste caso, destaca-se a importância da distintividade e do valor de proteger elementos únicos de uma marca.Em 2023, a grife francesa acionou o Judiciário para contestar a decisão do INPI, que indeferiu o seu pedido de registro para a marca de posição com base na suposta ausência de distintividade, conforme o item 5.13.2 do Manual de Marcas daquela autarquia. À época, Louboutin obteve uma liminar suspendendo a decisão do órgão.Na ocasião, a i. Juíza Federal Marcia Maria Nunes de Barros praticamente se adiantou ao mérito, consignando que:
Em discussão, está a marca de posição, qual seja: o notório “Solado Vermelho” aplicado em todos os calçados Christian Louboutin, desde 1992, como verdadeira insígnia de singularidade, identidade, exclusividade e requinte.As marcas de posição distinguem produtos pela aplicação de um sinal em uma localização específica, permitindo sua diferenciação no mercado. As marcas de posição foram oficialmente reconhecidas como passíveis de registro no Brasil pela Portaria INPI nº 37/2021. No entanto, a implementação prática desse reconhecimento ainda apresentava lacunas. A Portaria INPI nº 08/2022 (Manual de Marcas) foi editada para aprimorar o regramento e esclarecer pontos específicos, como os critérios de análise, os requisitos técnicos e os procedimentos de exame, o que reforçou a harmonização do Brasil com os padrões internacionais para marcas de posição, permitindo que titulares de direitos de Propriedade Intelectual alinhem suas estratégias de registro no país.A última portaria (Manual de Marcas) reiterou a definição que a marca de posição é caracterizada pela aplicação de um sinal distintivo em uma posição específica de um produto, em que a posição contribui para o reconhecimento do produto como proveniente de determinada origem, sendo que a sua posição não deve ser puramente funcional ou ornamental precisando de caráter distintivo necessariamente. E reforçou, ainda, que o requerente deve demonstrar que o consumidor reconhece o sinal aplicado em determinada posição como indicador de origem e foi além ao determinar que a distintividade pode ser intrínseca (inerente à posição e ao sinal) ou adquirida (decorrente do uso contínuo e massivo no mercado).Na recentíssima decisão proferida, reconheceu-se que o “Solado Vermelho”, utilizado consistentemente por Christian Louboutin, adquiriu distintividade por meio do uso extensivo e do reconhecimento dos consumidores, o que está em consonância com os princípios do direito marcário que protegem características capazes de distinguir produtos ou serviços no mercado.
Um fenômeno do direito de marcas central que ajudou a embasar a decisão foi o secondary meaning, ou distintividade adquirida. Esse fenômeno ocorre quando um nome, termo ou sinal, a princípio comum e adotado pela sociedade, adquire uma distintividade por ser utilizado continuamente para assinalar um determinado produto ou serviço. Mostrou-se ao longo da ação proposta pela grife francesa que o fenômeno do “Secondary Meaning” pode ser observado com o passar dos anos, em decorrência de uma maior distintividade que vai sendo conferida à marca, devendo ser verificado sob o ponto de vista do público-alvo, que deve perceber o signo em questão como marca de uma determinada empresa, e não como um termo meramente genérico.
Na decisão, o juízo destacou que “a fama e reputação dos sapatos Louboutin fizeram com que os consumidores associassem o solado vermelho ao produto, e não a uma mera cor, caracterizando distintividade adquirida (secondary meaning)”.
O entendimento acima foi embasado em mais de 50 (cinquenta) decisões judiciais e administrativas internacionais que confirmaram a registrabilidade do “Solado Vermelho” e que foram trazidas aos autos do processo.
A análise da corte também se fundamentou em evidências que demonstraram que o “Solado Vermelho” tornou-se sinônimo da marca Louboutin na mente dos consumidores. Pesquisas de mercado foram cruciais para estabelecer essa associação.
Nesse sentido, os resultados da pesquisa de mercado tiveram sucesso ao demonstrar que (i) existe incontestável capacidade de a marca individualizar e diferenciar a Autora da ação dos concorrentes de mercado e (ii) mesmo o consumidor-alvo (leigo em matéria de Marcas) consegue perceber que o solado vermelho de Pantone específico nos sapatos de salto alto Louboutin configura marca de posição em favor da Autora, uma vez que satisfaz todos os requisitos de validade para tal.
Aliás, diante do conceito de marca de posição retirado do Manual de Marcas (INPI, 2022), 95,4% das consumidoras entrevistadas consideraram a sola vermelha dos sapatos de salto alto da marca Louboutin como uma marca de posição.
Hoje, já vemos algumas decisões importantes sobre a aplicação da teoria do “secondary meaning” no Brasil, valendo citar o seguinte acórdão do TRF/2:
O julgamento reforça a proteção de elementos que formam parte integrante da identidade de uma marca. Para titulares de direitos de Propriedade Intelectual, isso serve como precedente para resguardar aspectos únicos de seus produtos, aprimorando o posicionamento no mercado e a confiança dos consumidores.Além disso, o caso Louboutin contribui para a jurisprudência global sobre marcas de cor e de posição, promovendo harmonização e previsibilidade no direito marcário.A decisão é inédita e pioneira ao reconhecer a distintividade da marca de posição Louboutin no Brasil, garantindo a exclusividade do uso do “Solado Vermelho”. Além de preservar os direitos da grife, a decisão reforça que elementos estéticos podem ser registrados como marca em contextos específicos, trazendo segurança à indústria da moda ao proteger o uso não convencional de cores como identificadores de origem, desde que comprovado o “secondary meaning”.A decisão é recorrível e necessariamente revista pelo TRF2, por força do art. 496 do Código de Processo Civil.