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Diluição de Marca: Uma Teoria Defensiva ou Ofensiva?

por Filipe Fonteles Cabral

01 de maio de 2002

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I. Introdução

A palavra "diluição" é freqüentemente citada em pareceres legais, em decisões e petições judiciais e administrativas1, no âmbito do Direito de Marcas. Muito embora exista um consenso entre profissionais da área, examinadores e juizes sobre a aplicação do termo "diluição" como uma argumentação defensiva, pouco se comenta sobre os princípios e a abrangência dessa teoria de direito, sob a legislação pátria.

Como uma teoria defensiva, os militantes da Propriedade Intelectual sustentam a registrabilidade de uma marca em face da convivência pacífica de diversos outros signos distintivos que contêm um elemento em comum. Por exemplo, argüi-se a possibilidade de registro da marca "PINGO DE OURO", para "serviços de restaurantes", tendo em vista que diversos outros sinais contendo o elemento "OURO" já estão registrados, protegendo os mesmos serviços, ou seja, a palavra "OURO" estaria "diluída" naquele ramo mercadológico.

Na verdade, no Brasil, a teoria da diluição de marca tem sido confundida com uma outra tese doutrinária, a teoria da distância, a qual possui fundamentos diversos e não deve ser igualada à primeira.

A teoria da distância, calcada nos princípios da eqüidade e igualdade, sustenta a coexistência de marcas tendo em vista uma situação de fato, ou seja, o convívio concreto e harmônico de signos semelhantes. É, portanto, uma teoria essencialmente defensiva, uma vez que tem por finalidade defender ou o uso registro de uma marca.

Ocorre que a teoria da diluição é muito mais ampla e seu escopo é muito mais abrangente do que o da teoria da distância. O conceito de diluição de marca é, na verdade, muito mais poderoso quando usado para atacar um registro (ou uso indevido) de marca do que para defendê-lo.

Pode-se dizer que esse instituto só estará sendo usado em sua plenitude quando para reprimir a adoção indevida de um signo distintivo por terceiros, em contraposição ao simples uso como um instrumento para defender o registro de marca composta por um termo de uso comum. A luta contra a diluição de um sinal é, por princípio, uma questão pura de direito, encontrando esteio na preservação de um bem jurídico.

A sobreposição da tutela da teoria da distância e da teoria da diluição de marca enquanto um teoria defensiva existe e é cabível. Todavia, o uso tímido do conceito de diluição pelos militantes da Propriedade Intelectual, dispensando sua faceta ofensiva, propicia uma proteção aos titulares de marcas aquém daquela conferida por lei, abrindo mão de um forte instrumento jurídico de combate às usurpações.

Ao resgatar a teoria da diluição de marca, tem-se por objetivo demonstrar a importância do tema para, em segundo momento, incitar a reivindicação dessa tutela jurídica perante o INPI e o Poder Judiciário.

II. A Força das Marcas

Antes de discorrer sobre a diluição especificamente, é mister tecer algumas considerações sobre a função e a força das marcas.

Ao individualizar um produto, distinguindo-o das mercadorias concorrentes, a marca garante ao comerciante2 o retorno do seu investimento. A marca é o instrumento que vai permitir a um comerciante que adquira a preferência e a fidelidade do consumidor.

Nesse sentido, o sonho de qualquer comerciante é o de possuir uma marca forte, um sinal que, quando pronunciado, traga logo à memória do consumidor a natureza e a origem do produto.

Aliás, essa é uma das atribuições dos profissionais de marketing: tornar fortes as marcas das empresas, fixando-as na mente dos consumidores.

No mundo de hoje, com a pluralidade de produtos e serviços com os quais nos deparamos, a qualidade não é suficiente para alçar um produto ao "Olimpo" e fixar sua marca na memória dos consumidores. Com efeito, a unicidade, a reputação e a consistência no uso do sinal são fatores determinantes.

A unicidade porque, se um sinal é único, única será a fonte que sobrevirá à cabeça do consumidor. A reputação porque é o conceito do sinal no mercado que atrairá ou afastará o consumidor leigo ao efetuar a sua primeira compra, e que cativará ou não sua fidelidade. A consistência no uso porque muitos consumidores fixam na memória a imagem fotográfica da marca, sendo certo que o uso de configurações diferentes para um mesmo sinal dificulta sua lembrança pelo público.

Assim, conclui-se que, quanto menos uma marca coexistir com marcas semelhantes, quanto melhor a sua reputação no mercado e quanto mais nítida for a imagem fixada na mente dos consumidores, maior será o seu poder de venda.

Desnecessário dizer que o poder de venda de uma marca, no mundo de hoje, é o termômetro da saúde financeira de uma empresa.

III. Diluição

Uma vez entendidos os elementos constitutivos e a importância de uma marca forte, chega-se ao conceito de diluição.

Diluição de marca é uma ofensa à integridade de um signo distintivo, seja moral ou material, por um agente que não necessariamente compete com o titular do sinal. O efeito da diluição de marca é a diminuição do poder de venda do sinal distintivo, seja pela lesão à sua unicidade, seja pela ofensa à sua reputação.

No Direito norte-americano, em que os estudos sobre a diluição de marca se desenvolveram com intensidade, a doutrina reconhece três tipos de diluição, a maculação (tarnishment), a ofuscação (blurring) e a adulteração de marca.

III.I. A Maculação

A maculação constitui uma ofensa à integridade moral de uma marca. É uma conduta que causa dano à reputação do sinal, seja pela associação desse signo com um produto ou serviço de baixa qualidade, seja pela sugestão de um vínculo do sinal com um conceito moralmente reprovado pela sociedade.

Um excelente exemplo de maculação de marca encontra-se na ação judicial American Express Co. v. Vibra Approved Laboratories3, que tramitou nas cortes dos Estados Unidos. Nesse caso, o slogan amplamente difundido da empresa de cartão de crédito, "NÃO SAIA DE CASA SEM ELE" ("don’t leave home without it"), estava sendo usado nas caixas de preservativos sexuais fabricados e comercializados pela demandada.

E não só por apelos sexuais têm sido movidas ações com base em maculação. Na lide Chemical Corporation of America v. Anheuser-Busch, Inc.4, a cervejaria titular da marca "BUDWEISER", e criadora do slogan "WHERE THERE’S LIFE… THERE’S BUD" ("ONDE HÁ VIDA… HÁ BUD"), acionou a empresa de pesticidas domésticos pelo uso da expressão de propaganda "WHERE THERE’S LIFE… THERE’S BUGS" ("ONDE HÁ VIDA… HÁ INSETOS").

III.II. A Ofuscação

A ofuscação, por sua vez, constitui na perda do "brilho" ou da força distintiva de uma marca. É entendida como uma violação à unicidade de um sinal, à sua integridade material, a partir do momento em que uma mesma expressão passa a identificar produtos de fontes diversas. A ofuscação constitui a diminuição do poder de venda de uma marca em razão da perda de sua unicidade, ou seja, o enfraquecimento de sua capacidade distintiva.

Um exemplo concreto de ofuscação extrai-se do caso pioneiro americano Ringling Bros.-Barnum & Bailey Combined Shows, Inc. v Celozzi-Ettelson Chevrolet, Inc.5. A autora é proprietária de um circo de renome nos Estados Unidos, que identifica seus espetáculos com a marca "THE GREATEST SHOW ON EARTH" ("O MAIOR SHOW DA TERRA"). O réu, um revendedor de automóveis novos e usados, passou a adotar o sinal "THE GREATEST USED CAR SHOW ON EARTH" ("O MAIOR SHOW DE CARROS USADOS DA TERRA") em seu salão de exposições, exatamente com o mesmo tipo estilizado de letra da autora e com adornos circenses.

Ao dirimir a questão, o Tribunal de Apelação da 7ª região (Seventh Circuit) confirmou a sentença de primeiro grau no sentido de que "o uso do slogan ‘The Greatest Used Car Show on Earth’ pelo réu Celozzi-Ettelson ofusca a forte associação que o público faz com a marca da autora Ringling Bros. e seu circo e, portanto, acarreta um dano irreparável".

Na decisão supra percebe-se a forte preocupação do Poder Judiciário norte-americano, com base nos preceitos legais de tutela das marcas, em proteger a unicidade de marcas criativas ou famosas, resguardando o seu poder distintivo adquirido no mercado e evitando o uso de sinais semelhantes por terceiros, mesmo que em segmento mercadológico distinto.

A Corte ignorou as questões de possibilidade de confusão ou associação entre as marcas ou suas fontes, uma vez que restou evidente que o consumidor jamais confundiria os serviços em questão ou associaria seu prestadores. A questão que se impôs soberana no arrazoado foi a proteção ao bem jurídico contra a perda do seu brilho, isto é, sua ofuscação.

III. A Adulteração

O terceiro e último tipo de diluição seria pela "adulteração de marca". Essa teoria surgiu com o caso Deere & Co. v. MTD Products, Inc.6, que envolveu dois fabricantes de tratores norte-americanos. Por meio de publicidade comparativa veiculada em rede de televisão, a empresa ré usou o logotipo da autora, o desenho de um cervo, em movimento constante. Adulterou-se, portanto, a figura registrada pela autora, na forma estática.

O comercial, em tom irônico, traz os tratores das duas empresas. Ao avistar o trator da MTD, a figura do cervo salta para fora do emblema do trator da Deere e foge de medo.

O Tribunal de Apelação da 2ª Região (Second Circuit) entendeu que o uso da marca de terceiros, de forma adulterada, constitui diluição, uma vez que está sendo usado sinal diverso daquele apropriado pelo titular e fixado na mente dos consumidores, o que, consequentemente, diminui o poder de venda da marca.

Nesse caso, presente está a lesão à consistência no uso da marca por parte do seu titular, sendo certo que o uso do sinal em outra formatação por terceiros prejudica a fixação de uma imagem única na memória do consumidor, o que, indiretamente, afeta negativamente a força distintiva desse signo.

IV. Diluição no Brasil

No Brasil, a Lei da Propriedade Industrial contém um dispositivo que provê proteção aos titulares de marcas contra a sua diluição, a saber o art. 130, inciso III:

Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de :

(…)

III – zelar pela sua integridade material ou reputação.

Como pode-se notar, as duas faces da integridade (em sentido lato) das marcas, a moral e a material, estão devidamente amparadas pela legislação pátria. O inciso III do artigo 130 tem por objetivo evitar o que chama-se de maculação e, ao mesmo tempo, garante a tutela da integridade (estrito senso) material dos sinais distintivos, ou seja, combate a ofuscação e o uso de marca adulterada.

Em que pese o fato de nosso diploma legal em Propriedade Industrial ser um dos mais avançados do mundo, contendo dispositivos de vanguarda, nossos tribunais pouco tiveram a oportunidade de apreciar causas que envolvessem o assunto em pauta. As poucas ações que ousaram abordar o tema, trataram-no como uma argumentação meramente subsidiária.

Com efeito, que seja de nosso conhecimento, ainda não há nenhuma decisão do Poder Judiciário pátrio que analise com profundidade a questão da diluição de marca. A eficácia do artigo 130, III, da Lei da Propriedade Industrial, ainda não foi devidamente posta à prova.

V. O Exame da Diluição

V.I. Os Princípios da Propriedade Industrial

Muito embora a questão da diluição de marca encontre respaldo na teoria geral da tutela jurídica à propriedade, sua aplicação ao caso concreto não pode esquivar-se de observar os princípios que norteiam a propriedade industrial, também enraizados no direito positivo.

Com efeito, não obstante o direito do titular de marca à integridade do seu bem imaterial, existem limites ao seu direito de exclusividade, que visam a garantir a função social da propriedade e a livre concorrência.

Nesse contexto, a proteção contra a diluição de marca deve ser harmonizada com o princípio da especialidade das marcas7. A resposta para o limite entre a aplicação do princípio da especialidade das marcas e a teoria da diluição de marca encontra-se na fama e na arbitrariedade do sinal: quanto mais famosa e arbitrária for uma marca, mais ela deve encontrar amparo contra a diluição.

Como mencionado, a finalidade da teoria da diluição de marca é a proteção do titular contra a diminuição do poder de venda do seu sinal distintivo, ou seja, a manutenção da sua força, considerando que marca forte é aquela que, quando pronunciada, traz logo à memória do consumidor a natureza e a origem do produto.

Ora, se a marca em questão é fantasiosa8, tênue deverá ser a incidência do princípio da especialidade das marcas, de forma a preservar-se a unicidade do sinal. Por outro lado, se um comerciante opta por adotar como marca um sinal igual ou semelhante ao de terceiros, sob o abrigo do princípio da novidade relativa, reduzido será seu poder de ação contra a diluição de seu bem imaterial (que já nasce ofuscado).

Na mesma linha, se o sinal sob exame é famoso, maior será a sua associação com a fonte do produto ou serviço pelo público, e maior será o prejuízo causado pela diluição. Em contraposição, se determinada marca encontra-se no anonimato, pequeno será o dano ao titular pelo uso concomitante de signo idêntico ou semelhante por terceiros em indústria diversa.

Os conceitos acima, é claro, devem ser aquilatados e equilibrados frente ao caso concreto, sendo certo que os pressupostos da fama e da arbitrariedade não necessariamente devem estar presentes simultaneamente para a caracterização da diluição de marca.

Além disso, frise-se que, em casos de empresas que atuam em segmentos mercadológicos idênticos ou afins, a fama deixa de ser um requisito para a diluição, uma vez que a coexistência dos sinais por si só já reduz o poder de venda da marca copiada.

Outro ponto que deve ser comentado é a teoria da diluição de marca frente ao sistema atributivo de direito, adotado pelo Brasil, conforme o artigo 129 da Lei da Propriedade Industrial.

Como se denota do caput do artigo 130 da LPI, os direitos emanados por esse dispositivo de lei não amparam apenas os titulares de registro de marca, mas também acolhem os titulares de pedidos de registro.

Nada mais justo e coerente do que a extensão da cobertura legal, uma vez que os titulares de pedidos de registro de marca são tão vulneráveis à degradação do poder de venda do seu sinal distintivo quanto o detentor de um registro. Com efeito, de que valeria a concessão do registro, após decorridos anos de processo administrativo de registro, se, à época da concessão, a marca se encontrasse deteriorada pelo uso por terceiros?

Ao nosso ver, a partir da publicação do pedido de registro de marca para conhecimento de terceiros, reveste-se o depositante do direito de ação na defesa da integridade moral ou material do seu sinal distintivo, desde que caracterizada a possibilidade de diluição.

Ademais, nada obsta, também, a aplicação da exceção ao princípio da territorialidade em combinação com a teoria da diluição de marca. Na interpretação sistemática dos artigos 130, I, 126 e 158, §2° da Lei da Propriedade Industrial, a marca notoriamente conhecida também pode ser objeto de ações administrativas ou judiciais contra o perigo de diluição, contanto que o autor da demanda deposite um pedido de registro para sua marca, no país, dentro de 60 dias após início do litígio.

V.II. As Provas

A falta de julgados que se aprofundem no tema no Brasil e o silêncio do texto legal deixam desamparados os operadores do direito na hora de avaliar as melhores provas para sustentar uma ação com base em diluição de marca.

Não obstante, em observância aos fundamentos da teoria da diluição de marca, pode-se enumerar alguns elementos que devem ser observados em uma ação dessa natureza. São eles:

(A) A existência de registro ou pedido de registro, perante o INPI, para a marca que pretende-se proteger contra a diluição. Este é um dos únicos requisitos formais firmados no art. 130 da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI). Nesse ponto, cabe repisar que, ao nosso ver, a ausência de registro ou pedido de registro de marca pode ser temporariamente sanada caso o sinal distintivo em questão seja notoriamente conhecido, recebendo a proteção especial do artigo 126 do referida Lei, situação em que o pedido de registro deverá ser depositado em 60 dias do início da lide.

(B) A possibilidade de dano moral ou material à marca. Nesse outro requisito formal do artigo 130 da LPI, nota-se que o legislador preocupou-se em "zelar" pela integridade material ou reputação da marca, e não em "recompor" a integridade. Entende-se, portanto, que o mero "perigo de dano" é suficiente para sustentar a ação de diluição.

(C) O grau de arbitrariedade da marca. Se uma marca é fantasiosa, ou seja, se ela foi inventada e não existe em qualquer idioma, razão não há para que outra empresa adote o mesmo signo. Deve-se proteger ao máximo a unicidade desse sinal no mercado.

Por outro lado, se a marca foi escolhida entre os verbetes do vernáculo, a tutela contra a diluição não deve incidir com tanta intensidade, em respeito ao princípio da novidade relativa e ao princípio da especialidade das marcas. Isso não significa que marcas evocativas não estejam protegidas contra a diluição, mas a aplicação dessa teoria para produtos ou serviços que não guardem afinidade entre si estará condicionada à fama do sinal no mercado.

(D) O grau de renome da marca. Quanto mais famosa for uma marca, maior deve ser o espectro de sua proteção contra a diluição, independente de sua arbitrariedade. O fato é que marcas de renome são facilmente reconhecidas pelo consumidor, transcendendo barreiras geográficas, sócio-econômicas e mercadológicas. Em outras palavras, essas marcas possuem um poder de atração maior do que sinais distintivos comuns e, portanto, merecem uma proteção além da ordinária. Sua distintividade ímpar, alcançada pelo renome, deve ser resguardada contra a diluição.

Para se aferir o renome de uma marca, é importante considerar o tempo de uso, a extensão geográfica e mercadológica do uso, a natureza do produto ou serviço identificado, a extensão e a duração da publicidade e, se possível, o grau de reconhecimento do público com relação ao sinal. Em caso de marcas estrangeiras, pode-se adicionar o número de países em que a marca é usada ou está registrada.

A lista acima, embora não exaustiva, ilustra bem o tipo de material que pode ser usado para sustentar uma ação com base em diluição de marca.

VI. A Interface entre a Diluição de Marca e Outros Institutos

Nos casos concretos, a proteção conferida pela Lei da Propriedade Industrial contra a diluição de marca pode concorrer com a aplicação de outros dispositivos, como os que reprimem a violação direta de marca, os que combatem o aproveitamento parasitário ou os que amparam as marcas de alto renome. No entanto, embora alguns conflitos se posicionem na interseção das referidas tutelas, cada uma dessas normas tem por objeto um diferente instituto, sendo que a aplicação de uma não exclui a de outra.

Em casos de conflitos de marcas que identificam produtos afins, os artigos 124, XIX, ou 129 da Lei da Propriedade Industrial (LPI) são prontamente invocados, com vistas a sustentar o indeferimento de um pedido de registro ou justificar a abstenção de uso indevido de marca por terceiros, dependendo do caso.

Não é prudente ignorar, no entanto, os efeitos da diluição de marca, pois, eventualmente, a especificidade dos consumidores e dos produtos pode afastar a possibilidade de confusão ou associação entre a origem dos produtos, elemento essencial para a aplicação dos artigos 124, XIX e 129 da LPI. Os nefastos efeitos da diluição de marca, entretanto, continua a operar com a coexistência de marcas idênticas ou semelhantes, independente da especificidade do consumidor ou produto.

Vale anotar, ainda, que, se os produtos ou serviços não são idênticos ou afins, não há que se falar em confusão ou associação de marca, uma vez que o mencionado pressuposto é limitador da aplicação do dispositivo 124, XIX, da LPI. Por outro lado, afinidade e identidade de produtos/serviços não são requisitos para a diluição de marca.

Outro ponto que deve ser comentado é o da repressão ao aproveitamento parasitário, que encontra-se enraizada no artigo 160, I, do Código Civil. Essa teoria, assim como a da diluição de marca, repudia a reprodução ou imitação de marcas famosas em ramos não concorrentes ou afins do mercado.

Todavia, essas teses foram construídas sob pontos de vista diferentes de um mesmo prisma. Enquanto uma surgiu para combater a fraude à lei e o enriquecimento sem causa, a outra se presta a resguardar o estado incólume de um bem.

É mister frisar que os dispositivos que reprimem o aproveitamento parasitário de forma alguma afastam a proteção contra a diluição de marca. Como visto, a teoria da diluição de marca, sob o objetivo de proteger a integridade de um sinal distintivo, pode ser aplicada nas mais diversas situações, não apenas em situações de aproveitamento parasitário. Além disso, a clareza do amparo legal à integridade das marcas, bem como o louvável escopo de preservação do patrimônio, podem tornar mais fácil a demonstração de aplicação dessa tese ao caso concreto.

Por derradeiro, cabe salientar a proteção extraordinária das marcas de alto renome, em todas as classes de produtos ou serviços, albergada pelo artigo 125 da Lei da Propriedade Industrial. A marca de alto renome é aquela de tal modo infiltrada no mercado nacional, com relevante presença em mais de uma região do país, que é imediatamente reconhecida por uma grande parcela da população, independente de sexo, classe ou faixa etária.

É incontroverso que os requisitos formais do antigo Código da Propriedade Industrial9 e a declaração de marca notória foram dispensados pela nova Lei. Contudo, o caráter de exceção dessa tutela jurídica e os seus efeitos restritivos à livre concorrência exigem provas contundentes do enquadramento legal no caso concreto bem como uma rigorosa avaliação pelo examinador.

Nesse sentido, se por um lado o status de alto renome garante uma proteção extraordinária que dispensa exames subjetivos de possibilidade de confusão, associação, aproveitamento parasitário ou mesmo diluição, por outro, árdua é a trilha a ser percorrida para alcançar essa posição. Com esse cenário, poucas são as marcas amparadas por esse instituto.

Para a caracterização da diluição de marca, no entanto, não é necessário que o sinal em questão eleve-se ao status de alto renome: basta que a marca possua certo grau de fama ou arbitrariedade. Nesse ponto, sob a sombra da teoria da diluição, é acolhida uma enorme gama de marcas. Além disso, é claro, o exame de fama do sinal pode ser muito menos rigoroso.

Em suma, cotejando, de forma breve, os diversos institutos marcários, resta claro que a teoria da diluição de marca dificilmente será conflitante com as tutelas legais mencionadas, sendo-lhes, ao contrário, complementar. 

VII. Conclusão

Muito embora os efeitos de uma violação direta de marca registrada sejam mais facilmente identificados e tragam prejuízos imediatos, o resultado da diluição de marca pode ser nefasto a longo prazo.

Enquanto o primeiro ato ludibria os consumidores já existentes, pelo tempo em que perdura, o segundo enfraquece o poder de venda de um sinal distintivo, e é, na maioria dos casos, irreversível.

Nesse contexto, ainda que a Lei da Propriedade Industrial contenha outros dispositivos que possam ser usados em casos clássicos de diluição de marca, é de suma importância que esse conceito também seja trazido à baila, de forma a enraizá-lo em nossa doutrina e jurisprudência. Muitas vezes, pode ser mais fácil para o magistrado visualizar o dano à marca por diluição, do que o ato ilícito por aproveitamento parasitário, por exemplo.

Nesse ponto, deve-se destacar, ainda, que, como visto, as evidências para sustentar a possibilidade de diluição de marca podem vir a ser mais fáceis de se obter do que provas de alto renome, aproveitamento parasitário ou possibilidade de confusão no mercado.

A problemática da diluição de marca é de extrema importância e deve receber a devida atenção no Brasil, tanto pelos titulares de direito para evitar a deterioração do seu patrimônio, quanto pelos operadores de Direito no combate às infrações.

Notas:

1. perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

2. "Comerciante", aqui, em sentido amplo, compreendendo o fabricante, o prestador de serviços e o comerciante em si.

3. 10 U.S.P.Q.2d 2006 (S.D.N.Y. 1989).

4. 306 F.2d 433 (5th Cir. 1962), cert. denied, 372 U.S. 965 (1963).

5. 855 F2d 480 (7th Cir. 1988).

6. 41 F. 3d 39 (2nd Cir. 1994).

7. O princípio da especialidade das marcas, amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, está enraizado no art. 124, XIX, da Lei da Propriedade Industrial. Sobre o tema, o mestre Gama Cerqueira ensina que "nada impede também que a marca seja idêntica ou semelhante a outra já usada para distinguir produtos diferentes ou empregada em outro gênero de comércio ou indústria. É neste caso que o princípio da especialidade da marca tem sua maior aplicação, abrandando a regra relativa à novidade. A marca deve ser nova, diferente das existentes; mas, tratando-se de produtos ou indústrias diversas, não importa que ela seja idêntica ou semelhante a outra em uso. (grifo do autor) in Tratado da Propriedade Industrial, Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 1982, vol. 2, pág. 779.

8. Marca fantasiosa é aquela que possui o grau máximo de arbitrariedade, uma vez que ela não existe no vocabulário, merecendo, portanto, a maior proteção possível contra a diluição. As marcas que são "dicionarizadas" mas que não guardam com seu objeto de identificação nenhuma relação (marcas arbitrárias) bem como as marcas que sugerem característica do produto ou serviço (marcas evocativas) também devem estar protegidas, embora em grau menor.

9. Lei n° 5.772, de 21 de dezembro de 1971.

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Filipe Fonteles Cabral

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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