Gustavo Piva de Andrade
Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Direito da Propriedade [...]
saiba +por Gustavo Piva de Andrade
19 de julho de 2012
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No contexto de uma economia global, torna-se fundamental examinar a questão da livre circulação de bens entre diferentes países à luz da prática conhecida como importação paralela.
A importação paralela se dá quando um produto que incorpora marca, patente ou desenho industrial alheio é introduzido em determinado país, à margem do sistema de distribuição oficial. Tratam-se de produtos genuínos, mas que são incorporados ao mercado daquele território sem autorização do titular. A questão é se tal comércio paralelo pode ser combatido com base em direitos de propriedade industrial.
Nessa seara, existe o princípio da exaustão de direitos, segundo o qual a prerrogativa do titular de impedir a circulação do produto que incorpora a sua marca ou patente se esgota com a primeira venda. A partir daí, entende-se que o titular já foi remunerado, não podendo restringir a circulação ou revenda daquele exemplar específico.
A exaustão pode ser nacional ou internacional. Na exaustão nacional, o direito exclusivo esgota-se apenas no país em que o produto foi inserido no mercado interno pelo titular ou com o seu consentimento. Já na exaustão internacional, o direito exclusivo exaure-se quando o titular ou seu licenciado coloca o produto no mercado, independentemente do país em que isso é feito.
A Lei nº 9.279, de 1996 garante ao titular do registro de marca o direito de uso exclusivo em todo o território nacional, mas, determina, no artigo 132, III, que ele não pode "impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento". A mesma lei estabelece que o titular da patente ou desenho industrial possui o direito de impedir a importação de produto objeto da patente, mas destaca, no artigo 43, IV, que tal prerrogativa não se aplica a "produto que tiver sido colocado no mercado interno diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento".
Portanto, tanto no campo das marcas, quanto das patentes e desenhos industrias, o legislador fez expressa referência ao mercado interno quando tratou da exaustão de direitos. Isso significa que o titular não pode impedir a livre circulação do produto introduzido no território nacional por ele ou com sua autorização, mas pode combater a venda de produtos introduzidos no país sem seu consentimento.
Parece-nos que essa foi a opção do legislador, especialmente porque o Projeto de Lei nº 824, de 1991, que resultou na Lei nº 9.279, em 1996, preconizava regras distintas. Em relação às marcas, o projeto não possuía o qualificador "interno" no artigo e estabelecia que "o titular da marca não poderá impedir a livre circulação de produto colocado no mercado por ele mesmo ou por outrem com seu consentimento". Já em relação às patentes, o projeto determinava que o direito exclusivo não podia ser exercido em relação a "produto que tiver sido colocado no mercado interno ou externo diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento".
Como se vê, o projeto de lei postulava solução diversa do texto aprovado, pois estabelecia que a colocação do produto pelo titular em qualquer mercado gerava a exaustão de direitos. Portanto, a referência somente ao "mercado interno" vista nos dispositivos não foi fruto do acaso, mas, sim, adveio de clara opção legislativa que parece em linha com a política de fortalecimento dos direitos de propriedade industrial vista no Brasil nos anos pós-TRIPS.
Também vale lembrar que transmitir qualidade e reputação é uma das funções das marcas. Muitas vezes, o comércio paralelo interfere nessa questão, pois não se pode garantir que tais produtos serão transportados e armazenados adequadamente, nem que respeitarão a legislação consumerista e diversas obrigações regulatórias.
Sob a perspectiva antitruste, a importação paralela gera o chamado "free riding" porque o importador pega carona na publicidade e na estrutura pré e pós-venda do titular. Como resultado, o titular pode vir a investir cada vez menos nesses tipos de serviços, o que gera prejuízos para o consumidor e para toda a cadeia produtiva.
Logo, ainda que, no curto prazo, a importação paralela possibilite redução de preços, ela não está em consonância com aspectos mais amplos, inerentes à uma sólida política de proteção de direitos de propriedade industrial e com todos os benefícios de longo prazo dela decorrentes.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já examinou essa questão nos Resp 609.047/SP-2009 e Resp 1.207.952/AM-2011. Embora os acórdãos possam gerar diferentes interpretações para o leitor menos atento, ambos os julgados requerem o consentimento do titular para que a importação paralela seja considerada lícita, o que corrobora a tese aqui defendida.
Por tudo isso, parece-nos inexorável a conclusão de que o regime vigente no Brasil é o da exaustão nacional, de onde decorre que coibir a importação paralela é uma das prerrogativas que titulares de direitos de propriedade industrial encontram no nosso ordenamento jurídico.
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