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Proteção legal de produtos à base da biodiversidade no Brasil

por Ana Claudia Mamede Carneiro

01 de julho de 2013

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Há tempo o mercado se voltou para a fabricação de produtos à base de insumos obtidos da biodiversidade, particularmente as indústrias cosméticas, farmacêuticas e biotecnológicas, seguindo a tendência do desenvolvimento sustentável.

Os extratos vegetais, como cera de carnaúba, açaí, andiroba e maracujá, representam a grande maioria de insumos naturais que têm sido utilizados em vários produtos disponíveis no mercado.

No Brasil, a matéria é regulada pela Medida Provisória 2.186-16, que, mais particularmente, estabelece definições e regras para acesso ao chamado patrimônio genético, aos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético e repartição de benefícios oriundos desse acesso. A medida provisória também criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, de caráter deliberativo e normativo, responsável por decidir sobre as solicitações de acesso e repartição de benefícios. A aplicação da medida provisória tem subsidiariamente algumas orientações técnicas, atualmente totalizando cerca de 40.

A medida provisória define em seu art. 7°, incisos IV e V, o acesso ao patrimônio genético como sendo:

(…) a obtenção de amostra de componente do patrimônio genético para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando à sua aplicação industrial ou de outra natureza.

E o acesso ao conhecimento tradicional associado como sendo:

(…) a obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou de comunidade local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza.

O princípio da medida provisória é que benefícios, monetários ou não, sejam repartido com aqueles que forneceram o material da biodiversidade e conhecimento tradicional associado. Duras penalidades são previstas caso o acesso não seja efetuado conforme suas disposições, tais como: multa; apreensão do produto; suspensão de venda; interdição total ou parcial do estabelecimento; suspensão e cancelamento de registro da patente, licença ou autorização. A multa pode chegar até R$ 50 mil e, no caso de reincidência, o valor é dobrado.

Apesar de estar em vigor desde 2000, a medida provisória começou a ser discutida de forma mais intensa com o início da Operação Novos Rumos – Fase – I, do Ibama, em agosto de 2010, por meio da qual entidades nacionais e internacionais foram multadas por supostamente contrariar as disposições dessa medida. Curiosamente, essas entidades foram aquelas que tentavam, com o CGEN, seguir as disposições da complicada medida provisória e, como resultado, foram multadas.

Em junho de 2012, teve início a Operação Novos Rumos – Fase II, por meio da qual 70 empresas nacionais e estrangeiras e 30 instituições de pesquisa foram multadas por suposto acesso ilegal ao patrimônio genético – leia-se "componente da biodiversidade" – sem a repartição de benefícios com o provedor.

Diante desses fatos, a indústria tem intensificado seus esforços para melhor entender e conviver com a insegurança jurídica trazida por meio de diferentes fóruns de discussão e do CGEN.

Os questionamentos são numerosos e complexos. Como exemplo, apontamos dois que têm sido alvo de intensas discussões:

(i)  Uma vez que uma indústria tenha obtido o componente da biodiversidade de um distribuidor comercial, que por sua vez também pode ter obtido por outro distribuidor, como saber qual o provedor do material da biodiversidade? Com quem os benefícios supostamente deveriam ser repartidos?

(ii) Quando a propriedade do componente da biodiversidade – utilizado no produto da indústria obtido por métodos de fabricação convencionais – já é de domínio público, como se verificaria o desenvolvimento tecnológico definido na medida provisória?

Respostas para perguntas como essas não são fáceis e estão sendo construídas pouco a pouco. O fato é que a indústria precisa ficar muito atenta às discussões sobre o uso de recursos da biodiversidade em seus produtos e processos para que não corra o risco de sofrer as penalidades previstas na medida provisória, e pior, não ser considerada como biopirata.

Cabe observar que a preocupação sobre o tema atinge diversos países ricos em biodiversidade, que compartilham suas experiências em eventos internacionais. Um desses eventos de grande repercussão será a Conferência das Partes 12 (COP-12) para a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), na República da Coreia, que ocorrerá de 6 a 17 de outubro de 2014. É preciso ficar atento e acompanhar os resultados.

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Ana Claudia Mamede Carneiro

Agente da Propriedade Industrial , Engenheira Quimica

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