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Avaliação da Atividade Inventiva e Suficiência Descritiva de uma Invenção

por Bernardo Marinho Fontes Alexandre

25 de setembro de 2015

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Bernardo Marinho Fontes Alexandre
Pedro Henrique Borges de Figueiredo


Patente é um instrumento que atinge reciprocamente os interesses da sociedade (promove desenvolvimento de novas tecnologias e divulga conhecimento novo e útil, garantindo que qualidade da vida humana e bem-estar da sociedade sejam continuamente melhorados), e os interesses privados de seu titular (garante um retorno sobre o investimento para o desenvolvimento de novas tecnologias).

A razão fundamental por trás do sistema de patentes é promover a inovação pela disseminação de informações técnicas, estimular   o progresso tecnológico e promover o desenvolvimento econômico. Nas palavras do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, o sistema de patentes “adiciona o combustível do interesse ao fogo do gênio, na descoberta e produção de coisas novas e úteis”.

Embora existam inúmeros requisitos a serem observados para a obtenção de uma patente, uma invenção deve atender as seguintes condições fundamentais para que ela possa ser patenteada e, ato contínuo, o sistema de patentes consiga atender as suas finalidades principais acima mencionadas:

  • uma vez que não pode ser patenteado algo que já esteja em “domínio público”, a invenção não deve ser antecipada por qualquer publicação ou uso anterior (um elemento de novidade deve estar presente), ou seja, a invenção deve ter alguma característica nova que já não seja conhecida em seu campo técnico ;
  • uma pessoa com conhecimentos correntes no campo técnico relevante não deve poder chegar à invenção de forma óbvia,  o que significa que a invenção deve envolver uma atividade inventiva. Este requisito é uma medida qualitativa que impede o sistema de patentes de ser obstruído por trivialidades; e
  • a invenção deve ser revelada de forma suficientemente clara e completa para permitir que ela seja reproduzida por uma pessoa com um nível normal de habilidade no campo técnico relevante. Este requisito garante que, com a expiração da patente, qualquer parte interessada seja capaz de empregar comercialmente a invenção.

Tal como a maioria das leis de patentes, a Lei da Propriedade Industrial – LPI (Lei nº 9.279/1996) exige que uma invenção seja nova e fruto de atividade inventiva, e que a patente descreva suficientemente a invenção a fim de garantir a sua reprodução sem assistência adicional do titular da patente.

Como inventividade e suficiência descritiva são termos muito genéricos e com várias definições diferentes entre pessoas distintas, a LPI emprega o conceito de “técnico no assunto” como alvo para tais requisitos. Assim, as avaliações de atividade inventiva e suficiência descritiva de uma invenção devem ser efetuadas a partir do ponto de vista de uma pessoa versada na técnica.

O “técnico no assunto” deve ser entendido como um profissional qualificado no campo técnico relevante da invenção, possuidor de conhecimento e capacidade medianos, e ciente do que era de conhecimento geral e comum no estado da técnica na data relevante. As habilidades e as qualificações de um técnico no assunto variam de acordo com o campo técnico da invenção.

É lógico presumir que o técnico no assunto é um profissional experiente no campo tecnológico relevante, detentor de conhecimento e habilidades médios, e ciente do que era conhecimento geral e comum no estado da técnica relevante na data relevante. Esta definição de técnico no assunto alcança um objetivo principal: tecnologias inventivas são efetivamente divulgadas, permitindo que aqueles que atuam no campo técnico reproduzam a invenção quando a patente expirar.

No Brasil, a suficiência descritiva é considerada pelo INPI um requisito  a ser atendido por um pedido de patente para que a patente seja concedida, conforme artigo 24 da LPI, que determina que o relatório descritivo deve revelar a invenção de forma suficiente e clara de modo a permitir que um técnico no assunto possa realizá-la.

Obviamente, como o técnico no assunto já está treinado no respectivo campo técnico, não é necessário, e muito menos faz sentido, descrever os detalhes já bem conhecidos por ele, na medida em que o técnico no assunto pode usar seu conhecimento geral e comum para complementar as informações contidas na patente ou no pedido de patente. Deve haver apenas uma descrição dos elementos essenciais para a realização da invenção com detalhes suficientes para tornar evidente a um técnico no assunto a forma de como colocar a invenção em prática.

No que diz respeito à atividade inventiva, uma invenção é considerada inventiva quando ela não decorre, de forma óbvia ou evidente, para um técnico no assunto a partir do conhecimento técnico conhecido antes do depósito ou data de prioridade, tal como previsto no artigo 13 da LPI. Assim, se um técnico no assunto, confrontado com um determinado problema técnico, não chegaria à invenção por meio de adaptação ou modificação do estado da técnica com vistas a solucionar este problema técnico ou na expectativa de alguma melhora ou vantagem, a invenção apresenta atividade inventiva.

Tanto a atividade inventiva quanto a suficiência descritiva de uma invenção devem ser analisadas sob o ponto de vista de um técnico no assunto que é exatamente a mesma pessoa e, portanto, possui o mesmo conhecimento técnico.

Ainda que o acima seja óbvio, em nossa experiência, o INPI geralmente vê dois técnicos no assunto diferentes quando a atividade inventiva e a suficiência descritiva são avaliadas. Em muitas decisões de indeferimento com base em falta de atividade inventiva e suficiência descritiva, o INPI entende o técnico no assunto como:

  • um “vencedor do prêmio Nobel” ao avaliar a atividade inventiva, uma vez que este profissional seria capaz de efetuar toda e qualquer modificação necessária no estado da técnica para alcançar a invenção; e
  • um simples profissional ao avaliar a suficiência descritiva, já que o conteúdo do pedido de patente não seria suficiente para permitir que ele colocasse a invenção em prática.

Este equívoco é, infelizmente, também muitas vezes cometido por vários peritos designados pelos tribunais pátrios em processos judiciais envolvendo patentes. Devido à natureza técnica dos casos envolvendo patentes, os magistrados brasileiros (que muitas vezes não possuem conhecimento técnico das questões em disputa) normalmente nomeiam um perito no campo técnico da invenção para ajudá-los a entender a controvérsia técnica.

Outro ponto que merece destaque, uma vez que o INPI e os peritos judiciais geralmente não levam em consideração, é que, embora o mesmo nível de habilidade e conhecimento do técnico no assunto é aplicado para avaliar tanto a atividade inventiva e suficiência descritiva, o ponto de partida para cada um é diferente.

Na avaliação da atividade inventiva de uma invenção, o técnico no assunto conhece apenas a técnica anterior, isto é, ele está ciente somente do que era de conhecimento geral e comum no estado da técnica relevante na data relevante.

Quanto à suficiência descritiva, o técnico no assunto conhece tanto o estado da técnica quanto a invenção revelada, isto é, ele está ciente, não só do ensinamento do pedido de patente como um todo e das referências nele indicadas, mas também do conhecimento comum e geral do estado da técnica na data do depósito ou da prioridade.

Nada obstante, é importante diferenciar os dados técnicos que demonstram os efeitos inesperados e/ou superiores da invenção frente ao estado da técnica e, portanto, a sua inventividade dos dados técnicos necessários para permitir que um técnico no assunto consiga reproduzir a invenção.

O INPI, principalmente no campo da biotecnologia, indefere vários pedidos de patente ao  fundamento de que o efeito técnico surpreendente não foi demonstrado no pedido de patente originalmente depositado e, portanto, a invenção reivindicada não apresentaria atividade inventiva e/ou suficiência descritiva.

Em face do requisito de suficiência descritiva, o relatório descritivo deve conter informação técnica suficiente, incluindo, se necessário, exemplos ilustrativos de trabalho, de modo a permitir que um técnico no assunto possa realizar a invenção.
Embora qualquer informação necessária para reproduzir a invenção deva preferencialmente estar presente no pedido de patente desde o seu depósito, é importante notar que isso não é uma obrigação para realmente provar, através de dados experimentais, que o efeito inesperado é, de fato, alcançado por cada possível concretização da invenção, tendo em vista que o técnico no assunto, com base em seu próprio conhecimento do estado da técnica e a descrição da invenção, é, obviamente, capaz de realizar modificações triviais e ainda conseguir o efeito desejado.

Portanto, dados técnicos demostrando efeito inesperado e/ou superiores apresentados pela Depositante durante o exame devem ser aceitos quando: (i) o efeito inesperado e/ou superior já é descrito no pedido de patente; (ii) tais dados não são necessários para permitir que um técnico no assunto reproduza a invenção; e (iii) o propósito de tais dados é reiterar ao examinador de patentes a existência da atividade inventiva da invenção reivindicada.

Assim, diante de todo o exposto, ao avaliar a atividade inventiva de uma invenção e a suficiência descritiva de um pedido de patente, é importante ter em mente que:

  • esta avaliação é realizada a partir do ponto de vista de um técnico no assunto, que tem o mesmo conhecimento técnico para avaliar ambos os requisitos;
  • o ponto de partida para avaliar a atividade inventiva é diferente daquele para avaliar a suficiência descritiva (para atividade inventiva, o técnico no assunto somente conhece a técnica anterior; para suficiência descritiva, ele, além do estado da técnica, conhece a própria invenção); e
  • dados técnicos mostrando efeitos inesperados e/ou superiores da invenção frente ao estado da técnica não são necessários para permitir que um técnico no assunto consiga reproduzir a invenção.

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Bernardo Marinho Fontes Alexandre

Agente da Propriedade Industrial , Engenheiro de Alimentos, Advogado

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