Biblioteca

STJ Decide que ECAD Pode Cobrar Royalties de Serviços de Streaming

por Rodrigo Borges Carneiro

23 de agosto de 2017

compartilhe

Em uma grande vitória para o ECAD, o Tribunal Superior de Justiça, no Recurso Especial n. 1.559.264, decidiu que o serviço de streaming de música está englobado no conceito de execução pública e, portanto, os direitos autorais derivados desses serviços devem ser cobrados pelo ECAD.

A decisão se originou de uma ação movida pelo ECAD contra a operadora OI visando à cobrança de direitos de execução pública relativos a dois serviços:

I Um serviço “simulcasting” chamado RÁDIO 0I com transmissão pela Internet da mesma programação da rádio tradicional do grupo OI; e

II Um serviço “webcasting” da RADIO OI onde os usuários poderiam criar “playlists” que seriam transmitidas usando a tecnologia do streaming.

Reconhecendo a importância do assunto para a indústria da música no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça resolveu que o caso seria decidido pela segunda seção do tribunal.

O relator do caso Ministro Ricardo Villas Boas, foi responsável pelo voto vencedor majoritário, que foi seguido por sete integrantes da sessão, numa vasta maioria, com o único voto dissidente do Ministro Marca Aurélio Belizze, que resolveu manter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro contrária ao ECAD.

A decisão majoritária em favor do ECAD se baseou nos seguintes motivos:

I Streaming é a tecnologia que permite a transmissão de dados e informações, utilizando a rede de computadores, de modo contínuo. Esse
mecanismo é caracterizado pelo envio de dados por meio de pacotes, sem a necessidade de que o usuário realize download dos arquivos a serem executados.

II O streaming é gênero que se subdivide em várias espécies, dentre as quais estão o simulcasting e o webcasting. Enquanto na primeira espécie há transmissão simultânea de determinado conteúdo por meio de canais de comunicação diferentes, na segunda, o conteúdo oferecido pelo provedor é transmitido pela internet, existindo a possibilidade ou não de intervenção do usuário na ordem de execução.

III À luz do art. 29, incisos VII, VIII, “i”, IX e X, da Lei nº 9.610/1998, verifica-se que tecnologia streaming se enquadra nos requisitos de incidência normativa, configurando-se, portanto, modalidade de exploração econômica
das obras musicais a demandar autorização prévia e expressa pelos titulares de direito.

IV De acordo com os arts. 5º, inciso II, e 68, §§ 2º e 3º, da Lei Autoral, é possível afirmar que o streaming é uma das modalidades previstas em lei, pela qual as obras musicais e fonogramas são transmitidos e que a internet é local de frequência coletiva, caracterizando-se, desse modo, a execução como pública.

V Depreende-se da Lei nº 9.610/1998 que é irrelevante a quantidade de pessoas que se encontram no ambiente de execução musical para a configuração de um local como de frequência coletiva. Relevante, assim, é a
colocação das obras ao alcance de uma coletividade frequentadora do ambiente digital, que poderá, a qualquer momento, acessar o acervo ali disponibilizado. Logo, o que caracteriza a execução pública de obra musical
pela internet é a sua disponibilização decorrente da transmissão em si considerada, tendo em vista o potencial alcance de número indeterminado de
pessoas.

VI O ordenamento jurídico pátrio consagrou o reconhecimento de um amplo direito de comunicação ao público, no qual a simples disponibilização da obra já qualifica o seu uso como uma execução pública, abrangendo, portanto, a transmissão digital interativa (art.29, VII, da Lei nº 9.610/1998) ou qualquer outra forma de transmissão imaterial a ensejar a cobrança de direitos autorais pelo ECAD.

VII O critério utilizado pelo legislador para determinar a autorização de uso pelo titular do direito autoral previsto no art. 31 da Lei nº9.610/1998 está relacionado à modalidade de utilização e não ao conteúdo em si considerado.
Assim, no caso do simulcasting, a despeito do conteúdo transmitido ser o mesmo, os canais de transmissão são distintos e, portanto, independentes entre si, tonando exigível novo consentimento para utilização e criando novo
fato gerador de cobrança de direitos autorais pelo ECAD.

VIII Está no âmbito de atuação do ECAD a fixação de critérios para a cobrança dos direitos autorais, que serão definidos no regulamento de arrecadação laborado e aprovado em Assembleia Geral, composta pelos representantes das associações que o integram, e que contém uma tabela especificada de preços. Inteligência do art. 98 da Lei nº 9.610/1998.

Respeitosamente consideramos que a decisão majoritária está equivocada.

O fato é que a menção a “colocação a disposição do público” em nossa lei de direitos autorais está vinculada tanto ao conceito de comunicação ao público quanto ao conceito de distribuição.

O simples fato de que as obras são disponibilizadas ao público quando as obras estão listadas no site de streaming em nossa visão não é suficiente para transformar o serviço em uma execução pública. A inclusão e listagem da obra no site é um ato separado e diferente em relação à transmissão da obra.

Além disso, nossa lei de direito autoral define no artigo 29, VII, como a distribuição de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário.

Os fatos do caso envolvem atos mais próximos das definições de distribuição e distribuição digital do que da definição de execução pública da nossa lei de direitos autorais.

A decisão se equivoca em não considerar que a situação é diferente da transmissão radiofônica tradicional em que é realizada uma única transmissão para um número indefinido de pessoas enquanto no streaming são realizadas transmissões individuais diretamente a cada usuário.

Embora tenhamos a opinião de que a decisão foi equivocada, qualquer tentativa de discutir um caso semelhante terá o pesado fardo de lidar com este precedente da segunda seção do Superior Tribunal de Justiça.

Na verdade, em outra decisão recente no Recurso Especial 1559264, o Tribunal Superior de Justiça seguiu este precedente para decidir que o webcasting de um canal de televisão na internet equivale a uma execução pública e envolve outro ato que gera a obrigação de pagamento de royalties ao ECAD apesar do pagamento de royalties para a transmissão original já ter sido realizado.

Informativo

Artigo

  Anterior       Próximo

compartilhe

Rodrigo Borges Carneiro

Advogado, Agente da Propriedade Industrial

saiba +

posts relacionados

busca