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Proteção de Direito de Autor para Obras Coreográficas

por Enzo Baiocchi

21 de junho de 2021

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A mente criativa por trás das inúmeras performances coreográficas da cantora Beyoncé, que arrasta uma multidão de fãs em todo mundo, tem mais um motivo para se orgulhar, dessa vez no campo jurídico.

Coreógrafo JaQuel Knight (fonte: Internet)

JaQuel Knight, que também assina outras obras coreográficas famosas da artista, voltou a ganhar atenção na mídia internacional após a concessão do registro pelo Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (U.S. Copyright Office) da sua obra coreográfica para a música “Single Ladies (Put a Ring On It)” do álbum “I Am… Sasha Fierce”, produzido pela Columbia Records em 2008.

Beyoncé, Ebony Williams e Ashley Everett executando a coreografia “Single Ladies (Put a Ring On It)” (fonte: Internet)

Knight criou essa coreografia quando tinha apenas 19 anos. Hoje, prestes a completar 32 anos, a preocupação do artista é obter o registro das suas obras coreográficas no U.S. Copyright Office. Para ele, o objetivo dos direitos autorais não é proteger os artistas das pessoas que dançam em casa, mas das grandes corporações, pois os direitos autorais permitem que o autor ainda mantenha a mão sobre sua obra, mesmo após a conclusão do trabalho.[1]

Nos Estados Unidos, o Copyright Act (título 17 do U.S. Code) contempla expressamente a proteção de pantomimas e obras coreográficas [§ 102 (a) (4)], desde que elas sejam originais e estejam fixadas em qualquer meio de expressão tangível.

De acordo com o U.S. Copyright Office[2], “coreografia é a composição e arranjo de uma série relacionada de movimentos de dança e padrões organizados em um todo coerente”, e, tal como a pantomima, a coreografia que consista em atividades motoras comuns (como danças sociais, movimentos ou gestos comuns ou movimentos atléticos) pode não ter originalidade suficiente para gozar da proteção de direitos autorais. Entre os elementos comuns de uma obra coreográfica o órgão elenca os seguintes: movimentos rítmicos de um ou mais dançarinos em uma sequência definida e um ambiente espacial definido (como um palco); uma série de movimentos ou padrões de dança organizados em um todo composicional integrado, coerente e expressivo; uma história, tema ou composição abstrata transmitida por meio do movimento corporal; uma apresentação diante de um público; um desempenho por pessoas habilidosas; e acompanhamento musical ou textual.

Ainda de acordo com essa legislação, para o registro ser concedido exige-se que a obra coreográfica esteja fixada em um suporte tangível de expressão, de tal forma que possa revelar detalhadamente os movimentos, de modo a permitir que o trabalho seja realizado de maneira consistente e uniforme, tais como anotações, vídeos, descrições textuais, fotografias e desenhos. Em uma entrevista, JaQuel Knight revelou que as anotações para “Single Ladies” totalizavam 40 páginas, incluindo toda a coreografia.[3]

Sabe-se que, em razão dessas exigências, nem todo coreógrafo busca a proteção legal das suas obras. E mesmo aqueles que realizam o depósito do pedido, nem sempre conseguem obter a concessão do registro.

Um caso notório de indeferimento de registro de coreografia pelo U.S. Copyright Office envolveu o ator e dançarino Alfonso Lincoln Ribeiro que ficou conhecido pela interpretação do personagem fictício Carlton Banks da série “The Fresh Prince of Bel-Air” (no Brasil, foi exibida pelo SBT com o título “Um Maluco no Pedaço” em 2000). Inconformado com o uso não autorizado da coreografia do personagem (a “Carlton Dance”) em videogames, o ator processou as respectivas fabricantes Epic Games e Take-Two Interactive. No entanto, o pedido de registro da coreografia foi indeferido pelo U.S. Copyright Office, que considerou que os passos das danças eram muito simples a ponto de receberem a proteção específica com base no Copyright Act.

Alfonso Lincoln Ribeiro executando a coreografia “Carlton Dance” (fonte: Internet)

Considerando as exigências legais estabelecidas pelo U.S. Copyright Office mencionadas acima, esse parece ser também o destino de grande parte das coreografias que se popularizam em aplicativos e redes sociais de compartilhamento de vídeos, como Instagram e Tik Tok. Uma simples performance coreográfica, por si só, não é protegida pelos direitos autorais, se não estiverem presentes os requisitos legais.

De fato, coreografias, tanto quanto pantomimas, poderão gozar de proteção legal, desde que tenham suficiente grau de criatividade e originalidade, e que sejam atendidos os demais requisitos legais. No Brasil, obras coreográficas e pantomímicas também são espécies de criações do espírito protegidas como obras intelectuais pela Lei de Direito de Autor, contanto que expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. No caso de coreografias e pantomimas, a lei exige que a execução cênica seja fixada por escrito ou por qualquer outra forma, conforme artigo 7°, caput, inciso IV, da Lei nº 9.610, de 1998.

[1] https://www.npr.org/2020/11/16/934603252/he-choreographed-single-ladies-and-wap-now-hes-got-a-bigger-mission

[2] www.copyright.gov/circs/circ52.pdf

[3] https://www.npr.org/2020/11/16/934603252/he-choreographed-single-ladies-and-wap-now-hes-got-a-bigger-mission

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Enzo Baiocchi

Coordenador Academico

Professor de Direito Comercial na UERJ e UFRJ, onde tambem leciona Direito da Propriedade Intelectual e Direito da [...]

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