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Biografias, a censura prévia está com os dias contados

por Marcelo Mazzola

13 de dezembro de 2013

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Por Marcelo Mazzola


Qual o limite entre o público e o privado? Em tempos de internet e exposição máxima, a linha que separa a vida pública da vida íntima daqueles considerados pessoas públicas ou celebridades é cada vez mais tênue. Mais difícil ainda é definir o escopo de pessoa pública ou celebridade, condição que irá pautar a possibilidade de biografias serem lançadas sem a anuência prévia do personagem.

O legislativo esboça uma tentativa para derrubar a chamada censura prévia.

Existem, atualmente, dois Projetos de Lei (PL nº391/2011e PL nº393/2011) em andamento no Congresso Nacional, com propostas de alteração do referido dispositivo infraconstitucional, buscando-se viabilizar o lançamento de biografias não autorizadas de pessoa "cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade".

Paralelamente, tramita no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livro, na qual se busca a declaração da  inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21do Código Civil.

Recentemente, a Procuradoria Geral da República exarou parecer na referida ADI, concordando com a tese de que deve ser afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade de consentimento da pessoa biografada e de coadjuvantes (familiares no caso de pessoas falecidas, por exemplo), para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais.

Acreditamos que em breve o STF caminhará no mesmo sentido.

Afirma-se isso porque, historicamente, o STF defende a impossibilidade de se controlar preventivamente e de forma abstrata a liberdade de expressão.

É bem possível que o STF faça algumas ressalvas em razão da necessidade de harmonização entre a liberdade de expressão, o direito à informação e os direitos da personalidade, já que não existe uma hierarquia entre os princípios constitucionais. A tendência é que a Corte Suprema reafirme a  importância de todos eles, esclarecendo que, justamente por inexistir uma hierarquia, a análise deve ser feita no caso concreto, à luz do princípio da proporcionalidade.

Nos últimos meses, em algumas ações judiciais sobre o tema, o Poder Judiciário indeferiu o pedido de retirada de biografias não autorizadas do mercado, condenando a prática de censura prévia.

É o caso, por exemplo, da obra "João Gilberto". Na ação proposta pelo compositor perante o Judiciário paulista, o juiz entendeu que o fato de o escritor ter chamado o músico de "neurótico" não era motivo suficiente para justificar o pedido de retirada da obra de circulação. Uma outra biografia que havia sido anteriormente proibida, mas que pode voltar ao mercado, é a de Guimarães Rosa, já que a perícia concluiu que menos de 10% (dez por cento) da biografia eram citação da obra escrita pela filhado escritor.

Em nossa opinião, a retirada de uma biografia não autorizada do mercado deve constituir medida excepcionalíssima.

Primeiro, porque a liberdade de expressão e o direito à informação são princípios constitucionais e devem ser respeitados. Segundo, porque, mesmo na hipótese de veiculação de informações ofensivas, a questão pode ser resolvida através de indenização, sem atingir a comercialização da obra. Terceiro, porque, em casos envolvendo o interesse público e o da coletividade, exige-se prudência na hora de decidir. E quarto, porque, no mundo de hoje, coma velocidade das informações, assim que uma obra é publicada, ela nunca mais deixa de circular, ainda que apenas na Internet, despertando e aguçando cada vez mais a atenção dos curiosos.

Na verdade, o Judiciário somente deveria retirar de circulação aquela publicação que enverede deliberadamente pelo caminho da invasão da vida privada, da honra, da intimidade, expondo de forma gratuita, constrangedora, desnecessária e irrazoável a vida íntima do cidadão, de forma totalmente dissociada de sua vida pública e/ou sem qualquer relação como interesse público.

Fica aqui desde logo uma sugestão para que o Senado Federal proponha uma alteração no texto aprovado pela Câmara dos Deputados, a fim de evitar que a publicação de biografias não autorizadas fique limitada ou atrelada à notoriedade e determinadas pessoas.

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Marcelo Mazzola

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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