Biblioteca

A visão do judiciário sobre a proteção dos títulos de obras à luz dos direitos autorais

por Gustavo Piva de Andrade

01 de junho de 2012

compartilhe

A Lei de Direitos Autorais brasileira protege obras originais e dispõe que a proteção abrange o título da obra. De acordo com o artigo 10 da lei, para que um título seja passível de proteção, ele deve ser: (i) original; e (ii) inconfundível com o título de obra do mesmo gênero divulgada anteriormente por outro autor.

Embora esse dispositivo seja interessante, até o momento, não havia sido objeto de um exame detalhado por parte do Poder Judicário. Felizmente, esse cenário parece estar mudando. Em decisão publicada em fevereiro de 2012, a 26ª Vara Cível da cidade do Rio de Janeiro examinou o escopo da proteção conferida pelo referido artigo de lei, bem como estabeleceu diretrizes de como ele deve ser interpretado.

A disputa envolve duas editoras que lançaram dois livros diferentes com exatamente o mesmo título. O primeiro livro, chamado “CAMPO DE ESTRELAS”, foi publicado pela Autora da ação em 2006 e versa sobre os famosos “Caminhos de Santiago de Compostela” na Espanha. O segundo livro, também chamado “CAMPO DE ESTRELAS”, foi publicada pela Ré em 2007 e explora precisamente o mesmo tema.

Como ambos os livros possuem o mesmo título, a Autora ajuizou uma ação em face da Ré com base no referido dispositivo, visando a compelir esta última a cessar o uso do título “CAMPO DE ESTRELAS”, bem como buscando indenização pelo suposto uso indevido.

Em sua defesa, a Ré negou que estivesse praticando qualquer infração, uma vez que o título “CAMPO DE ESTRELAS” não é original, pois advém da expressão latina “CAMPUS STELLAE”, ou “COMPOSTELA”, exatamente o nome do lugar ao qual as duas obras são dedicadas. A Ré também comprovou que outras obras sobre os “Caminhos de Santiago de Compostela” possuíam títulos semelhantes.

A magistrada iniciou a análise com o requisito da originalidade, fazendo direta referência à origem do termo “CAMPO DE ESTRELAS”. Nesse sentido, reconheceu que a expressão advém do latim “CAMPUS STELLAE” que resultou na palavra “COMPOSTELA”, um elemento formador do nome da cidade de “Santiago de Compostela”.

De acordo com a juíza, essa é uma prova cabal de que a expressão “CAMPO DE ESTRELAS” está intrinsecamente associada aos “Caminhos de Santiago de Compostela” e que se trata de um termo de uso comum quando utilizado em meio ao tema das obras. Para embasar esse entendimento, a corte listou quatro livros, publicados por diferentes autores, cujos títulos ostentavam variações do referido sinal:

– “Caminho de Santiago, Uma Peregrinação ao Campo das Estrelas”, 1998;
– “Campo das Estrelas”, 2001;
– “Foice na Lua do Campo das Estrelas”, 2004;
– “Pés no Caminho, Campo de Estrelas”, 2011.

A magistrada observou que tais títulos levam à conclusão de que o signo “CAMPO DE ESTRELAS” se enquadra na categoria de títulos genéricos, destituídos de proteção.

Em relação ao segundo requisito previsto pelo dispositivo, a juíza entendeu que o título do livro da Autora não era suficientemente distinto em relação aos títulos das obras anteriores.

Além disso, ressaltou que o termo “gênero”, tal como previsto no artigo, se refere ao gênero de obras, não de livros. Portanto, na sua visão, o termo “gênero” não deve ser interpretado como fazendo alusão a diferentes categorias de livros (romance, ficção etc.), mas sim, à categorização de uma obra segundo o ramo artístico em que insere, tais como cinema, literatura ou música.

Dessa forma, o juízo entendeu que todas as obras em questão pertencem ao mesmo gênero e que o título “CAMPO DE ESTRELAS” também não cumpre o segundo requisito estabelecido pela legislação.

Assim, a magistrada concluiu que a Autora não podia reividincar direitos exclusivos sobre o título “CAMPO DE ESTRELAS” e julgou a ação improcedente.

Embora a sentença seja passível de recurso, ela estabelece importantes diretrizes sobre como determinar se um determinado título de obra é original e passível de proteção à luz da Lei de Direitos Autorais. Ela também denota a importância de sempre se checar o significado do título da obra, bem como se títulos idênticos ou semelhantes já foram utilizados por outros autores.

Por fim, a decisão demonstra como o termo “gênero” deve ser interpretado, deixando claro que ele se refere ao campo artístico no qual a obra se insere, e não a possíveis classificações criadas pelo mercado. A princípio, portanto, o título de um livro pode ser idêntico ao título de uma música e ser passível de proteção com base na Lei de Direitos Autorais.

Resta observar como a jurisprudência se posicionará diante de casos em que o “campo artístico” da obra não pode ser claramente determinado ou quando a obra sob análise tende a ser percebida como uma obra derivada de outra obra anterior.

Outro aspecto controverso diz respeito à análise da questão à luz dos princípios do direito marcário. Afinal, como se sabe, para que uma marca seja protegida, ela não precisa ser original, mas basta que ela seja distintiva, de modo a distinguir determinado produto de outros produtos congêneres.

Independentemente disso, o fato é que o precedente ora comentado deve se tornar um marco da jurisprudência brasileira sobre a proteção de títulos de obras à luz dos direitos autorais, o que o torna extremamente relevante não só para as editoras como para toda a indústria do entretenimento.

 

compartilhe

Gustavo Piva de Andrade

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Direito da Propriedade [...]

saiba +

posts relacionados

busca