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A interferência da Anvisa nas patentes

por Ivan B. Ahlert

19 de janeiro de 2005

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Criada ainda no governo passado por medida provisória e aprovada em pacote com outras medidas provisórias que travavam a pauta do Congresso Nacional, a Lei n° 10.196 determina que "a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)". Sob o pretexto de suprir uma suposta deficiência do Instituto nacional de Propriedade Industrial (INPI) no exame e concessão de patentes nessa área, a Anvisa passou a analisar os pedidos de patente previamente examinados pelo corpo técnico daquele órgão. Para isto, paradoxalmente, contratou examinadores do próprio INPI, com o que se agravou a deficiência de examinadores desta autarquia. Coisas que só acontecem no nosso país.

Ao interferir na concessão de patentes, a Anvisa se desvia de sua função estabelecida na lei que a criou – a Lei n° 9.782/99 -, qual seja: "promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionadas, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras".

A Anvisa passou a despender recursos tentando (re)fazer o trabalho que compete ao INPI, além de autorizar a viagem de um funcionário a Genebra para acompanhar durante duas semanas as discussões sobre novos tratados na área de patentes que nem mesmo tratam especificamente da área farmacêutica ou de saúde.

Em vez disso, toda a atenção da Anvisa deveria estar focalizada no correto e eficaz desempenho de suas atribuições na área da saúde, para evitar manchetes como a que deu conta de que cinco de seus funcionários foram afastados em função do esquema de fraudes investigado pela Operação Vampiro. Ou notícia de que aquela agência não estaria fazendo o monitoramento de resíduos agrotóxicos na soja consumida no mercado brasileiro, mas apenas dos produtos destinados à exportação. Ou ainda notícias sobre as dificuldades da Anvisa de fiscalizar e combater de forma eficaz a pirataria na área dos medicamentos genéricos.

Ou seja, ao que tudo indica, a Anvisa não tem condições plenas de realizar suas tarefas e ainda se propõe a refazer o trabalho que compete ao INPI, atrasando ainda mais o já moroso processo de concessão de patentes no Brasil.

Analisar as condições de patenteabilidade e as condições de comercialização são atribuições distintas

A relação Anvisa/INPI encerra uma diversidade de aspectos. Em primeiro lugar, compete à Anvisa a importante tarefa de zelar pela saúde pública através do "controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária". A concessão de uma patente não se insere nesse contexto, porque a patente não autoriza seu titular a comercializar o objeto patenteado. E nem poderia. Enquanto a concessão de um registro de comercialização pela Anvisa depende da apresentação de complexos testes clínicos relacionados com uma formulação específica, a patente descreve uma diversidade de formulações. Analisar o preenchimento das condições de patenteabilidade, por um lado, e as condições de comercialização, por outro lado, são atribuições distintas, cumpridas com base em conjuntos de informações diferentes e que cabem, respectivamente, ao INPI e à Anvisa.

Em segundo lugar, os critérios para a concessão ou não de anuência prévia pela Anvisa para a concessão da patente nunca foram regulamentados. Sem qualquer amparo legal, a Anvisa se atribuiu a função de revisora do trabalho do INPI. Os antigos examinadores do INPI, agora na Anvisa, fazem novo exame substantivo dos pedidos já aprovados por seus antigos colegas. Qual é o sentido disso e onde é que a saúde é contemplada?

E, em terceiro lugar, a lei que criou o sistema de anuência prévia pela Anvisa é contaminada por vícios de vários calibres. A Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) adotou as resoluções 2 e 16 a respeito, identificando infrações a dispositivos constitucionais, ao acordo TRIPS e à Convenção de Paris. Os interessados podem acessar essas resoluções no site da ABPI.

Já o governo atual começou a empreender ações para recuperar o INPI. Há notícias de que o orçamento do órgão para 2004 é o maior em muitos anos, recentemente foram admitidos por concurso cerca de uma centena de novos servidores e já há planos para novas contratações em um futuro próximo. Tudo isso mais do que necessário e tudo plenamente suportado pela receita gerada pelo próprio órgão.

Na esteira dessas alterações e dos bons ventos que, finalmente, alçam o INPI à condição de elemento-chave em uma política industrial voltada para a inovação tecnológica, seria conveniente e desejável voltar a separar as atribuições do INPI e da Anvisa, para que cada órgão exerça suas funções de acordo com as respectivas competências legais.

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Ivan B. Ahlert

Socio, Engenheiro Mecanico, Agente da Propriedade Industrial

Socio, Engenheiro Mecanico, Agente da Propriedade Industrial

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