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“Pomodoro” é Marca: Percepção do Consumidor Prevalece Sobre Dicionário

por Filipe Fonteles Cabral e Natalia Barzilai

01 de dezembro de 2017

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Em decisão emblemática, a 1ª Turma do TRF2 aplica o racional do secondary meaning para conceder registro à marca “POMODORO”.

Tudo começou no ano de 1984, quando a Companhia Industrial de Conservas Alimentícias (CICA) lançou no mercado brasileiro uma polpa de tomate sob a marca “POMODORO”. O produto logo se tornou líder de vendas em sua categoria e, alguns anos depois, a marca foi adquirida pela multinacional Cargill.

Os depósitos da marca “POMODORO” perante o INPI foram realizados no ano de 2001, na forma nominativa, cobrindo produtos das classes 29 e 30, incluindo “polpa de tomate” e “molho de tomate” (processos nº 823198219 e nº 823198227). Em 2008 o INPI indeferiu os referidos pedidos de registro sob o fundamento de que a palavra “pomodoro” (“tomate”, em italiano) é descritiva e não pode ser registrada como marca, decisão que foi posteriormente mantida em grau de recurso administrativo.

Cabe mencionar que a análise do INPI ficou restrita à marca e aos produtos reivindicados. Em sua decisão o INPI não levou em conta os vultosos investimentos realizados para difusão e promoção da marca no mercado nacional, ao longo de três décadas, que resultaram em um considerável fundo de comércio de aproximadamente R$ 600 milhões[1]. Os examinadores da autarquia federal igualmente desconsideraram a pesquisa de mercado que comprovou um elevado grau de conhecimento da marca “POMODORO” pela população brasileira em geral (58%).

Ajuizada uma ação na Justiça Federal para reverter a decisão do INPI, a juíza de primeiro grau não acolheu os pedidos da inicial por entender que a tese do secondary meaning não poderia ser utilizada para a apropriação de palavra cujo significado primário denota o próprio objeto a ser identificado pela marca.

Interposta a apelação, a Autora desafiou os argumentos da magistrada de primeiro grau com base nas provas já acostadas aos autos, em especial a pesquisa de mercado realizada pelo IBOPE. Além de apontar um alto grau de associação espontânea da marca “POMODORO” com o produto das Autoras (58%), a pesquisa também relevou que apenas uma parcela ínfima da população brasileira sabe dizer o verdadeiro significado da palavra italiana “pomodoro” (1%). Como pode o INPI taxar uma palavra como “descritiva” se 99% da população não sabe seu significado? A incongruência entre o tratamento dado à marca pelo INPI e a realidade perante o consumidor é evidente.

Na sessão de julgamento da apelação, o Exmo. Des. Federal Abel Gomes, relator do recurso, votou pelo desprovimento do pleito reafirmando o entendimento de que a palavra seria descritiva.

Inaugurando a divergência, o Exmo. Des. Federal Paulo Espírito Santo opinou pelo provimento do recurso. Em manifestação enfática, o Desembargador asseverou que a concessão de registro para a marca “POMODORO” era uma questão de Justiça, sendo fato notório e incontroverso que a marca é amplamente conhecida no Brasil e que o mesmo destino foi dado a outros sinais em situação semelhante, como “LIGHT”, “SUPER BONDER” e “AMERICAN AIRLINES” (dentre outros exemplos trazidos pela Autora em memoriais).

Na sequência, o Des. Ivan Athié ponderou que o juiz deve ser sensível aos fatos da vida e que os consumidores não interpretam “POMODORO” como “tomate”, mas como o produto da Autora. Com base nesses argumentos, acompanhou o voto divergente no sentido de dar provimento à apelação.

Estendido o julgamento para que dois desembargadores da 2a Turma fossem convocados a participar da decisão, na forma da lei processual[2], os Desembargadores Messod Azulay e Simone Schreiber apoiaram o entendimento divergente, formando-se a maioria de 4×1 em favor da Autora.

O acórdão assim foi ementado:

“O artigo 124, VI, da Lei 9.279/96 veda o registro de sinal de caráter genérico, comum ou vulgar, e que também guarde relação com o produto ou serviço que visa distinguir, objetivando impedir o monopólio sobre denominações genéricas, além da concorrência desleal.

Entretanto, in casu, trata-se de uma marca, de natureza fraca, que, a par de não poder ser apropriada com exclusividade, em razão do significado comum do nome, é percebida pelo consumidor como marca e não propriamente como termo genérico de um produto – tomate – , cumprindo, deste modo, o seu papel de distinguir o produto/serviço oferecido, perante às outras empresas concorrentes, de forma integral, resguardando os interesses tanto do seu titular quanto os dos consumidores.” (AC 2014.51.01.00651-1, TRF2, 1ª Turma, Rel. Des. Abel Gomes (vencido), por maioria, com voto condutor do Des. Espírito Santo, DJe 21.08.2017)

A decisão do TRF2 fixa um importante precedente em favor dos titulares de marcas que possuem características descritivas mas que adquirem distintividade por meio do uso (o chamado “secondary meaning”).

Para as marcas cujo elemento nominativo provém de idioma estrangeiro, abre-se uma nova porta para a obtenção de registro perante o INPI, já que a percepção do consumidor, comprovada por pesquisa de mercado, deve se sobrepor ao significado primário da palavra em vocabulário estrangeiro.

Com o referido julgado, o TRF2 demonstra boa sensibilidade para interpretar a Lei e conferir proteção à propriedade industrial de acordo com a realidade do mercado, a despeito do excesso de formalismo por vezes aplicado pelo INPI.

[1] Valor de aquisição das marcas “POMODORO”, “POMAROLA”, “ELEFANTE” e “TARANTELLA” pelo Grupo Cargill.
[2]  Na forma do artigo 942 do Código de Processo Civil.

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Filipe Fonteles Cabral

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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Natalia Barzilai

Conselheira

Mestre em Propriedade Intelectual pelo Magister Lvcentinvs, Universidad de Alicante. Graduada em Direito, pela UERJ[...]

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