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O Protocolo de Madri agora tem um toque de brasilidade

por Ana Lucia de Sousa Borda

18 de junho de 2020

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A entrada em vigor no Brasil do Protocolo de Madri, em outubro de 2019, trouxe não apenas uma nova via de proteção de marcas para empresários brasileiros no exterior, mas também mudanças significativas para aqueles profissionais com atuação na área de marcas assim como desafios. Um desses desafios consiste na tradução das denominações de diversos ingredientes de nossa culinária, bebidas, pratos típicos, instrumentos musicais e manifestações artísticas para o inglês ou o espanhol, idiomas adotados pelo Brasil para o uso do Protocolo de Madri. Não raro, o que é expressado no idioma de origem em um único termo precisa ser traduzido por meio de uma frase para que possa ser compreendido.

Quando se menciona o Brasil, associações com a caipirinha ou com a feijoada surgem de forma espontânea e até mesmo imediata. Isso sem falar na produção cultural e nas artes de maneira geral, em que especialmente o samba e a capoeira, sem demérito a outras manifestações como o chorinho, por exemplo, são conhecidas mundo afora quando se pensa no nosso país.

Esses termos surgiram em diferentes épocas e contextos de nossa história e o uso reiterado ao longo de séculos resultou em sua incorporação ao nosso idioma, compondo nossa identidade. No caso específico da feijoada, vale lembrar que ela foi declarada patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio de Janeiro do Brasil nos termos da Lei nº 6647/2013.

Uma bela iniciativa por parte de membros da diretoria de marcas e da Comissão de Classificação de Produtos e Serviços (CCPS) do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), juntamente com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), resultou na formulação de uma robusta lista de produtos e serviços tipicamente brasileiros e a sua inclusão nas nomenclaturas de classificação desta entidade, no assim denominado Madrid Goods and Services Manager (MGS), com a respectiva tradução. São ao todos 668 descrições dos mais variados frutos, pratos, bebidas e serviços tipicamente brasileiros.

De acordo com informação no site do próprio INPI, a elaboração dessa lista tem por finalidade evitar que escritórios de outros países concedam proteção como marca para denominações que em verdade são descritivas do próprio produto ou serviço. Esse estudo levou em consideração o fato de não somente a legislação brasileira, mas também a da grande maioria dos países proibir o registro como marca de termos descritivos e/ou genéricos em relação aos produtos ou serviços de interesse.

Para além disso, há que se ter atenção ao que prega o princípio da veracidade das marcas. Por força de tal princípio, a marca não pode ser enganosa, ou seja, não poderá induzir o consumidor em erro ou em associação indevida quanto a origem, composição, local de produção, entre outros fatores.

Em 2008 houve uma grande polêmica em torno da palavra rapadura, registrada como marca por uma empresa alemã não apenas em seu país de origem, mas também nos Estados Unidos. Após esforços diplomáticos, a referida empresa renunciou ao registro da marca “rapadura” e adotou uma forma composta, sem qualquer direito de exclusividade sobre o termo “rapadura”.

Situação semelhante ocorreu com o “açaí”, nome de uma fruta típica da Amazônia, que foi registrada como marca por uma empresa japonesa em 2003. Após extensas negociações, com o envolvimento do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, e tendo como fundamento a legítima preocupação de produtores e exportadores brasileiros de açaí de infringir o registro em questão, o Japan Patent Office cancelou o registro da marca “açaí”.

Essa parceria vem, portanto, evitar situações como essas. Somado a isso, a compilação vem facilitar o trabalho dos depositantes brasileiros interessados em proteger sua marca no exterior, em especial quando da redação das especificações no caso concreto. Esse mecanismo serve igualmente para a compreensão de tais termos por parte daqueles que não falam português, já que as marcas são publicadas para eventuais impugnações de terceiros. Daí a importância de uma tradução adequada.

Ao percorrer a lista, a brasilidade aflora em toda a sua magnitude. Bons exemplos são a já mencionada feijoada (bean and meat based dish), o venerado brigadeiro (sweet made of condensed milk and chocolat), o pão de queijo (brazilian cheese bun), a caipirinha (sugarcane-based alcoholic beverage), a rapadura (brown sugar in the form of a small brick), a carne de sol (sun-dried salted meat), aulas de samba (samba [dance] instruction) e a prática de chorinho (practical training of chorinho [music]), para citar apenas alguns.

A compilação dessas descrições de produtos e serviços e a sua inclusão no Madrid Goods and Services Manager (MGS) com o equivalente em língua inglesa pode ser considerada como um marco importante e um esforço louvável, não apenas pelas razões já expostas, mas também por corroborar aspectos de nossa cultura e tradição.

 

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Ana Lucia de Sousa Borda

Socia, Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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