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STJ Estabelece Importantes Diretrizes Sobre Reprodução de Obras Arquitetônicas para Fins Comerciais

por Amanda Martins Navegantes

18 de abril de 2017

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No final de 2016, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 1.562.617, proferiu relevante acórdão na área de Direitos Autorais, estabelecendo importantes diretrizes sobre a reprodução de obras arquitetônicas para fins comerciais.  

O caso advém da utilização da imagem de uma casa situada em condomínio privado em embalagens e anúncios comerciais de uma famosa tinta usada na construção civil. 

Como tal utilização não foi autorizada pelo autor do projeto arquitetônico e não houve a menção do seu nome junto à imagem utilizada, ele ajuizou uma ação em face da fabricante da tinta e do respectivo varejista. Na ação, o arquiteto sustentava que a obra foi indevidamente reproduzida e buscava indenização por danos materiais e morais, bem como compelir as Rés a indicarem o nome do autor junto à divulgação da imagem da casa. 

Em sua defesa, as Rés alegaram que obtiveram autorização do proprietário da casa cuja imagem foi reproduzida, bem como do fotógrafo que capturou a imagem. Ademais, ressaltaram que a imagem da fachada da casa foi captada em logradouro público, sendo necessária a aplicação da exceção prevista no artigo 48 da Lei de Direitos Autorais .   

Em relação ao primeiro argumento, o STJ reconheceu que obras arquitetônicas são protegidas por direitos autorais, em conformidade com o inciso X do art. 7º da Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais). Nesse sentido, o tribunal destacou que a proteção não recai apenas sobre o projeto arquitetônico, mas sobre a obra propriamente dita, materializada após a construção. Portanto, a casa cuja imagem foi reproduzida constitui uma obra protegida por direitos autorais. 

Sobre a autorização fornecida pelo proprietário do imóvel, o tribunal pontuou de forma correta que, de acordo com o artigo 37 da Lei de Direitos Autorais , a aquisição de uma obra original não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor sobre a obra.

Por outro lado, o STJ assinalou que o adquirente de um projeto arquitetônico possui a prerrogativa de materializar a obra e fixá-la em um suporto tangível (ou seja, construir a casa) independentemente de autorização do arquiteto, já que essa é uma utilização intrínseca à própria aquisição do projeto.

Sobre esse ponto, o tribunal explicou que “se o modo de utilização da obra for inerente à finalidade de sua aquisição, o adquirente poderá dele se valer sem necessitar de qualquer autorização do autor”, sendo necessária que tal análise seja feita caso a caso.

Assim, concluiu-se que a reprodução da casa na embalagem e nos anúncios da tinta, com fins claramente comerciais, não constitui uma finalidade intrínseca da contratação de um projeto arquitetônico para construção de uma residência.

Ademais, como os direitos do autor do projeto não se transferem ao adquirente, a autorização fornecida pelo proprietário do imóvel é irrelevante, já que o único legitimado a conceder tal autorização é o autor do projeto arquitetônico, titular dos direitos patrimoniais e morais sobre a obra em questão. 

No que tange ao segundo argumento – reprodução de obra em logradouro público –, o STJ entendeu que a regra de exceção prevista no artigo 48 da Lei de Direitos Autorais também deve ser aplicada a obras arquitetônicas situadas em propriedades privadas que possam ser vistas a partir de um local público.  

Entretanto, por constituir uma exceção, tal norma deve ser interpretada com cautela, sob pena de se ferir os direitos autorais do autor da obra cuja imagem foi reproduzida.

Assim, o acórdão destacou que a conduta das Rés não pode ser abarcada por essa exceção, pois apenas a casa foi reproduzida na embalagem do produto e não a paisagem na qual a casa estava inserida.

Por essa razão, o STJ consolidou seu entendimento sobre a aplicação do dispositivo, de modo a permitir a reprodução de obras situadas em logradouros públicos – ou em locais privados que possam ser avistadas de locais públicos –, desde que reproduzidas como apenas mais um componente da paisagem em que estão inseridas e não como elemento principal.

Por tudo isso, o tribunal concordou que houve infração de direitos autorais e julgou a ação procedente, condenando as Rés a pagarem indenização por danos e materiais e determinando a divulgação da imagem juntamente com o nome do arquiteto.     

Tal julgado, proferido pela mais alta corte do país para apreciação de matéria infraconstitucional, sem dúvida estabelece importantes diretrizes sobre os limites dos direitos de um adquirente de obra artística, fazendo uma correta diferenciação entre a aquisição do suporte físico no qual a obra foi inserida e dos direitos autorais sobre a obra.

Exatamente por isso, o acórdão deixa claro que a utilização da obra contratada  só pode ocorrer no contexto intrínseco da contratação. Portanto, na ausência de documento de cessão de direitos autorais, o proprietário da casa evidentemente pode construí-la, mas não pode autorizar a reprodução da imagem da casa para fins comerciais.      

Além disso, ao determinar que a exceção do artigo 48 da Lei de Direitos Autorais deve ser interpretada de forma restritiva, o tribunal estabelece que obras situadas em logradouros públicos podem ser reproduzidas quando fazem parte do contexto geral de uma paisagem, mas não quando a obra é o elemento central do uso pretendido. Ou seja, buscou-se um ponderado equilíbrio entre o direito do autor e a mens legis do dispositivo.          

O precedente ora comentado, portanto, constitui um importante julgado sobre a proteção de projetos arquitetônicos à luz dos direitos autorais, devendo ser observado com cuidado não só por arquitetos e demais agentes do mercado  de construção civil, como também por todos aqueles que pretendem reproduzir obras arquitetônicas com fins comerciais na divulgação dos seus produtos e serviços.  

 

Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.
  Art. 37. A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nesta Lei.

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Amanda Martins Navegantes

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