por Attilio Gorini e Rodrigo Borges Carneiro
01 de setembro de 2003
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O combate à pirataria é um dos grandes desafios atuais. As perdas geradas com esse ilícito são expressivas e a pirataria se fortalece como um dos pilares do crime organizado.
O negócio da pirataria movimenta US$ 350 bilhões ao ano, segundo estimativas da International Chamber of Commerce e as indústrias fonográficas, cinematográficas e de software figuram entre as maiores vítimas, sendo que somente esta última estima perdas em torno de US$ 12 bilhões anuais.
Os exemplos da associação entre pirataria e crime organizado podem ser encontrados em várias partes do globo existindo, inclusive, uma compilação pela International AntiCounterfeiting Coalition que inclui desde grupos paramilitares na Irlanda do Norte que utilizam a receita da venda ilegal de produtos piratas do desenho animado "Rei Leão", da Disney, até investigações do FBI que concluem que os terroristas responsáveis pela primeira explosão no WTC, em 1993, financiaram parte do atentado com a venda de produtos piratas.
A resposta a esse desafio tem ocorrido em várias frentes como: a formação de associações de defesa dos titulares de direitos intelectuais que organizam campanhas de esclarecimento; programas anti-pirataria; e pressão aos governos para promoverem alterações legislativas e administrativas.
Nos Estados Unidos, um exemplo desse movimento foi a aprovação do Copyright Damages Improvement Act de 1999 que teve como objetivo instituir medidas inibitórias mais severas contra as violações de direitos autorais e uma maior aplicação das leis criadas para proteger os direitos de Propriedade Intelectual.
Nesse contexto, a aprovação da Lei nº 10.695 em 1º de julho, que altera os artigos do Código Penal e do Código de Processo Penal no tocante ao crime de violação de direito de autor, deve ser vista como uma importante evolução do tratamento da matéria no Brasil.
A primeira evolução – e talvez a mais significativa – é a tipificação do crime de violação dos direitos conexos aos do autor. A inclusão dos direitos conexos segue o desenvolvimento da matéria e a conscientização da importância deles no ordenamento jurídico brasileiro. Os artistas e intérpretes, titulares de direitos conexos, poderão, finalmente, ver as infrações coibidas em âmbito penal.
Interessante notar, no entanto, que o legislador deixou de incluir as empresas de radiodifusão, que formam a terceira categoria de titulares de direitos conexos, ao lado dos artistas e dos produtores de fonogramas. Tal cisão já pode ser vista até em âmbito internacional pois o Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) de 1996, que cuida da agenda digital, somente contempla os direitos conexos dos artistas e dos produtores de fonogramas.
A pena mínima dos parágrafos do artigo 184 do Código Penal foi aumentada de um para dois anos, mantendo-se o regime de reclusão. Em outras palavras, o legislador foi feliz ao mostrar que considera a violação ao direito de autor e conexos um crime de maior potencial ofensivo. Mas cabe registrar que ele poderia ter sido ainda mais ousado, aumentando a pena máxima.
Outro ponto interessante é a inserção da noção de lucro indireto. Antes, havia apenas a menção à intenção de lucro, o que favorecia interpretações de que apenas o lucro direto caracterizaria o crime.
O desenvolvimento tecnológico não foi esquecido pelo legislador, que se preocupou em inserir um novo § 3º ao artigo 184 do Código Penal. Em observância à modernidade da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), que já previa o ilícito civil, tipificou-se o crime de oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinado, de obra protegida por direito de autor e direitos conexos. A abrangência do tipo permite a inibição, em âmbito penal, de violações ao direito de autor pela internet.
No entanto, ao contrário da Lei de Direito de Autoral que, em disposição polêmica, limitou a cópia privada a pequenos trechos, a Lei nº 10.695 não considerou crime a cópia integral de obra intelectual, em um só exemplar, para uso privado do copista.
Ademais, diversos artigos foram inseridos no Código de Processo Penal. Dentre as mais significativas alterações, tem-se a autorização expressa da apreensão da totalidade dos bens contrafeitos, juntamente com os equipamentos, suportes e materiais que se destinam à prática do ilícito. Determinou-se que os titulares dos direitos ficarão com a guarda dos produtos apreendidos e permitiu-se a sua destruição antes do término da ação penal, observadas algumas condições.
Finalmente, a lei facultou às associações de titulares de direitos de autor e de direitos conexos a função como assistente da acusação nos processos penais.
Ainda longe de ser perfeita, a alteração legislativa é bem-vinda e merece aplausos. Resta agora um maior empenho das autoridades governamentais para aparelhar a Polícia e a Justiça, permitindo a aplicação eficiente da lei.