Biblioteca

Marcas Heterodoxas

por Jose Antonio B. L. Faria Correa

12 de junho de 2003

compartilhe

Marca é todo sinal idôneo a identificar um produto ou serviço de determinado empresário de outros oferecidos no mercado. Integra um sistema de sinais que permite a comunicação imediata entre o pólo que oferece um produto ou serviço (titular, fabricante, distribuidor) e o pólo a quem se dirige (o consumidor em sentido lato). A marca, na atualidade, é a ferramenta simbólica que recompõe o elo perdido entre o consumidor e o fabricante, que se avizinhavam fisicamente, nos tempos imemorais em que produtores e comerciantes apregoavam seus produtos nas praças centrais das cidades, mas que, hoje, são separados por um enorme abismo, constituindo categorias abstratas.

A noção de marca transmitida ao longo dos séculos é de um sinal perceptível pela vista humana. Qualquer cidade do planeta, sobretudo no mundo ocidental, ofusca o seu visitante com uma exuberante heráldica de marcas que procuram seduzi lo com a promessa das características encapsuladas em cada símbolo, desde marcas de alto renome, com trânsito livre pelo mundo, até sinais de abrangência regional ou local. A noção de visibilidade das marcas reflete se na exigência de perceptibilidade visual, inscrita na Lei de Propriedade Industrial brasileira, em seu artigo 122, para sua aptidão ao registro, pré condição que segue na esteira das leis precedentes.

Com essa condicionante, a legislação brasileira parece não admitir o registro direto de sinais acessíveis aos demais sentidos humanos que não a visão, condenando ao ostracismo as marcas que apelam para outros canais sensoriais: as marcas olfativas, gustativas, sonoras e tácteis. A limitação decorre, em parte, das dificuldades de natureza técnico burocrática, bem como à enorme complexidade de avaliação de sua registrabilidade absoluta e relativa. A atitude de, simplesmente, fugir aos problemas, em lugar de equacioná los, não é, porém, saudável ao desenvolvimento de um campo do direito, e o Brasil, com essa postura, já muito sofreu nas mais diversas áreas. Além disso, ao ignorar a existência de marcas que escapam ao cãnone da perceptibilidade visual, a lei expõe se ao risco de obsolescência, em um mundo volátil, de constante metamorfose, sacudido diariamente por um vulcão em permanente erupção que atende pelo nome de informática.

A constante busca de atrair o consumidor em um ambiente cada vez mais competitivo leva o empresário a modular os seus sinais de comunicação com a clientela (marcas), saindo dos parâmetros tradicionais. A marca tradicional, fundamentalmente visual, é como o sistema tonal, estruturado na escala diatônica. A marca, por assim dizer, heterodoxa, é como um sistema modal ou em certos casos de absoluta ruptura com a tradição dodecafônico.

Assim, empresas há que se fazem presentes no mercado não por meio de sinais captados necessariamente pelos olhos do seu público alvo, mas por seu olfato, por seu tato, por seu paladar, por seu ouvido. Há marcas consistentes em fragrâncias, que o público associa a determinado anunciante; há marcas consistentes em sons, percebidos pelo ouvido, ainda que suscetíveis de serem expressos em notação musical.

Saindo dessa órbita, nosso mundo revolto concebe, hoje, marcas que se expressam por movimentos, gestos, prédios, fisionomias e atitudes humanas. O movimento de um atleta que tenha adquirido projeção na mídia, pode, por exemplo, converter se em elemento de identificação de um produtor.

A evolução das técnicas mercadológicas não recomenda a estagnação do tratamento das marcas em estruturas rígidas inaptas a acompanhar a dinãmica do mercado. Melhor teria sido a adoção de norma semelhante à do artigo 1.052 da lei americana, segundo o qual o fator concludente para aferição de registrabilidade é o funcionamento da marca para os propósitos a que se presta, sem qualquer discriminação quanto ao seu modo de manifestação.

O tema é caudaloso e de grande atualidade, sendo objeto de debates em fóruns internacionais, e integra o programa do XXIII Seminário Nacional da Propriedade Intelectual que a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) organizará entre os dias 18 e 19 de agosto em São Paulo.

compartilhe

Jose Antonio B. L. Faria Correa

Advogado, Agente da Propriedade Industrial

saiba +

posts relacionados

busca