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Marcamorfose

por Sandra Leis

01 de agosto de 2007

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Recentemente, li artigo sobre uma nova tendência das empresas de utilizarem as embalagens de seus produtos como ferramenta de marketing. Lá se comentava sobre alterações no formato e cores de embalagens para chamar a atenção ou adequar o produto às necessidades do consumidor. Segundo o artigo, muitas embalagens estariam funcionando como verdadeiros anúncios dos produtos.

Atualmente, observa-se uma preocupação muito grande das empresas em modificar suas embalagens ou a própria aparência do produto, a fim de dar-lhes um toque mais moderno. Às vezes chegam a "recriar" o produto, tantas são as alterações no seu aspecto visual. Essa metamorfose por que passam as marcas, principalmente aquelas que conseguem sobreviver por décadas, não é novidade. Algumas empresas construíram até mesmo museus para mostrar ao público a sua história e a evolução das suas marcas, que testemunham o esforço da empresa em acompanhar as tendências do mundo e da sociedade na qual se insere.

No meu dia-a-dia profissional, também experimento essas constantes alterações de logotipos, rótulos e formatos de garrafas. O vermute Martini é um bom exemplo. A antiga garrafa, de formato tradicional e com rótulo cheio de detalhes e arabescos, cedeu lugar a uma garrafa de formato mais retilíneo e um rótulo "mais limpo", sem tantos elementos.

No entanto, me preocupa o fato de algumas empresas exacerbarem essa sede de inovação e mudanças em suas marcas e embalagens, prejudicando a identificação da marca pelo consumidor. O feitiço pode virar contra o feiticeiro.

Diz a Lei da Propriedade Industrial que marca é todo sinal visualmente perceptível. O grifo se justifica por ser percepção a palavra-chave. Embora a nossa lei restrinja essa percepção a uma percepção visual, muitos países não impõem esse limite, permitindo que a marca possa ser percebida de qualquer maneira, seja visualmente, olfativamente, auditivamente e até mesmo através do toque das mãos. São as chamadas marcas não-convencionais, que podem ser olfativas, sonoras, ou táteis.

Partindo do conceito legal, a marca permite que o consumidor perceba o produto, identifique-o e decida se vai adquiri-lo ou não. Se as mudanças na aparência do produto são muito constantes, o consumidor poderá não percebê-lo, não reconhecê-lo mais, e a seqüência olha-reconhece-escolhe-compra se rompe. Em não reconhecendo o produto, o consumidor se sentirá perdido e, por pressa ou praticidade, levará um produto alternativo ou concorrente.

Imaginem, por exemplo, a clássica caixinha amarela com letrinhas pretas de Maizena ou a latinha vermelha do fermento Royal. Qualquer dona-de-casa visualiza e alcança com facilidade esses produtos nas prateleiras dos supermercados porque os reconhece. Ela percebe a marca pela cor e formato da embalagem. O que aconteceria se a Maizena fosse oferecida num saco metalizado e em tons de verde? Alguém reconheceria o produto?

Alguns poderão discordar e dizer que tudo é uma questão de tempo, que o consumidor acaba se acostumando, afinal, nos acostumamos com a Sorriso no lugar da Kolynos, não é mesmo? Mas há quem chore até hoje de saudades daquela patriota embalagem verde e amarela.

Fato é que os atrativos e inovações criados pelos estrategistas de mercado nem sempre funcionam. Modificações funcionais nas embalagens, com o objetivo de facilitar a vida do consumidor, são sempre bem-vindas (vejam-se as embalagens de leite e suco que vêm com a tampa abre-fecha, evitando lambanças matinais). Outras novidades, porém, pecam por excesso de sofisticação.

A simplicidade ainda é a grande aliada do consumidor. Esse consumidor que anda meio carente, lembrando do tempo em que podia fazer suas reclamações diretamente ao dono do armazém, bem à sua frente, ao mesmo tempo em que podia compartilhar com ele seus problemas domésticos e uns tragos sobre o balcão. Pobre consumidor, escravo das esperas intermináveis ao telefone, digitando um número atrás do outro para, no final, ser atendido por uma máquina! Esse consumidor que já incorporou a palavra recall ao seu vocabulário, sem nunca ter estudado inglês, e que é praticamente obrigado a efetuar operações pela internet, ainda que apenas 15% dos brasileiros tenham acesso a esse serviço.

Puro saudosismo? É, pode ser. Mas um pouco de conservadorismo não faz mal a ninguém. Que o digam os centenários Polvilho Granado e Leite de Rosas.

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Sandra Leis

Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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