Gustavo de Freitas Morais
Socio, Advogado, Engenheiro Eletrico, Agente da Propriedade Industrial
Socio, Advogado, Engenheiro Eletrico, Agente da Propriedade Industrial
saiba +por Gustavo de Freitas Morais
01 de dezembro de 2007
compartilhe
Em dezembro do ano passado, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) publicou Resolução n.º 134 que, basicamente, exige a apresentação de dados do certificado de acesso quando do depósito de qualquer pedido de patente cujo objeto tenha sido obtido em decorrência de acesso a amostra de componente do patrimônio genético nacional realizado a partir de junho de 2000.
Essa nova resolução tem sua gênese na Medida Provisória n.º 2.186-16 (MP), que hoje é a principal norma a regulamentar o acesso ao patrimônio genético e conhecimentos tradicionais em território nacional.
Sabidamente, o Brasil é um dos chamados países megadiversos, ou seja, que abrigam uma ampla variedade de espécies animais e vegetais. Como também divulgado na mídia, essa exuberante biodiversidade pode abrigar um sem-número de substâncias valiosas, com aplicações na área médica, alimentícia, agroquímica, cosmética, etc.
Bastaria identificar tais componentes do patrimônio genético brasileiro para surgirem produtos de enorme valor da humanidade. Entretanto, é longo o caminho entre um extrato vegetal, por exemplo, e um produto disponível ao público, fabricado em escala industrial e com eficácia e segurança devidamente comprovadas através de testes.
Assim, o ideal é criar um ambiente propício ao investimento para todos termos acesso aos produtos dessa biodiversidade. Lamentavelmente, o Brasil escolheu um caminho perigoso, que vem produzindo justamente o oposto, afugentando investidores.
É verdade que a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada no Rio de Janeiro em 1992, mudou o paradigma antigo, segundo o qual os recursos genéticos eram uma herança comum da humanidade. Sob o novo regime, os países signatários passaram a ter direitos soberanos sobre aqueles recursos. Antes mesmo da assinatura da CDB, nossa Constituição já estabelecia em seu art. 225, § 1º, inciso II que incumbe ao Poder Público “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”.
Não obstante tais mandamentos, fica cada vez mais claro que nosso governo optou por uma postura exageradamente defensiva da nossa biodiversidade, implementando regras tão complexas que acabaram coibindo as pesquisas e o desenvolvimento necessário para que novos produtos derivados do nosso patrimônio genético deixem de estar apenas no mundo das idéias e se tornem efetivamente disponíveis à sociedade.
No caso específico de acesso a recursos genéticos com finalidade comercial, várias providências são necessárias para obtenção do certificado de acesso que é concedido pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genérico (CGEN). O processo é bastante moroso e um dos principais entraves é a anuência prévia exigida do titular da área nas mais diversas situações.
Ademais, não se pode esquecer a necessidade de prévia anuência pelo CGEN de um contrato de repartição de benefícios antes de qualquer atividade de prospecção. Um dos preceitos contidos na CDB é a repartição de benefícios e não existem questionamentos sérios à noção de que comunidades que contribuam ou facilitem na identificação ou isolamento de determinado recurso natural recebam algo em troca.
Entretanto, soa exagerado requerer aprovação de um contrato de repartição de benefícios – sendo que a MP prevê várias cláusulas obrigatórias – antes mesmo de ocorrer o acesso àquele organismo que será pesquisado. Nada é certo nesse estágio preliminar e a negociação forçada pode até criar um clima de desconfiança entre as partes que em nada contribui para o acesso e posterior desenvolvimento. O mais correto seria deixar as partes mais livres para decidirem.
Em suma, a MP é mais uma daquelas regras demasiadamente protecionistas, que parte do pressuposto que abusos ocorrerão se não forem criados controles e mais controles que obriguem as entidades interessadas a andarem na linha.
Como já ocorreu em outras situações em que o Brasil adotou uma postura excessivamente protecionista, o resultado é negativo para todos. As regras exageradas e o clima de incerteza e desconfiança afugentam empresas que poderiam estar dedicando tempo e recursos para pesquisar e criar produtos a partir da nossa tão decantada biodiversidade.
Pouco adianta existirem potenciais medicamentos miraculosos em algum organismo no meio da floresta. Uma exploração sustentável e inteligente da nossa biodiversidade pressupõe produtos nas prateleiras.
E a forma como o INPI regulamentou o artigo 31 da MP agrava o cenário. Apesar de não estar previsto na CDB e provavelmente ser contrário ao tratado TRIPS, o Poder Executivo houve por bem condicionar a concessão de patentes à observância das normas da MP, quando aquelas se referirem a processo ou produto obtido a partir de amostra de componente do patrimônio genético, devendo o requerente informar a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado. Ademais, em decisão inusitada, o INPI passou a exigir, por meio da mencionada Resolução n.º 134, o cumprimento dessas normas já no depósito do pedido de patente.
Tal sistemática tem uma conseqüência séria: atraso no depósito de pedidos de patentes resultantes das já minguadas pesquisas ligadas a biodiversidade pelo simples fato de que o certificado de acesso ainda não foi emitido pelo CGEN.
O ideal seria arejar as regras e pelo menos reeditar a Resolução, no sentido de permitir a inclusão dos dados a qualquer tempo do exame do pedido de patente.