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Marco Civil: oportunidade desperdiçada

por Rodrigo Borges Carneiro

23 de junho de 2014

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Por Rodrigo Borges Carneiro

Após vários anos de discussão o Marco Civil da Internet foi finalmente aprovado no Congresso Nacional e sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

A importância da Internet nos dias atuais é inegável e o Marco Civil trata de pontos muito sensíveis como a proteção da privacidade e dos dados pessoais dos usuários, garantia a liberdade de expressão e neutralidade da rede.

Por se tratar de uma espécie de "constituição da Internet", entretanto, o texto aprovado peca por não listar expressamente o respeito aos direitos autorais entre aqueles que devem reger a disciplina do uso da Internet no Brasil.

Não se pode negar o fato de que grande parte do apelo e utilidade da Internet se baseia na transmissão e acesso a conteúdo passível de proteção por direitos autorais e de Propriedade Intelectual fruto da criatividade de autores e investimento de titulares em todo mundo.

São obras literárias, fotográficas, musicais, audiovisuais e multimídia, programas de computador, aplicativos e jogos que entretêm, educam e enriquem a vida de milhares de usuários diariamente.

Sem esse conteúdo a rede perderia muito de sua utilidade e se tornaria praticamente uma enorme rede mundial de servidores e terminais de conexão vazios.

Assim, parece inconcebível que o Marco Civil da Internet não incorpore entre seus princípios uma cláusula geral de respeito aos direitos de Propriedade Intelectual ao lado de outros princípios expressamente dispostos em seu artigo 3º.

Independentemente do debate sobre os limites da proteção que os direitos autorais merecem, que deve ser travado no âmbito da reforma da lei específica de direitos autorais, o Marco Civil da internet não deviria ignorar a necessidade de se respeitar os direitos autorais e de Propriedade Intelectual como premissa fundamental para que a rede possa ser construída sobre uma base ética.

Sem contar ainda o fato que o Marco Civil também tem Opinião uma função "educacional", de transmitir à população os princípios que devem reger o uso da rede e que, diante da relevância das obras protegidas por direito autoral para o funcionamento e a utilidade da rede aos usuários, essa omissão representa uma perda de importante oportunidade de educar a população sobre o respeito aos direitos autorais e a propriedade intelectual.

Tão importante quanto isso, corre-se o risco do Poder Judiciário entender que os direitos de Propriedade Intelectual no âmbito da internet devam ser tratados como "direitos de segunda linha" menos relevantes do que outros princípios que constam expressamente do artigo 3 e que nos casos de conflito aqueles deveriam quase que necessariamente ceder a esses, quando essa análise deve ser muito cuidadosa e equilibrada.

Essa omissão parece ter sido uma opção do legislador baseado num entendimento canhestro de que a Propriedade Intelectual seria um estorvo, um obstáculo a inovação e a natureza participativa da rede.

Também não se justifica a omissão sob o argumento de que os direitos autorais estariam incluídos na expressão geral prevista no parágrafo único do artigo 3 de que os princípios expressos nessa Lei não excluem outros.

Se fosse assim, os demais princípios citados no artigo 3º também não mereceriam uma menção expressa no Marco Civil, pois já tem disciplina no ordenamento jurídico.

A inclusão do princípio de respeito ao direito autoral e à Propriedade Intelectual também não tornaria a rede mais ou menos livre, nem dificultaria o acesso à informação ao conhecimento e a inovação, muito pelo contrário.

Perdida essa oportunidade agora será mais do que nunca importante que a revisão da Lei de Direitos Autorais reflita um cuidado especial com a Internet .

 

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Rodrigo Borges Carneiro

Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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