por Jose Antonio B. L. Faria Correa
01 de novembro de 2004
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A imprensa tem publicado diversas matérias sobre o descompasso entre a produção científica do Brasil e sua transformação em patentes suscetíveis de garantir resultados econômicos. Tornou-se antológica, nesse aspecto, a comparação com a Coréia, onde cerca de 75 mil pesquisadores trabalham em inovação tecnológica nas empresas, contra 9 mil no Brasil. É inevitável a menção à morosidade do processamento de pedidos de registro de marca e de requerimentos de patente, atribuível, por sua vez, à ausência de um programa consistente para aparelhar o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pelo setor, que luta por condições adequadas para preencher seu papel. Exemplo disso é o comentário de um empresário capixaba, publicado neste jornal, que, em decorrência da demora, desistiu de patentear um produto gerado por sua empresa.
O assunto é muito oportuno em um momento em que o Brasil, país ciclotímico, vai, mais uma vez, para o divã, sufocado por uma tríade de problemas: energia, ética, identidade. O país do sol, sem luz; da solidariedade, em crise ética; do futebol, berço dos melhores jogadores do mundo, e aflito com a incerteza de sua participação no campeonato mundial; da criatividade, com poucas patentes. Outros países do grupo considerado desenvolvido também passam por momentos de crise, inclusive nesses setores. Porém, um fator que lhes dá sustentação, evitando que se desorientem, é a aposta na capacidade de geração de tecnologia e conquista de mercados, traduzida na disponibilidade de crédito e na oferta de segurança jurídica, mediante concessão de patentes e registros de marcas.
O brasileiro tende a reagir aos problemas gerais do País da mesma forma que os personagens de Ésquilo: bradando contra o destino e lançando anátemas contra as grandes potências. Complexo de inferioridade e simples destilação de azedume contra o poder nunca levaram a resultado algum. Isso porque o poder de países como os Estados Undidos não emana de qualquer fórmula mágica, mas sim do somatório de força de suas empresas, ‘deitando suas raízes’, em uma postura histórica de crédito, à capacidade de criar e à disposição para enfrentar riscos.
Além disso, participam desse somatório incontáveis cientistas e empresários brasileiros que, desencantados com a falta de condições de trabalhar no Brasil, emigram e oferecem seu trabalho a outros países. É assim que inventos como o câmbio automático, de autoria de um brasileiro, são atribuídos aos Estados Unidos. Da mesma forma, perdemos para outros países a primazia na obtenção de patente para produtos pioneiros, como o Captopril, produto para redução da pressão arterial, patenteado naquele país a partir de uma substância descoberta por um professor brasileiro que não encontrou apoio financeiro para a conclusão de suas pesquisas.
Portanto, a posição marginal do Brasil não é obra da ‘moira-grega’, mas da falta de conscientização do valor de bens não corpóreos, que são, hoje mais do que nunca, os grandes motores do desenvolvimento. Esse pensamento tem como pano de fundo uma cultura que só atribui valor patrimonial a objetos sensíveis e que, com fobia de perda, criou o curioso modelo de capitalismo sem risco. Nossas crises seriam muito menos penosas se, na retaguarda, contássemos com uma multiplicação de medidas de estímulo à inventiva e à criação de mercados mediante marcas fortes. Nenhum país do clube dos desenvolvidos cresceu sem isso. A situação do Brasil, nesse campo, é dramática. São poucas as empresas que atentam para o problema. Ao mesmo tempo, não se vê, por parte do Estado, um programa contínuo e consistente para capacitar o INPI, órgão responsável pelo setor, a atender a demanda de serviços, que cresce proporcionalmente à envergadura do País. Ao contrário: se, de um lado, aumenta o número de processos, encolhe o órgão que, de mãos atadas, impedido de contratar, viu cair de 860 para 550 o número de seus servidores.
Uma das fontes desse problema crônico é o sofisma de que propriedade industrial é matéria de interesse apenas das grandes potências, quando é a causa e não o efeito da riqueza de um país. Propriedade industrial é uma ‘catapulta’ para o crescimento, útil sobretudo a pequenas e médias empresas. Ao tratá-la inadequadamente, o Brasil frustra seus pesquisadores e empresários, perde capacidade inventiva e mercados, além de provocar o deslocamento de cientistas e pessoas com capacidade empresarial para países onde seu trabalho será mais bem remunerado.
É imaturo ver na propriedade industrial uma espécie de espectro de ‘Banquo’, quando, na verdade, nada mais é do que uma ferramenta jurídica de fundamental utilidade a todos os que fazem pesquisa e desenvolvimento de produtos e pretendem criar mercados com marca própria. O engenho e a capacidade empresarial não têm pátria: florescem onde forem regados por mecanismos que os estimulem e protejam. É preciso que a propriedade industrial seja, cada vez mais, objeto de debate desapaixonado para que se desfaçam diversos mitos que a cercam, sobretudo a fantasia de que só serve a interesses estrangeiros, quando, na verdade, serve ao homem e ao país que a trate adequadamente.
A Exposição de Inventiva Brasileira – inaugurada pela ABPI em agosto de 2000 e que, itinerante, será reaberta em Vitória por ocasião do XXI Seminário Nacional da Propriedade Intelectual, que a entidade promoverá entre os dias 19 e 21 de agosto – traz um vasto painel demonstrativo do engenho de nosso povo e da necessidade de apostar nessa capacidade criativa, usando adequadamente os instrumentos jurídicos destinados a protegê-la. Sem isso, o País será sempre um barco sem rumo, com a maioria dos passageiros famintos.