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Decisão da OMPI acerca de Nomes de Entidades Territoriais como Domínios na Internet

por Volkhart Hanewald

08 de julho de 2002

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Em sua recente decisão D2002-0273 (8 de julho, 2002) o Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI indeferiu o pedido feito pelo estado alemão de Sachsen-Anhalt de transferência da titularidade do registro do domínio sachsen-anhalt.com de sua atual detentora, uma empresa cuja página na internet veiculava material pornográfico e fornecia endereços de prostíbulos na região da Alemanha onde também se localiza o estado de Sachsen-Anhalt, para o citado estado.

Tal indeferimento ocorreu, apesar de o titular haver agido com má-fé em registrar o domínio em nome de um habitante da Tunísia e não ter se manifestado durante o processo. Assim, a OMPI viu-se obrigada a notificar esse habitante na qualidade de Suplicado, do pedido do estado de Sachsen-Anhalt, ao que ele respondeu com um e-mail em inglês e outro em francês dizendo que desconhecia a situação, além de seu nome estar sendo utilizado indevidamente,

Embora as circunstâncias do caso em tela fujam ao normal, a decisão do árbitro da OMPI é digna de avaliação e comentários.

De início, o árbitro evitou abordar um ponto fulcral, que é se entidades territoriais, tais como países, estados ou cidades, podem ou não ser consideradas pessoas jurídicas.

No Brasil, essa questão não se discute, uma vez que o art. 14 do Código Civil Brasileiro deixa claro que a União Federal, os Estados, o Distrito Federal, bem como os municípios legalmente constituídos são considerados pessoas jurídicas. Entretanto, as leis de muitos outros países não contêm tal afirmação.

Na afamada lide acerca do domínio barcelona.com julgado por um tribunal norte-americano, tal questão não foi debatida, já que o autor desse caso não era o município de Barcelona, mas a autarquia governamental daquela cidade (Excelentísimo Ayuntamiento de Barcelona). Sendo assim, o tribunal teve como fundamentar sua decisão no fato dessa autarquia, como pessoa jurídica, ser proprietária de várias marcas espanholas contendo o elemento "BARCELONA".

Contudo, no caso referente ao domínio sachsen-anhalt.com, a decisão do árbitro assim se iniciou: “A Suplicante é a Land Sachsen-Anhalt, um estado federal da Alemanha…”. Nada há, em sua decisão, que indique que a arbitragem tivesse sido solicitada pela autarquia governamental desse estado em lugar do próprio estado.

Conseqüentemente, a primeira providência a ser tomada pelo árbitro deveria ter sido constatar a qualidade de pessoa jurídica de Sachsen-Anhalt, possibilitando tal território ser parte em qualquer tipo de litígio ou arbitragem.

Infelizmente, não há jurisprudência alemã inequivocada sobre essa questão. Na lide concernente ao domínio deutschland.de, o tribunal regional de Berlim declarou que a República Federal da Alemanha é pessoa jurídica; sem citar, porém, qualquer jurisprudência e/ou doutrina. Tal litígio foi encerrado por um acordo homologado pelo tribunal de 2ª instância. Hoje, o domínio deutschland.de é propriedade da Agência de Imprensa e Informação do governo federal alemão e não da República Federal da Alemanha.

O árbitro da OMPI, que obviamente não era especialista em direito alemão, recebeu o pedido de arbitragem sem ponderar sobre essa questão.

No entanto, a mesma fundamentou o indeferimento do pedido pelo árbitro. Conforme as razões, a Suplicante (i.e. o estado de Sachsen-Anhalt) deveria ter comprovado a titularidade de um registro de marca dando exclusividade para uso do nome "SACHSEN-ANHALT".

Tal conclusão somente seria possível presumindo-se que Sachsen-Anhalt fosse uma "pessoa", obrigada, como tal, a comprovar proteção marcária anterior para poder recuperar um nome de domínio registrado por terceiros, obedecendo ao princípio da anterioridade (first-to-file).

A culpa, pelo menos em parte, para a existência dessa decisão extremamente infeliz é da própria Suplicante. Os procuradores da mesma basicamente fundamentaram seu pleito alegando que "nomes de países, estados e municípios gozam de proteção legal equivalente à dada a marcas de produto ou serviço em muitas jurisdições" (sic). Além disso, citaram o parágrafo 12 do Código Civil Alemão – CCA, segundo o qual o titular do direito de uso de um nome pode obrigar terceiros a cessar o uso do mesmo sem autorização.

Contudo, a Suplicante deixou de mencionar que de acordo com a legislação marcária alemã, não é possível registrar "SACHSEN-ANHALT" como marca, sejam entidades territoriais pessoas jurídicas ou não.

Mesmo concluindo-se que entidades territoriais são pessoas jurídicas, o parágrafo 12 do CCA impediria o registro de "SACHSEN-ANHALT" como marca. Embora tal norma não restrinja de forma inequivocada sua aplicabilidade apenas ao que se refere a seres humanos, deduz-se tal afirmação do fato da localização dessa norma, no capítulo do CCA, referente a pessoas naturais, i.e. seres humanos. Há unanimidade na doutrina e jurisprudência alemãs sobre a aplicabilidade das regras concedendo proteção aos nomes das pessoas naturais também em benefício das pessoas jurídicas.

Pressupondo-se, por outro lado, que entidades territoriais não devam ser consideradas pessoas, ainda é impossível registrar "SACHSEN-ANHALT" como marca na Alemanha. Isso se deve ao parágrafo 8 (2) inciso VI da lei marcária alemã (Markengesetz) que afirma expressamente que brasões, bandeiras e demais símbolos de soberania ou chancelas de localidades nacionais não são registráveis.

Destarte, nem a Suplicante poderia ter obtido proteção marcária para o termo “SACHSEN-ANHALT”, pelo menos na Alemanha. O mesmo, aliás, aplica-se no Brasil, onde o artigo 124, item I da Lei de Propriedade Industrial, que reza claramente que brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, não são registráveis como marcas.

No mundo inteiro, administrações públicas têm manifestado notória morosidade em acompanhar o progresso tecnológico, devido ao complicado processo político envolvendo gasto de verba pública. Por toda parte, entidades territoriais não têm sido ágeis no registro de suas próprias designações geográficas como domínios da internet, levando à perda desses domínios para posseiros e domain grabbers sob o princípio da anterioridade.

Além disso, o árbitro não deixou claro, em que proporção a Suplicante teria de comprovar direitos marcários para poder reivindicar o registro do domínio sachsen-anhalt.com. Conforme já demonstrado, a aquisição legal desses direitos é impossível em países como Alemanha ou Brasil.

Assim, a decisão do árbitro da OMPI traz implicações graves, não somente para as autoridades governamentais de entidades territoriais, como também para os habitantes das mesmas.

Isso se deve ao fato de que os usuários procurando informações comerciais, geográficas e/ou turísticas sobre tais entidades, geralmente procuram-nas nos domínios descritos pelo nome da entidade territorial dentro do domínio .com ou o domínio nacional, ou seja .de no caso em tela. Assim, a primeira informação recebida seria aquilo que o posseiro acha por bem colocar na rede e não o conteúdo escolhido pela autoridade governamental ou pelos habitantes das entidades territoriais.

Certamente, o risco de o usuário receber informações deturpadas é bastante menor naqueles países onde existem subdomínios criados para indicar a natureza do titular de um determinado domínio, tais como .gov reservado para autarquias governamentais, .com para estabelecimentos comerciais, .edu para instituições de ensino etc. Quem estiver buscando informações sobre a República Federativa do Brasil pode encontrá-las facilmente no endereço www.brasil.gov.br (ou até no www.brazil.gov.br). Além disso, os moradores do Brasil têm maior sorte de que os habitantes de Sachsen-Anhalt, já que os serviços oferecidos pelos titulares dos registros de brasil.com e brazil.com não têm o mesmo grau de baixa reputação daqueles oferecido pelo titular do domínio sachsen-anhalt.com.

Com efeito, a decisão do árbitro da OMPI deixa os moradores daquelas entidades territoriais, cujas autoridades governamentais têm sido lentas na procura por proteção de seus nomes – quer por meio de direitos marcários – quer pela apropriação dos respectivos domínios da rede, à mercê dos posseiros e domain grabbers, os quais, por sua vez, têm a possibilidade de lucrar bastante com a exploração da prática do consumidor de identificar as caraterísticas físicas de um território pelo seu nome.

Espera-se que o governo do Estado de Sachsen-Anhalt continue na busca por seus direitos na justiça, possibilitando, assim, a retificação dessa situação pouco satisfatória.
   
   

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Volkhart Hanewald

Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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