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A Nova Resolução Sobre Nomes de Medicamentos Promulgada pela ANVISA

por Gustavo Piva de Andrade

10 de dezembro de 2014

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Por Gustavo Piva de Andrade

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) promulgou, em outubro de 2014, a Resolução RDC nº 59/2014 que estabelece diversas regras para a formação dos nomes de medicamentos.

Trata-se de marco regulatório importante, que há muito tempo era aguardado pela indústria farmacêutica, e que deve influenciar de forma bastante significativa a prática das empresas que tem de registrar seus produtos perante a referida agência.

Por essa razão, é fundamental que os profissionais da área estejam atentos aos pontos regulados pela Resolução, bem como saibam o que foi permitido e proibido pela ANVISA.

O objetivo do presente artigo é fornecer um panorama sobre a Resolução RDC n° 59/2014 e demonstrar os diversos aspectos que devem ser considerados por uma empresa farmacêutica na seleção e adoção dos nomes dos seus medicamentos.

Além disso, faremos uma análise da Resolução à luz dos direitos de propriedade industrial, examinando, sob uma perspectiva prática, a interface entre a referida norma e alguns relevantes aspectos do direito marcário.

Alcance da norma

Para começar, uma ressalva importante: a Resolução RDC nº 59/2014 deixa claro, no seu artigo 20, que os nomes de medicamentos aprovados de acordo com a sistemática anterior não serão objeto de revisão por parte da agência.

Isso significa que a nova regulamentação não afeta registros sanitários já concedidos, tendo sua aplicação limitada a registros futuros ou a pedidos cuja aprovação ainda não tenha sido publicada pela ANVISA.

Portanto, as empresas farmacêuticas não estão obrigadas a adequar os registros sanitários já existentes às regras da atual Resolução, o que denota, por parte da agência, um salutar respeito ao direito adquirido e ao princípio da segurança jurídica.

Nomes de medicamentos

A Resolução RDC nº 59/2014 traz, de plano, duas boas notícias em relação aos nomes de medicamentos.

A primeira diz respeito à terminologia: a ANVISA abandonou o termo “nome comercial” para se referir à designação dos produtos farmacêuticos. Agora, o termo a ser utilizado será “nome de medicamento”, muito mais adequado que seu antecessor, tendo em vista que o termo “nome comercial” é frequentemente utilizado no meio jurídico como sinônimo de “nome de empresa”.

A segunda boa notícia é ainda mais relevante: a nova Resolução revoga a “regra das 3 letras” prevista no item 3.4 da antiga Resolução RDC n° 333/2003, segundo o qual “podia ser usado nome assemelhado a outro já registrado desde que se diferenciasse por no mínimo 3 letras distintas”.

Tratava-se de regra infeliz, totalmente divorciada dos princípios norteadores do direito marcário. Afinal, podem perfeitamente existir marcas que se diferenciam entre si por três ou mais letras e sejam colidentes e marcas que se diferenciam entre si apenas por duas letras e possuam impressões de conjunto suficientemente distintas.

Portanto, bem agiu a ANVISA ao abolir a referida norma e substituí-la pelo parágrafo único do artigo 7º da atual Resolução, o qual dispõe que “o nome de medicamento pretendido deve guardar suficiente distinção gráfica e fonética em relação às designações de outros medicamentos já registrados”.

Como se vê, a atual regra possui um caráter aberto, deixando claro que o nome a ser registrado deve se distinguir gráfica e foneticamente de outros nomes pré-existentes.

Ainda que outros critérios pudessem ter sido incluídos (p.ex. análise a partir da impressão de conjunto dos nomes), trata-se, sem dúvida, de avanço em relação à norma anterior, uma vez que o processo de aferição de colidência deve ser realizado caso a caso e não deve ficar adstrito a parâmetros matemáticos.

A nova Resolução também estabelece, no seu artigo 7º, que o nome do medicamento deve, preferencialmente, ser composto por uma única palavra e sua pronúncia pretendida em português deve guardar direta relação com a sua grafia.

A existência do vocábulo “preferencialmente” indica que o nome do medicamento não necessariamente precisa ser composto por uma única palavra, mas que esta é a estrutura preferida da ANVISA em relação à designação dos fármacos.

Já a regra em relação à pronúncia indica que a agência pode indeferir nomes cujos aspectos gráfico e fonético não guardem direta correlação. Tal norma é dotada de certa dose de subjetividade e pretende evitar confusão advinda de possíveis discrepâncias entre as formas que o nome do medicamento é escrito e falado.

Por exemplo, um consumidor familiarizado com o idioma inglês, ao ver o nome “THERAHAIR” identificando um medicamento usado para estimular o crescimento dos cabelos, muito provavelmente pronunciaria o termo de forma correta com naturalidade. O mesmo, contudo, talvez não ocorre em relação ao consumidor que não domina o vernáculo estrangeiro, que tende a pronunciar o nome em português, tal como ele é disposto na embalagem.

É exatamente este tipo de discrepância que a ANVISA parece querer evitar, constituindo esta uma regra da maior importância para empresas multinacionais estrangeiras que atuam no Brasil e que possuem marcas globais.

Proibições em relação a nomes de medicamentos

A Resolução RDC n° 59/2014 dispõe, no seu artigo 15, que os nomes de medicamentos não poderão empregar:

• Sufixos da denominação comum recomendada para cada classe terapêutica de substâncias farmacêuticas, ainda que em posição distinta da usualmente recomendada – esta regra proíbe o uso de sufixos recomendados para cada classe terapêutica da farmacologia, tal como   “-ADOL” para analgésicos e  “-CICLOVIR” para compostos antivirais (vide Anexo 3 do Manual das Denominações Comuns Brasileiras). Logo, em princípio, tais sufixos não podem ser utilizados;

• A parte da denominação comum do fármaco, usualmente associada a determinado princípio ativo, quando este não fizer parte da composição do medicamento – esta regra visa a garantir que a parte da denominação comum associada a determinado princípio ativo só seja utilizada quando ele estiver presente no medicamento. Ou seja, o termo “TAMOL” só pode ser usado em relação a medicamentos que efetivamente contenham o “paracetamol” como princípio ativo;

• Abreviaturas, letras isoladas, sequências aleatórias de letras, algarismos arábicos ou romanos, sem significado evidente ao consumidor ou que não possuam relação com as características do produto – esta regra é autoexplicativa e pode, por exemplo, ser usada para coibir o uso do acrônimo “DC” quando o medicamento não for usado para tratar “dores de cabeça”;

• Designações que não correspondam à forma farmacêutica do medicamento – trata-se de norma simples cujo objetivo é garantir que a designação não gere confusão em relação à forma farmacêutica do medicamento e à forma como ele é administrado. Assim, não se pode, por exemplo, usar os termos “spray” e “loção” para compor o nome de medicamento que constitui uma solução administrada via oral;

• Palavras ou expressões que possam induzir ao entendimento de que o medicamento é inócuo, natural, isento ou com reduzidos efeitos colaterais, ou possua potência e qualidade superiores, ou propriedades especiais não comprovadas – esta regra proíbe o uso de palavras como “NATURAL”, “SOFT” e “LIGHT” ou de qualquer outro termo que leve o consumidor a erro em relação à propriedades não comprovadas do fármaco;

• Palavras ou expressões que valorizem uma ação terapêutica, sem comprovação mediante estudos clínicos, e possam induzir o consumidor a entender que tal medicamento teria efeito terapêutico superior a outro medicamento de igual composição – esta regra proíbe o uso dos termos “MAX”, “PLUS”, “SUPER” ou similares em relação a variações de determinado medicamento quando o fabricante não puder comprovar que o efeito terapêutico do medicamento é superior a outro de igual composição;

• Nome de medicamento que foi indeferido por motivação de eficácia e segurança, exceto quando de mesma indicação terapêutica – ou seja, a norma proíbe o uso de nome de medicamento que não tenha sido considerado seguro ou eficaz pelas autoridades sanitárias.

Por fim, a nova Resolução dispõe que, nos casos não previstos nas hipóteses acima, a ANVISA pode recusar o nome do medicamento caso se constate algum tipo de risco sanitário para o consumidor.

Famílias de medicamentos

A Resolução RDC nº 59/2014 felizmente abraça o conceito das famílias de medicamentos e dispõe que os medicamentos da mesma empresa, cuja formulação contenha pelo menos um princípio ativo, responsável pela indicação terapêutica principal, poderão ser agrupados em famílias compartilhando um nome em comum e adotando complementos diferenciadores que os distingam.

A esse respeito, a Resolução determina que a exclusão ou a substituição de um ou mais princípios ativos enseja a adoção de um nome distinto para o medicamento. Portanto, imagine-se uma família de analgésicos cujo princípio ativo seja o “ibuprofeno”. Caso um deles substitua o “ibuprofeno” pela “dipirona”, o nome do medicamento terá de ser alterado, de modo a adotar um nome distinto daquele adotado pela família.

As exceções são os polivitamínicos, poliminerais e poliaminoácidos, os quais podem mudar parte da composição, visando à adequação do medicamento a populações-alvo específicas. Nesse caso, o nome da família pode ser mantido, bastando usar complementos que diferenciem os medicamentos entre si.

A nova Resolução também dispõe que a empresa deve adotar medidas distintivas complementares por meio da rotulagem dos produtos para promover maior distinção entre eles. Não está claro, contudo, o quão distintivos os rótulos devem ser, já que o uso da mesma identidade visual  constitui uma estratégia comercial importante, que faz todo sentido quando se fala de famílias de medicamentos.


Critérios para complementos de nomes de medicamentos

Como último ponto relevante, a Resolução RDC nº 59/2014 regulamenta o uso de complementos de nomes de medicamentos, ressaltando que eles servem para distinguir um determinado produto farmacêutico de outro já registrado pela mesma empresa, dentro de uma família de medicamentos.

Em relação aos complementos de nomes, a Resolução determina que:

• A ANVISA não considerará, para fins de registro sanitário, a exclusividade de uso sobre complemento de nome – ou seja, em regra, a agência considerará o complemento um termo não apropriável, devendo a empresa farmacêutica buscar os seus direitos em juízo caso entenda  que o termo é distintivo e não deve estar presente em registros posteriores de terceiros;

• É vedada a utilização do mesmo complemento de nome com significados distintos;

• Poderão ser utilizados complementos de nome para distinção de vias de administração, forma farmacêutica, população alvo, absorção ou ainda outras situações, mediante justificativa fundamentada da empresa;

• Deverão adotar complementos de nome aqueles medicamentos que apresentem cinética de liberação distinta, forma farmacêutica distinta ou via de administração distinta dentro de uma mesma família de medicamentos.

Conclusão

Como se vê, a nova Resolução da ANVISA regula diversas questões relacionadas à formação dos nomes de medicamentos.

A nova regulamentação possui aspectos positivos, sendo o principal deles a eliminação da “regra das 3 letras”, tão criticada pela indústria e por toda a comunidade do direito marcário.

Por outro lado, a nova Resolução possui diversas nuanças e traz regras detalhadas sobre questões que sequer eram regulamentadas.

Isso é extremamente relevante, já que o indeferimento do pedido de registro do produto pode atrasar ou até mesmo inviabilizar a comercialização do fármaco.

Mais do que nunca, portanto, as empresas farmacêuticas devem ficar atentas às referidas regras, sendo fundamental uma eficiente interação entre os profissionais das áreas regulatória e de propriedade intelectual.

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Gustavo Piva de Andrade

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Direito da Propriedade [...]

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