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O primeiro ano do Protocolo de Madri no Brasil – um breve balanço

por Ana Lucia de Sousa Borda e Rafael Atab

20 de outubro de 2020

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O Protocolo de Madri está completando um ano de vigência em nosso país, o que é um convite para que seja feito um balanço que deve começar, claro, pela lembrança das expectativas mais imediatas tanto dos usuários nacionais quanto estrangeiros no tocante à adesão ao Protocolo. Embora cada um pudesse ter expectativas próprias, algumas lhes eram comuns.

Sob a ótica do empresariado nacional, estaria aberta a oportunidade, até então inédita, de ser requerida proteção, por meio de uma única Inscrição Internacional junto à Secretaria Internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), para marcas brasileiras em todos os países membros do Protocolo nas 45 classes de produtos e serviços. O Protocolo conta atualmente com 107 membros, abrangendo um total de 123 países, o que dá a dimensão da janela de oportunidades que surgiu para empresas brasileiras em termos de facilitação de acesso à proteção de seus sinais distintivos mundo afora.

Outra grande promessa do Protocolo seria a celeridade, já que os países membros devem optar por proceder ao exame de pedidos via Protocolo em 12 ou em 18 meses a contar da data da notificação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) da designação do Brasil. No caso brasileiro, foi feita a opção pela conclusão do exame em 18 meses, o que de fato melhor se enquadra à nossa realidade. Diferentemente da legislação de muitos países, o INPI realiza o exame de registrabilidade de ofício, considerando também marcas de terceiros, mesmo que estes não tenham se oposto ao registro da marca.

De acordo com as múltiplas manifestações externadas nos meses que antecederam a adesão ao Protocolo, tanto na imprensa em geral, quanto nos círculos especializados, parecia haver uma forte demanda reprimida de empresários brasileiros extremamente interessados em beneficiar-se dessa nova via. E isto não apenas pela gestão centralizada do portfólio de marcas junto à Secretaria Internacional – a principal caraterística do Protocolo -, mas também em função da considerável redução de custos daí advinda, na comparação com os valores decorrentes da contratação de profissionais especializados em propriedade intelectual em cada um dos países de interesse para acompanhamento dos pedidos de registro.

Outra vantagem do Protocolo seria a possibilidade da utilização do sistema multiclasse, que torna possível reivindicar todas as classes de interesse do usuário do sistema por meio de uma única Inscrição Internacional. No caso brasileiro, no entanto, o exame se dará por classe e mediante o pagamento do valor integral da taxa para cada classe reivindicada.

A aparente demanda reprimida e os supostos anseios por parte de empresários brasileiros não se confirmaram em números. Até o momento, usuários nacionais protocolaram 109 pedidos de Inscrição Internacional no INPI. Já o número de pedidos (designações) recebidos pelo INPI de países estrangeiros ultrapassa em muito a modesta quantidade de pedidos de brasileiros. Só para se ter uma ideia, o site da OMPI registra 8.290 designações brasileiras.

A expectativa dos estrangeiros estava mais relacionada à previsão de conclusão do exame em 18 meses e, ainda, à possibilidade de fazer uso do sistema multiclasse para a proteção de suas marcas no Brasil, mesmo nos casos de não utilização do Protocolo. No entanto, o sistema multiclasse ainda não está disponível para pedidos sem amparo no Protocolo, sejam eles requeridos por nacionais ou estrangeiros, sendo necessário requerer proteção por classe separadamente. Não houve anúncio, até o momento da publicação deste artigo, sobre a previsão de implementação do sistema multiclasse.

Além do sistema multiclasse, a adoção do Protocolo viabilizou o regime de cotitularidade e a possibilidade de divisão de pedidos e de registros. Recentemente foi noticiada a implementação do regime de cotitularidade a partir de 15 de setembro deste ano, ao passo que a divisão de pedidos e de registros foi postergada para 1º de julho de 2021.

A tão propalada celeridade no exame dos casos de Madri ainda não se confirmou. Recentemente, foram publicadas as primeiras oposições apresentadas contra algumas designações. Na Revista da Propriedade Industrial de 13 de outubro foram publicadas as primeiras decisões de deferimento de algumas designações. Quanto aos demais casos que não sofreram oposição, fica a expectativa de decisão mais breve, lembrando que, para os primeiros pedidos notificados ao Brasil, resta um prazo de aproximadamente seis meses para que seja proferida decisão. Na ausência de incidente processual – tais como exigência ou indeferimento – dentro dos 18 meses, a designação será convertida automaticamente em registro nacional por decurso de prazo, o que tem potencial para gerar disputas.

O pouco apetite dos brasileiros em buscar a via do Protocolo pode refletir em parte a crise econômica atual, ou mesmo o alto valor da taxa de câmbio. Sendo os custos desse registro cotados em francos suíços, as taxas da OMPI podem assustar empresas que apenas começam a se internacionalizar.

Em qualquer caso, os empresários nacionais contam agora com um moderno sistema de acesso à proteção de suas marcas em diversos países, como mais uma opção para suas estratégias globais, mas que somente terá valor efetivo se o INPI adotar medidas para melhorar sua eficiência e garantir a isonomia entre nacionais e estrangeiros.

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Ana Lucia de Sousa Borda

Socia, Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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Rafael Atab

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

atab@dannemann.com.br

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