Um estudo, ainda que não seja aprofundado, sobre a origem da Marca Comunitária não poderia excluir uma breve menção ao Tratado de Roma, assinado em 1957 pela França, Itália, República Federal da Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, determinando a criação da Comunidade Econômica Européia. Mais tarde, por força do Tratado de Maastricht, que passou a vigorar a partir de 1o. de novembro de 1993, deu-se a criação da União Européia, tendo como uma de suas principais finalidades a instituição de um mercado comum, onde se daria um regime de livre comércio, propiciado pela ausência de restrições à circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Esse regime teve como alvo um mercado consumidor de enorme importância: a União Européia, que reúne mais de 370 milhões de consumidores com alto poder aquisitivo. Foi esse, portanto, o nascedouro da Marca Comunitária.
Tendo em vista a envergadura desse mercado, a marca assume um papel de grande relevância como meio de divulgação e comercialização de produtos e serviços. Com efeito, ao lograr obter o registro de uma marca comunitária, o empresário terá, ao menos em potencial, uma área vastíssima a explorar tanto com vistas à consolidação de seu signo distintivo como à sua introdução em novos mercados. Absolutamente necessário e inadiável que se criasse um conjunto de normas que regulassem esse mercado comum então instituído.
Tanto assim que os primeiros trabalhos visando à elaboração de um regulamento sobre esta nova modalidade marcária tiveram início logo após a entrada em vigor do Tratado de Roma. A primeira iniciativa adotada foi a criação de uma comissão em 1961, comissão essa que já em 1964 apresentou um ante-projeto regulamentando a marca comunitária. Houve, entretanto, uma paralisação dos trabalhos, ocasionada em especial pelo veto francês ao ingresso do Reino Unido na Comunidade Econômica Européia.
Na esteira da adoção do PCT (Patent Cooperation Treaty), é dado prosseguimento aos trabalhos na área marcária. Em 1974 foi organizado um novo grupo de trabalho que apresentou um Memorando sobre a criação da Marca Comunitária. Como resultado, o Conselho da União Européia adotou o Regulamento sobre a Marca Comunitária em 20.12.1993, que passou a vigorar em 15.03.1994.
Alguns Princípios
A adoção da marca comunitária teve como resultado prático e imediato o surgimento de uma nova modalidade marcária. Se nos aprofundarmos um pouco mais sobre a questão, verificaremos que como decorrência desta nova modalidade temos, também, um novo instituto e, sobretudo, princípios próprios a regê-lo. Para melhor investigação de parte desses princípios, faz-se necessário um estudo atento de alguns dos dispositivos contidos em seu regulamento.
Como informa o artigo 2º do referido regulamento, "a marca comunitária terá caráter unitário." Portanto, um dos princípios basilares da marca comunitária é o da unidade. O seu registro gerará efeitos e terá validade para toda a União Européia. Uma vez concedido, não poderá ser fracionado para atender a interesses específicos. A prática de qualquer ato modificando sua titularidade ou impondo-lhe restrições terá conseqüências para o registro como um todo e não apenas em relação a determinado país membro da comunidade. Em suma, o caráter unitário é uma característica essencial da marca comunitária. Como decorrência desse princípio, um único Órgão possui competência para promover o registro da marca comunitária, o Escritório de Harmonização do Mercado Interno (OHIM – Office of Harmonization of the Internal Market) com sede em Alicante, na Espanha.
O OHIM (Office for Harmonization of the Internal Market) iniciou suas atividades em 1o. de abril de 1996, aceitando pedidos com data retroativa a 1o de janeiro daquele mesmo ano. A julgar pelo fato de a demanda em relação à marca comunitária ter superado as melhores expectativas, o seu alcance e fixação como nova opção adicional de proteção apresentam ótimas perspectivas.
Do artigo 1o. do mesmo Diploma Legal deflui, de forma clara, o princípio da autonomia, igualmente de enorme relevância. Ainda que o registro de marca comunitária possa ser entendido como um conjunto de registros nacionais, estará ele sujeito exclusivamente às disposições contidas em seu regulamento. Essa, aliás, foi uma das grandes preocupações que nortearam aqueles que estavam encarregados da elaboração do Regulamento da Marca Comunitária. Se estivesse privada desse princípio, a Marca Comunitária decerto não seria capaz de gerar confiança e credibilidade dentro do grupo interessado, constituído por empresas desejosas de uma proteção ampla e sobretudo segura para suas marcas.
Vantagens e Atrativos do Sistema
Embora não constitua exatamente uma vantagem, o fato de o registro de Marca Comunitária contemplar proteção para "todos os signos que possam ser objeto de uma representação gráfica" com toda certeza representa um forte atrativo para as empresas interessadas. De fato, a abrangência desse dispositivo torna a Marca Comunitária um instrumento eficaz na designação de produtos e serviços, abrindo um amplo leque de opções.
A primeira vantagem desse novo sistema salta aos olhos: por meio de um único pedido o depositante poderá proteger sua marca em todo o território da Comunidade Européia, com considerável redução de custos, menor burocracia e expressiva diminuição do trabalho e tempo decorrentes do acompanhamento e manutenção de marcas por parte das empresas, notadamente daquelas que detêm centenas de marcas. Com efeito, um único registro como Marca Comunitária tem validade em 15 países, quais sejam: Portugal, Alemanha, França, Irlanda, Áustria, Finlândia, Bélgica, Itália, Espanha, Grécia, Suécia, Dinamarca, Holanda, Reino Unido e Luxemburgo.
Outro importante benefício é proporcionado pela faculdade conferida ao requerente de reivindicar a anterioridade (seniority) de seu registro nacional. Com isso, a empresa poderá preservar, no âmbito do registro comunitário, a data mais antiga, o que, em caso de disputa, lhe seria de grande valia. Vale notar, no entanto, que a anterioridade (seniority) somente terá efeitos em relação àquele país ou países em que a marca estava anteriormente registrada, devendo, ainda, haver identidade de produtos e/ou serviços.
Contudo, a maior parte dos usuários do sistema vem demonstrando no mínimo grande cautela e talvez mesmo hesitação em relação à reivindicação de anterioridade (seniority). Dos pedidos apresentados, 82,3% não se fizeram acompanhar de tal reivindicação. Portanto, é um tanto modesto o percentual – 17,7% – de pedidos incluindo uma ou mais reivindicações de anterioridade.
O uso da marca comunitária, ainda que ocorra em um único país membro da comunidade, será suficiente para ensejar a manutenção do registro. Diante disso, é possível concluir que o titular da marca, embora a utilize efetivamente apenas em um país da comunidade, estará legitimado a impedir que terceiros, ao argumento de que ela ali não é utilizada, imitem-na ou reproduzam-na indevidamente em outros Estados. A comprovação do uso efetivo é, assim, muito facilitada com a conseqüente manutenção do registro. Em decorrência, a proteção conferida ao titular é ampla, dando-lhe a prerrogativa de insurgir-se contra terceiros em todos os países da União Européia.
Além disso, a utilização da marca em um único país fará com que a marca se torne conhecida nos demais membros da comunidade, seja pela circulação de impressos, pela divulgação na mídia em geral e pelo intenso trânsito de cidadãos residentes na União Européia.
Ainda como conseqüência do princípio da unidade, temos que uma decisão judicial com respeito à violação de registro comunitário em um dado território será exeqüível em todos os demais países membros da União Européia.
A oposição, apontada por muitos como uma das grandes desvantagens do novo sistema, até o momento não confirmou os temores daqueles que se mostraram pessimistas. De fato, de acordo com os números mais recentes, apenas 18% dos pedidos foram impugnados. Desse percentual, 76% foram objeto de uma única oposição, ao passo que 24% sofreram oposições múltiplas. Podemos dizer, assim, que o número de oposições a pedidos de Marca Comunitária denota muita timidez. Isso, sem dúvida, possui direta relação com o fato de o opoente ter que arcar com parte dos custos, se a oposição não for provida.
A Exaustão de Direitos
Não poderíamos deixar de fazer menção à exaustão de direitos que, embora tenha como pressuposto uma ficção, é de grande valia no contexto da Marca Comunitária. Em função dela, não poderá o titular de marca comunitária impedir a livre circulação de seus produtos no território da União Européia, desde que a primeira venda (first sale) tenha ocorrido com o seu consentimento em um país membro.
Karin Grau-Kuntz, pesquisadora do Instituto Max-Planck, observa que a exaustão "existe muito mais em conseqüência do livre comércio de produtos do que propriamente em razão da natureza da marca" (in "Comentários à Lei de Marcas Alemã de 1995", Revista da ABPI, no. 18).
Esse também é o nosso entendimento, na medida em que a formação de blocos econômicos tem por objetivo aumentar a capacidade dos países membros de negociação frente ao mercado internacional. Contudo, para que um bloco econômico possa adotar tal postura a fim de tornar os seus membros mais competitivos, é preciso, evidentemente, que haja coesão, que haja comunhão de interesses. A exaustão é, portanto, pressuposto indispensável não apenas para que o bloco, como dito, permaneça coeso, mas, também, se fortaleça em relação a seus concorrentes.
Aceitação e Desenvolvimento
A excelente aceitação da Marca Comunitária superou todas as expectativas, surpreendendo o órgão responsável por seu processamento e registro.
Confirmando a extraordinária aceitação desta nova categoria, foram efetuados 101.500 depósitos entre 1996 e 1998. Estima-se que até o final de 1999 um total de 141.500 marcas terão sido depositadas e que 62.000 registros terão sido concedidos. Eis, a seguir, uma das muitas estatísticas obtidas no último encontro da ECTA (European Communities Trademark Association), realizado em junho de 1999 em Frankfurt.
Pedidos publicados em 1998 de acordo com o país de origem.
PAÍS
1996-1998
1999 (Maio)
Total
Estados Unidos
28.0
25.6
27.7
Alemanha
16.1
15.6
16.1
Inglaterra
13.4
13.2
13.3
Itália
6.5
8.2
6.8
Espanha
6.1
6.5
6.2
França
5.5
6.4
5.7
Japão
2.9
2.3
2.8
Holanda
2.8
2.2
2.7
Suécia
2.3
2.2
2.3
Suíça
1.9
1.6
1.9
Dinamarca
1.7
1.5
1.7
Bélgica
1.6
1.6
1.6
Áustria
1.6
1.7
1.6
Canadá
1.2
1.3
1.2
Finlândia
1.0
1.1
1.0
Austrália
0.8
1.0
0.8
Irlanda
0.8
1.0
0.8
Portugal
0.6
0.9
0.6
Tailândia
0.6
0.7
0.6
Luxemburgo
0.4
0.5
0.4
Israel
0.4
0.4
0.4
Honk Kong
0.4
0.3
0.4
Turquia
0.3
0.1
0.3
Grécia
0.2
0.2
0.2
Noruega
0.2
0.2
0.2
México
0.2
0.2
0.2
Singapura
0.2
–
0.2
Brasil
0.2
0.2
0.2
Nova Zelândia
0.2
0.2
0.2
África do Sul
0.1
–
0.2
Coréia
0.2
Principado de Lichtenstein
0.2
Considerando, ainda, que 60,6% dos depósitos entre 1996 e 1998 foram efetuados em nome de empresas situadas na União Européia e os 39,4% restantes em nome de empresas com sede noutros países, não há dúvida de que o objetivo de criar uma modalidade de marca como meio de melhor integrar os membros de um bloco econômico vem sendo muito bem sucedido.
Bibliografia
- Comentarios a Los Reglamentos sobre La Marca Comunitaria. Coordinadores: Alberto Casado Cerviño e Maria Luisa Llobregat Hurtado
- Revista da ABPI – Anais do XVII Seminário Nacional de Propriedade Industrial – Palestra proferida pelo Sr. Jean Claude Combaldieu – Presidente do OHIM
- Revista da ABPI no. 18 – Comentário a Lei de Marcas Alemã de 1995 por Karin Grau-Kuntz
- Palestra proferida pelo Sr. Alexander von Mühlendahl no XVIII Encontro da ECTA em junho de 1999 em Frankfurt