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Tributação de empresas franqueadoras e franqueadas

por Candida Ribeiro Caffe

26 de março de 2004

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A Receita Federal disponibilizou recentemente, em seu site na Internet, uma listagem exemplificativa de atividades excluídas do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES), entre as quais incluiu a "administração de royalties e de franchising".

Com isso, o Fisco evidenciou o seu entendimento de que empresas franqueadoras estariam impedidas de optar pelo sistema SIMPLES.

Mais recentemente, a Secretaria da Receita Federal, em decisão à consulta nº 200, de 17 de novembro de 2003, estabeleceu posição contrária à opção pelo simples por empresas franqueadas, entendendo que "é vedada a opção pelo SIMPLES a empresas franqueadas, com exceção das que atuem como agências de correios."

Contudo, não há na Lei nº 9.317/96, nem em sua posterior alteração pela Lei nº 10.034/2000, qualquer vedação específica para atividades de franquia, esteja a empresa na posição de franqueadora ou franqueada.

A própria Receita Federal, ao regulamentar a matéria em diversos Atos Declaratórios e na Instrução Normativa nº 355, de 29 de agosto de 2003, não estabeleceu qualquer vedação à opção pelo SIMPLES para empresas franqueadoras ou franqueadas.

Portanto, não pode a Receita Federal proibir microempresas e empresas de pequeno porte que não estejam expressamente vedadas por força do artigo 9º da Lei nº 9.317/96 de optar pelo SIMPLES.

Conforme disposto no artigo 3º da referida lei, a pessoa jurídica enquadrada na condição de microempresa e de empresa de pequeno porte poderá optar pela inscrição no SIMPLES, desde que não esteja inserida nas vedações dispostas no artigo 9º da mesma lei.

Cumpre lembrar que se considera microempresa a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e empresa de pequeno porte aquela que tenha auferido receita bruta superior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais). No caso de início de atividade no próprio ano-calendário, os referidos limites serão proporcionais ao número de meses em que a empresa houver exercido atividade, desconsideradas as frações de meses.

Dessa forma, enquadrando-se no conceito de microempresa ou de empresa de pequeno porte e não estando inserida nas vedações constantes do artigo 9º, a empresa poderá em princípio optar pelo SIMPLES.

O entendimento da Receita Federal para vedar tal opção a empresas franqueadoras e franqueadas baseia-se no inciso XIII do artigo 9º da Lei nº 9.317/96 e no inciso XII do artigo 20 da Instrução Normativa nº 355/2003. Tais dispositivos vedam a opção ao SIMPLES por pessoas jurídicas que prestem serviços profissionais de representante comercial ou administrador, entre outros, bem como assemelhados, e de qualquer outra profissão cujo exercício dependa de habilitação profissional legalmente exigida.

A interpretação analógica do Fisco a serviços de "administração e assemelhados" (no caso de empresas franqueadoras) ou "representação comercial" (na hipótese de franqueadas) para impedir a opção pelo simples por microempresas e empresas de pequeno porte é ilegal, por carecer de qualquer respaldo jurídico, violando frontalmente os princípios da legalidade e da segurança jurídica.

Não pode a Receita Federal sustentar que a expressão "administração e assemelhados" inclui a administração de toda e qualquer atividade econômica, para alcançar a "administração de royalties e franchising", principalmente quando se infere do dispositivo legal acima que o legislador procurou proibir a opção pelo simples apenas a empresas que prestem serviços profissionais "cujo exercício dependa de habilitação profissional legalmente exigida", o que não é o caso da franquia, que sequer é atividade profissional.

Da mesma forma, não se pode aceitar que a Receita Federal estenda o conceito de "representante comercial" a franqueados, alegando que ambos atuam em uma espécie de mediação e que portanto empresas franqueadas também não podem se enquadrar no SIMPLES.

Primeiramente, cumpre lembrar que a atividade de representação comercial encontra-se regulada na Lei nº 4.886/65, cujo artigo 1º estabelece que "exerce representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios."

Portanto, franquia e representação comercial são atividades típicas, absolutamente distintas e regulamentadas por lei próprias (Lei nº 8.955/94, no caso da primeira, e Lei nº 4.886/65, no caso da segunda), dependendo o representante comercial de habilitação profissional e registro perante os Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais, o que definitivamente não é o caso das empresas franqueadas.

Ao analisarmos cada uma das atividades listadas no inciso XIII do artigo 9º da Lei nº 9.317/96 e no inciso XII do artigo 20 da Instrução Normativa nº 355/2003, verificamos que o exercício de todas elas depende de habilitação profissional legalmente exigida. Logicamente, o termo "assemelhados" deve ser interpretado dentro deste contexto, sem qualquer ampliação que importe em vedação e conseqüente onerosidade ao contribuinte.

O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu, em decisão de 05 de agosto de 2003, que "o inciso XIII, do art. 9º, da Lei nº 9.317/96, ao relacionar as pessoas jurídicas impedidas de aderir ao SIMPLES, somente alcança aquelas atividades cujo exercício dependa de habilitação profissional legalmente exigida".

O Supremo Tribunal Federal (STF) também já reconheceu, ainda que de forma indireta, que o inciso III do artigo 9º abrange atividades cujo exercício dependa de habilitação profissional específica, no julgamento da ADIN nº 1643, de 05 de dezembro de 2003.

Dessa forma, a listagem de atividades vedadas ao SIMPLES emitida pela Receita Federal e disponibilizada em seu site na Internet não possui qualquer embasamento jurídico, pois extrapolou significativamente as vedações impostas na lei e o próprio entendimento de que o inciso III do artigo 9º veda apenas aquelas atividades cujo exercício dependa de habilitação profissional. O mesmo comentário se aplica à recente decisão emitida pela Receita Federal em relação às empresas franqueadas, conforme disposto acima.

Finalmente, resta lembrar que a Receita Federal não possui competência para ampliar o rol de vedações especificamente definido na Lei nº 9.317/96, cabendo-lhe apenas instituir as normas e procedimentos administrativos cabíveis para que os contribuintes possam usufruir do sistema SIMPLES.

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Candida Ribeiro Caffe

Socia, Advogada, Agente da Propriedade Industrial

Advogada e agente da propriedade industrial, e socia do escritorio Dannemann Siemsen. Pos-graduada em Direito da Pr[...]

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