por Raul Hey
15 de maio de 1997
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Antecedentes
O Brasil é um membro fundador da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 1889 e revista em Estocolmo a 14 de julho de 1967 (sendo este texto de Estocolmo válido para o Brasil) e assinou os mais importantes tratados e acordos internacionais envolvendo direitos de PI, tais como o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT); as convenções de Genebra e Berna de direitos autorais; o acordo GATT/TRIPS e outros, além de ter recentemente promulgado uma nova lei de propriedade industrial, a qual entrará totalmente em vigor em 15 de maio de 1997. A nova lei é uma das mais avançadas do mundo e é fortemente baseada no TRIPS, o que significa que ela representa não apenas uma forte proteção legal à propriedade industrial, mas é também uma poderosa ferramenta de proteção de investimentos baseados em propriedade industrial.
Após um período de mais de vinte anos de ditadura militar no Brasil, um governo democrático foi eleito. O segundo presidente civil deste novo período, Fernando Collor de Mello, o qual terminou afastado do governo por um "impeachment" do Congresso baseado em uma acusação de corrupção, foi, apesar disso, responsável por um enorme passo na direção da abertura da economia brasileira e do estabelecimento de um mercado baseado em livre concorrência voltado para o comércio internacional global. Como parte desta nova política, ele enviou ao Congresso um projeto de nova lei de propriedade industrial em 1991. Este projeto, após cinco anos de intensas discussões no Congresso, envolvendo pela primeira vez uma participação ativa de todos os segmentos da sociedade, finalmente se tornou na Lei nº 9.279 de 15 de maio de 1996, a qual entrará em vigor um ano após aquela data.
O presente governo liderado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, deu continuidade total à política de abertura da economia, iniciada pelo governo Collor, e conseguiu derrotar finalmente (e, esperamos, definitivamente) o maior problema jamais encontrado pela economia brasileira, a saber, as taxas de inflação extremamente altas que historicamente incapacitavam o país e as quais, em 1989, atingiram a inacreditável cifra de 35% ao mês ! A taxa de inflação dos últimos dois anos (1995-1996) tem sido de cerca de 1% ao mês, sem qualquer tendência de alta apreciável.
Em resumo, o cenário para investimentos no país e, particuparmente, investimentos baseados em PI, é certamente o mais favorável das últimas décadas. Porém, – e sempre há um "porém" – titulares de PI ainda se defrontam com um problema que, se não é novo, tornou-se mais perceptível dentro do novo ambiente. Estou me referindo à oponibilidade ("enforcement") de direitos de PI, no que concerne ao sistema judicário.
O problema
Além de boas leis definindo a proteção de direitos de PI, o Brasil também possui leis processuais civis e criminais que proporcionam um amplo espectro de medidas destinadas a prover a oponibilidade daqueles direitos, incluindo medidas liminares em ambas as esferas, civil e criminal, assim como a possibilidade de intentar-se ações civis e criminais simultaneamente, uma vez que a infração de direitos de PI é uma ofensa tanto civil como criminal.
O que acontece na prática, contudo, é tão simples como problemático – os juízes de primeiro grau e os tribunais de segundo grau estão trabalhando com um acúmulo de trabalho enorme e a quantidade de casos a serem julgados aumenta em uma taxa mais rápida do que aquela em que eles são decididos. Deve-se também ter em mente que não existem tribunais especializados em PI no Brasil, significando que casos de PI devem "competir" com quaisquer outras matérias, algumas das quais tratam de certos direitos considerados pelos juízes como tendo prioridade, por exemplo, crimes contra a vida, ações envolvendo interesse público ou órgãos do governo que tratam de seguridade social e assim por diante.
Em vista desta situação, uma ação de infração de patente pode levar, em média, de 3 a 5 anos antes que uma decisão de primeira instância seja dada e aproximadamente 1 a 2 anos mais, se a parte perdedora apelar da sentença. Uma ação de nulidade de patente, a qual deve ser apresentada a um juiz federal, pode levar de 4 a 6 anos em primeira instância e de 1 a 3 anos em segunda instância.
Esta situação, além do atraso propriamente dito, faz surgir alguns problemas paralelos embora extremamente sérios, tais como (i) descrédito no sistema de patentes; (ii) incentivo a infratores; (iii) relutância em companhias estrangeiras em investir no país, quando o investimento é baseado em PI; e (iv) falta de uma jurisprudência sólida, uma vez que as partes tendem a fazer acordos simplesmente para economizar dinheiro e tempo. Estes são apenas os problemas paralelos mais sérios resultantes da situação do sistema judiciário do país.
Adicionalmente, um círculo vicioso formou-se, o qual torna ainda mais difícil resolver-se o problema: uma parte de uma possível solução seria a criação de tribunais especializados para tratar de casos de PI. Isto, contudo, é quase impossível de ser feito, desde que os juízes não se sentem muito felizes com a idéia de serem alocados a um tribunal especializado, com apenas uns poucos casos a serem julgados, o que representaria, em sua opinião, uma falta de prestígio e um decréscimo de suas chances de promoção. Um outro problema seria o fato de que o número reduzido de casos iria tornar necessário apenas um ou no máximo dois juízes nas cortes destinadas a atender as duas maiores e industrialmente mais ativas cidades do país, a saber, São Paulo e Rio de Janeiro. Isto iria levar a uma situação onde quase todas as ações de PI iriam se concentrar nos mesmos poucos juízes, o que não é uma solução simpática à maioria dos advogados.
É, assim, necessário e mesmo urgente que uma solução seja dada ao sistema judiciário no Brasil, de modo que realizações recentes e importantes na abertura do país e sua inserção na economia mundial através da lei de propriedade industrial recentemente aprovada, não sejam prejudicadas por uma barreira real contra a oponibilidade dos direitos de PI, representada pelo sistema judiciário. A morosidade do judiciário causada pelo acúmulo de processos e pelo reduzido número de juízes é fator importante no aumento do assim chamado "custo Brasil".
Aqueles segmentos da sociedade brasileira que defenderam o aperfeiçoamento do sistema legal de PI, devem agora engajar-se na missão de resolver este problema, de modo que seus esforços anteriores não terminem em uma pilha de processos não julgados em alguma sala de tribunal.