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O novo CPC e uma visão contemporânea do acesso à justiça

por Marcelo Mazzola

16 de fevereiro de 2016

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Por Marcelo Mazzola – Sócio do Escritório Dannemann Siemsen

O capitulo inaugural do novo CPC, intitulado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil”, positiva consagrados princípios constitucionais, revelando desde logo a preocupação do novo diploma em dar concretude ao sonho de uma justiça pronta e célere, com respeito às garantias fundamentais.

Como se sabe, o assoberbamento do Judiciário impede a entrega de uma prestação jurisdicional justa e efetiva, em tempo razoável, ideais de justiça que, agora, o novo CPC pretende resgatar.

E nessa visão constitucional do processo civil, alguns paradigmas precisam rompidos, a começar pelo conceito de acesso à justiça.

Com efeito, o amplo acesso à justiça garantido pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XXXV), como resposta às arbitrariedades e restrições do período ditatorial, não pode mais ser entendido como acesso a uma decisão estatal adjudicada, isto é, imposta às partes. Em outras palavras, o acesso à justiça não pode mais ser interpretado unicamente como acesso ao Judiciário.

Embora a jurisdição seja função essencialmente estatal, não se resume a um monopólio do ente público. Afinal, a jurisdição não é conceito estático e oscila no tempo.

Um bom exemplo disso é a arbitragem, método alternativo de resolução de conflitos, que vem sendo largamente utilizada em diferentes áreas do direito, na qual as partes elegem um árbitro para decidir as questões patrimoniais objeto da controvérsia, sem a interferência estatal.

Registre-se, apenas, que o acesso ao Judiciário não é vedado na arbitragem, mas fica limitado às hipóteses previstas nas Leis nºs 9.306/96 e 13.129/15 (arts. 7º, 32 e 33).

É preciso racionalizar a prestação jurisdicional. Nem tudo deveria desaguar no Judiciário. Muito pelo contrário, somente o residual deveria ser submetido ao crivo judicial. Já foi o tempo em que julgar era pacificar. Aliás, uma sentença que julga, mas não resolve, contribui, na verdade, para o escalonamento do conflito.

Há muito tempo se defende nos Estados Unidos a ideia de um sistema multiportas, permitindo que cada conflito tenha um tratamento adequado, como forma de assegurar uma prestação jurisdicional justa e célere, à luz do princípio da operosidade.

A experiência dos países anglo-saxônicos pode ser perfeitamente internalizada aqui no Brasil, o que, inclusive, é defendido por vários doutrinadores pátrios, mas isso exige o amadurecimento de uma política pública de tratamento adequado aos conflitos, o que veio a ser estimulado pela Resolução nº 125/10 do CNJ e pelo novo CPC. 
 

A propósito, em recente evento realizado na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, o Desembargador Cesar Cury, Presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJ/RJ, afirmou que o Judiciário parece uma grande catedral, com várias portas de entrada e apenas uma saída. Eu complementaria: abriram as portas, mas não mostraram a saída.

Em boa hora, o novo CPC incentiva e estimula a utilização dos métodos alternativos de solução de conflitos, como a arbitragem, a mediação (também recentemente regulada pela Lei nº 13.140/15) e a conciliação (art. 3º).

Nesse particular, ganha especial destaque a mediação, poderosa ferramenta não adversarial de resolução de controvérsias capaz de resgatar o ideal de uma “solução pacífica do conflito” (preâmbulo da Carta Magna).

Na mediação, não existem vencidos e vencedores e o objetivo não é fazer justiça, mas sim harmonizar as diferenças e permitir que as partes resolvam o conflito, preservando os vínculos e as relações.
 
O mediador aproxima as partes e facilita o diálogo, adocicando as amarguras, harmonizando as diferenças e contribuindo para a busca do consenso. Uma espécie de espectador com olhos de esperança e ouvidos de ouros. Com sua habilidade, consegue descobrir os interesses ocultos das partes e fazê-las visitar o mapa mental do outro, permitindo que os envolvidos consigam juntos encontrar a melhor alternativa.

Ora, ninguém melhor do que as próprias partes para construir uma solução que lhes atenda mutuamente, pois foram elas que vivenciaram os fatos, experimentaram as sensações e conhecem os seus limites.

Por que, então, judicializar tudo de forma automática? Na verdade, o Judiciário deveria ser o último degrau de uma escalada. Os Juízes só deveriam ser acionados e provocados para julgar e decidir aquilo que não foi dirimido e/ou solucionado pelos outros métodos alternativos (leia-se adequados) de resolução de conflitos.

Em suma, nessa nova visão contemporânea de acesso à justiça, a tendência é que a “jurisdição de direito” e a cultura do litígio passem por um processo de empalidecimento, valorizando-se a cultura do consenso e uma jurisdição que ousamos chamar de máxima-eficácia-reflexiva, inspirada nos métodos alternativos de solução de conflitos, como forma de garantir uma solução mais justa e efetiva, em tempo razoável e com menores custos para as partes.

 

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Marcelo Mazzola

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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