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O Novo Código Civil e a Disciplina dos Direitos de Personalidade da Pessoa Jurídica e suas Conexões com a Propriedade Intelectual

por Rodrigo Borges Carneiro

01 de novembro de 2002

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 I – INTRODUÇÃO


Talvez um dos maiores benefícios da promulgação de um Código Civil seja forçar os advogados a reservarem um pouco do seu escasso tempo à reflexão, atividade que a intensa prática diária raramente permite. 

As honrosas exceções existem e devem ser creditadas aqueles mais obstinados e que com seu esforço teimam em nos brindar com o fruto precioso de suas reflexões, sem o que nossa luta diária seria ainda mais penosa.

O presente artigo, portanto, deve ser entendido como uma contribuição de seu subscritor para auxiliar a comunidade dos advogados militantes na área de propriedade intelectual a refletir sobre uma questão do novo Código Civil que tem o potencial de levantar muitas polêmicas. 

Trata-se, como o título denuncia, da aguardada disciplina infraconstitucional dos direitos da personalidade no campo do direito privado, mais especificamente, da possibilidade de sua aplicação, no que couber, à pessoa jurídica conforme consignado pelo artigo 52 do Novo Código Civil, Lei 10.406/2002, e a conexão desses direitos com a propriedade intelectual.

Partiremos do conceito de direito da personalidade tal como desenvolvido  pela doutrina nacional para depois analisar  a sua polêmica extensão as pessoas jurídicas e tentaremos expor os desdobramentos possíveis desse direito na seara da propriedade intelectual para, ao final,  apontar como a matéria foi disciplinada no novo Código Civil.

De início e para salientar a importância do tema lembramos as palavras de Pontes de Miranda[1]

“Com a teoria dos direitos de personalidade, começou, para o mundo, nova manhã de direito. Alcança-se um dos cimos da dimensão jurídica”               

 

II – OS DIREITOS DA PERSONALIDADE[2]

Para um perfeito encadeamento de idéias faz-se necessário um breve resumo do que se entende por direitos da personalidade.  Nesse particular, nos socorremos dos ensinamentos de Carlos Alberto Bittar autor de livro clássico sobre o tema e que assim os apresenta:  

“Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa dos valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade.”[3]

Os direitos da personalidade integram a categoria dos direitos subjetivos e decorrem da própria natureza da pessoa, sem se tratar de direitos sobre a pessoa[4], e se constituem em prerrogativas que possibilitam ao ser humano o seu pleno desenvolvimento.     

A noção de que haveria direitos da pessoa humana tomada em si mesma foi fruto de gradual evolução do pensamento jurídico[5] da qual fazem parte como marcos o “Tractatus de Potestate in se Ipsum” (1604) de Gómes de Amescua, tal como  a corrente do direito natural que proclama a existência de direitos inatos e naturais do homem independentemente de consagração Estatal, que apenas lhes garantia contornos mais precisos e proteção mais eficaz contra abusos, seguida pelos movimentos políticos revolucionários como os da França no século XVIII que  consagram os direitos do homem, bem como finalmente os civilistas que desenvolveram a noção de direitos no âmbito privado[6]. 

Na verdade, os direitos da personalidade podem ser enfocados sob o prisma público como liberdades públicas garantidas aos cidadãos para efeito de proteção contra o poder do Estado e sob o prisma das relações privadas como direitos subjetivos, inatos e oponíveis erga omnes [7] essenciais para que o homem possa defender os diversos aspectos da sua própria pessoa.  No dizer de San Tiago Dantas[8]:

“A palavra personalidade está tomada aí, em dois sentidos diferentes. Quando falamos em direitos da personalidade, não estamos identificando aí a personalidade como capacidade de ter direitos e obrigações; estamos então considerando a personalidade como um fato natural, com um conjunto de atributos inerentes à condição humana, estamos pensando num homem vivo e não nesse atributo especial do homem vivo, que é a capacidade jurídica em outras ocasiões identificada com a personalidade”

Os direitos da personalidade podem ser enquadrados como  direitos subjetivos absolutos ao lado dos direitos reais em contraposição aos direitos relativos que seriam os direitos de obrigação[9] (chamados por parte da  doutrina de direitos pessoais). O termo “absoluto” traduz uma relação oponível à generalidade dos indivíduos (eficácia universal), ao contrário de “relativo” que remete à especificação de exigibilidade contra determinado sujeito.

Não se deve entender o termo absoluto como sem limites, como bem esclareceu Caio Mário da Silva Pereira[10]: 

“A natureza absoluta do direito não significa uma faculdade de fruição desprendida de qualquer delimitação, instituindo uma concepção  de soberania no titular. Mesmo os direitos absolutos por excelência, oponíveis a todos, têm a sua condição de exercício contida nos limites que o ordenamento jurídico estabelece. O uso da propriedade está condicionado ao bem-estar social (CF/88, art. 170, n.II). Os direitos componentes do status personae são exercitáveis nos termos que a norma institui. Se o titular de um direito absoluto age como se pudesse exercê-lo sem qualquer frenação, e conduz o seu poder de ação de modo a penetrar na esfera jurídica alheia, transcende do justo e já não deve encontrar no ordenamento a proteção de sua conduta. (Louis Josserand, De L’ Espirit du Droit et de leur Relativité, Introduction)”            

A Constituição Federal de 1988 assenta o direitos da personalidade no respeito à dignidade humana (art.1, III) consagrada como princípio fundamental da República Federativa do Brasil que, assim, situa esses direitos em plano superior.

Apesar de algumas divergências, a doutrina majoritária entende que os direitos da personalidade são inatos, vitalícios, absolutos (erga omnes), extrapatrimoniais, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, irrenunciáveis, impenhoráveis e imprescritíveis[11]. Vemos aqui uma falha na disciplina do novo código civil que apenas menciona serem os direitos da personalidade intransmissíveis e irrenunciáveis (art.11). 

Importa nos contornos do presente artigo precisar melhor o que se quer dizer com “relativamente indisponíveis”. A indisponibilidade desses direitos admite temperamentos decorrentes, dentre outros, do interesse social e do direito de personalidade em questão. Assim, por exemplo, em relação ao direito de imagem é permitido que a pessoa conceda autorização para sua utilização. Nada impede que os direitos de personalidade sejam objetos de contratos como de licença, concessão ou autorização.  Em relação ao comércio jurídico, comungamos da opinião de Carlos Alberto Bittar[12] de que, para os direitos da personalidade, são compatíveis os contratos que importam em uso determinado, ou temporário, uma vez que intransmissíveis.

Os autores que se aprofundaram no estudo desse tema oferecem uma diversidade de classificações dos direitos da personalidade.  Julgamos útil a classificação adotada pelo professor R. Limongi França que os subdivide nos seguintes grupos[13]: a) direitos relativos à integridade física; b) direitos relativos à integridade intelectual e c) direitos relativos à integridade moral. No mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar, após alertar que novos direitos podem alimentar a classificação atual, distribui os direitos da personalidade em[14]: 

a. Direitos físicos

Componentes materiais da estrutura humana como integridade corporal, o corpo como um todo, os órgãos, os membros, a imagem ou efígie; 

b. Direitos Psíquicos

Elementos intrínsecos à personalidade humana: integridade psíquica, compreendendo: a liberdade, intimidade, sigilo;  

c. Direitos Morais

Atributos valorativos da pessoa na sociedade, o patrimônio moral compreendendo: a identidade, a honra, as manifestações do intelecto.

 

III – DIREITOS DE PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA?[15]
Dois motivos contribuíram para que somente modernamente fosse reconhecida a possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito de direitos de personalidade. Reconhecimento este, aliás, que não é, ainda, unânime na doutrina civilista.

Em primeiro lugar, tem-se que a própria aceitação da personificação dos entes morais foi objeto de intensos debates que geraram uma plêiade de teorias algumas inclusive, antagônicas.  

Após longo ciclo de discussões[16], cuja reprodução não cabe nos limites do presente artigo, iniciados com a teoria da ficção de Savigny[17], que pontifica que a pessoa jurídica somente existe quando pensada, sem reflexo na vida real e que teve como oposto a teoria da realidade objetiva de Gierke, que concebe a pessoa jurídica como um organismo natural dotada de vontade própria, a doutrina moderna se conforma à teoria da realidade das instituições jurídicas de Hauriou[18].    

A teoria da realidade das instituições jurídicas é sensível aos argumentos de suas antecessoras e reconhece que tanto a personalidade jurídica da pessoa natural quanto da pessoa jurídica derivam do direito sendo um atributo que a ordem jurídica outorga a entes que fazem por merecer. Ao reconhecer a personalidade das pessoas jurídicas, o direito apenas se curva à circunstância inegável de que já existem no plano real, pois há muito que o homem percebeu as vantagens que resultam da conjugação de forças individuais.  Essa teoria, segundo Maria Helena Diniz[19], “é a que melhor atende à essência da pessoa jurídica, por estabelecer, com propriedade, que a pessoa jurídica é uma realidade jurídica”.    

De outro lado, os direitos da personalidade foram desde o início associados aos direitos humanos como  liberdades públicas garantidas à pessoa natural para sua proteção frente ao poder Estatal.  Daí também a dificuldade de alguns civilistas aceitarem a possibilidade da pessoa jurídica ser protegida na sua personalidade.          

Entre os que são contrários à aceitação de direitos de personalidade para a pessoa jurídica, figuram nomes de respeito como o do professor italiano Pietro Perlingieri, que colocou a questão nos seguintes termos[20]:

“Para as pessoas jurídicas, o recurso à cláusula geral de tutela dos “direitos invioláveis” do homem constituiria uma referência totalmente injustificada, expressão de uma mistificante interpretação extensiva fundada em um silogismo: a pessoa física é sujeito que tem tutela: a pessoa jurídica é sujeito; ergo, à pessoa jurídica deve-se aplicar a mesma tutela.” 

Na doutrina nacional a posição acima encontra eco nos ensinamentos do Professor da UERJ Gustavo Tepedino para quem a empresa com sua ótica do mercado e otimização do lucro não pode ser equiparada à pessoa natural, cuja dignidade é princípio basilar posto ao vértice hierárquico do ordenamento. Na visão desse autor, os direitos da personalidade e o ressarcimento por danos morais não podem ser tomados como categorias neutras e utilizados para a tutela da pessoa jurídica que mereceria tutela apenas com um instrumento para a realização das pessoas[21].    

Embora não se negue a primazia da pessoa humana e a instrumentalidade da pessoa jurídica, a observação da sociedade moderna comprova que a pessoa jurídica tem  importância e papel de destaque já que propicia o atendimento de metas e de necessidades sociais e humanas que os esforços individuais jamais seriam capazes de satisfazer.

A proteção dos atributos da personalidade da pessoa jurídica deve levar em consideração que, sendo esta um instrumento para a realização das necessidades humanas, sua atuação no mercado é um componente de sua natureza até porque a imensa maioria das pessoas jurídicas é constituída com finalidades econômicas.

Deve, conseqüentemente, ser despojada do conteúdo “sacro” e de um pouco da rigidez que se justifica na proteção dos atributos da personalidade da pessoa humana. A simples transposição, sem nenhuma forma de adaptação desse direito, não atingiria seus objetivos de resguardar os atributos da pessoa jurídica uma vez que desconsideraria sua posição e valor.

O direito pode e deve se ocupar dessa proteção nos dois casos, amoldando-a aos atributos específicos da personalidade dos entes morais e das pessoas naturais.

A adaptação do direito da personalidade para se ajustar às características da pessoa jurídica não invalida sua importância nem diminui, na ótica do autor, a relevância e valoração do direito da personalidade da pessoa humana. Ao contrário, temos que as duas noções podem convier harmoniosamente, dentro de suas próprias esferas.

Assim, e pelo reconhecimento da possibilidade da pessoa jurídica ser dotada de aptidão genérica de ser sujeito de direitos e também como reconhecimento de que à pessoa jurídica devem ser atribuídos os meios de proteção aos diversos atributos de sua personalidade, é que o direito evoluiu para conceder aos entes morais a tutela desses atributos que forem compatíveis com sua característica de pessoa jurídica.

Essa é a posição defendida por Carlos Alberto Bittar[22] nos seguintes termos:

 “Por fim, são eles (direitos da personalidade) plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (Código Civil de 16. arts. 13, 18 e 20) fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua esencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, respeitada a prevalência de certos efeitosposteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas  (com, por exemplo, como o direito moral sobre criações coletivas e o direito à honra)”.

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz[23] também reconhece que a pessoa jurídica tem direitos da personalidade que, entretanto, tal como se defende no presente artigo, sofrem limitações decorrentes da sua natureza de pessoa jurídica, por não ser dotada de organismo biopsíquico.

Reconhecida a possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito de direitos de personalidade, resta tentar identificar, dentre aqueles direitos, quais seriam compatíveis com sua natureza.  

Nesse ponto, os autores nacionais[24] que defendem direitos de personalidade da pessoa jurídica concluem, com algumas diferenças[25], que os seguintes seriam compatíveis com a pessoa jurídica: direito à existência, liberdade, direito ao nome, marca e outros (direito à identificação), direito à honra objetiva (imagem), direito à intimidade (segredo), direito moral do autor e inventor. 

Em relação ao direito à integridade física, ao corpo, às partes separadas do corpo, ao cadáver e à voz, parece claro que incompatíveis com a natureza das pessoas jurídicas.   

Nos limites do presente artigo não nos deteremos no direito à existência e liberdade da pessoa jurídica, que são defendidos com base no princípio constitucional (art. 5º, II)  de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” e de que uma vez preenchidos os pressupostos legais não se pode obstacularizar  a existência da pessoa jurídica[26].   

Ao autor, interessa desenvolver o tema em relação aos citados direitos à honra objetiva (imagem para alguns), nome, marca e outros (direito à identificação), intimidade (segredo), e o direito moral de autor e inventor, por suas conexões com a Propriedade Intelectual.                 

 

IV – DIREITO À HONRA OBJETIVA (IMAGEM)  E   POSSIBILIDADE DE PESSOA JURÍDICA SOFRER DANO MORAL
 
Longa e cheia de percalços[27] foi a caminhada até que se chegasse à conclusão agora aceita pela doutrina majoritária e sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 227), de que a pessoa jurídica também pode sofrer dano moral.    

Encontramos a justificativa dessa posição no ápice do ordenamento nacional uma vez que a Constituição Federal de 1988, ao garantir o dano moral como um dos direitos e garantias individuais, não fez qualquer distinção entre pessoas físicas ou jurídicas em seu artigo 5º,V.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, X  vai ainda além e garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Novamente, não faz nenhuma distinção entre pessoas naturais e jurídicas, assegurando à ambas o direito de indenização por danos morais e materiais decorrentes da violação desses direitos.

A questão posta para a doutrina e enfrentada pelas decisões judiciais foi a de conceituar como se poderia adequar o dano moral às características da pessoa jurídica.    

A solução encontrada surgiu da diferenciação entre honra subjetiva e honra objetiva e que foi objeto de decisão do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que por sua clareza merece reprodução: 

“Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se dizer a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua” (STJ 4ª T, Resp. 60.033-2 RT 727/126, grifos nossos)          

A pessoa jurídica, portanto, mesmo que incapaz de sentir dor,  pode ser prejudicada em sua honra objetiva que se caracteriza pela sua reputação no mundo exterior, sua imagem no mercado. 

Outras decisões de tribunais e do STJ foram surgindo[28] e a matéria acabou por originar a Súmula 227  do STJ que reconhece que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Na seara da Propriedade Intelectual, temos que render as justas homenagens àqueles como Helio Fabbri Jr.[29] e Elisabeth Kasznar Fekete[30] que vislumbraram com pioneirismo a possibilidade de dano moral surgir de condutas lesivas à direitos de propriedade industrial.

Com efeito, ante o reconhecimento de que as infrações a marcas podem, em determinadas situações, “arranhar a imagem” de sua titular no mercado, a Lei de Propriedade Industrial 9279/96, em seu artigo 130 inciso III, expressamente assegura ao titular de registro de marca ou depositante o direito de zelar pela sua integridade material e reputação.  Atos de concorrência desleal, notadamente a divulgação ou publicação de informação falsa e/ou denigritória a respeito de concorrente também podem, em determinadas circunstâncias, gerar dano à honra objetiva da vítima.             

Cabe destacar  duas decisões que impõem o dever de indenizar pessoa jurídica por dano moral oriundo de violação a direitos de propriedade intelectual. O primeiro caso é de uma sentença, ainda sujeita a recurso, em ação ordinária, processo n° 23.282./99, que tramitou na 2ª Vara Cível de Paulista no Estado de Pernambuco  envolvendo a prática de concorrência desleal  pela utilização de embalagem semelhante ao do conhecido produto  da marca “LEITE DE ROSAS”.  O segundo caso envolve a marca “REEBOK” e a ementa da decisão da Apelação Civil 1999/ 001.02414 da lavra do Des. Jorge Luiz Habib da 18ª C.C do TJRJ, ainda não transitada em julgado segundo informação do sítio do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, deixa claro a condenação em danos morais pela violação da imagem (honra objetiva) da empresa como segue: 

 Ementa: PROPRIEDADE INDUSTRIAL CONTRAFACAO COMERCIALIZACAO OBRIGACAO DE INDENIZAR RESPONSABILIDADE OBJETIVA DANO MATERIAL DANO MORAL Apelação Cível. Ação Ordinária. Contrafação. Para a configuração da imitação, não importa ser o produto imitador copia servil do produto e de marca imitada, bastando a capacidade do produto gerar a confusão ao consumidor médio, induzindo-o em erro, face a forte identidade entre as características e qualidades do produto e da marca contrafator. A simples comercialização de produtos contrafeitos obriga a indenização da parte lesada, em danos materiais e imateriais, nestes compreendidos o da imagem, independente da prova de culpa do contrafator, sendo certo afirmar, que a existência do prejuízo causado pelo contrafator de marca notoriamente conhecida e presumida. Recurso principal desprovido. Recurso adesivo desprovido. 
Acórdão: ACORDAM os Desembargadores da 18a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a unanimidade, em negar provimento ao recurso principal e negar provimento ao recurso adesivo. (Apelação Cível n. 2414/99, publicada no DORJ-III/Sec. I, 10.06.1999, pág. 255)

 

V – DIREITO À IDENTIFICAÇÃO – NOME E MARCA
 
Os autores que defendem a possibilidade de a pessoa jurídica ser titular de direito da personalidade incluem o direito ao nome da pessoa jurídica.  

No âmbito do nosso trabalho usaremos a terminologia nome empresarial adotada pelo Novo Código Civil que o conceitua em seu artigo 1155 como a firma ou a denominação adotada para o exercício de empresa e que pode ser equiparado ao conceito de nome comercial que, segundo Gabriel F. Leonardos[31], seria o nome pelo qual o comerciante ou industrial, pessoa física ou jurídica, exerce o seu comércio ou indústria.  

É forçoso admitir que esta matéria é polêmica e que existem as mais diversas posições existentes sobre esse tema.  Pontes de Miranda[32]adota posição no sentido de que o direito ao nome empresarial seria um direito de personalidade não podendo ser considerado um direito de propriedade.

Realmente, o caráter inalienável de per se do nome empresarial é um dos elementos que dificultam sua adequação como um direito real.  Além disso, deve-se ter em mente que os direitos reais devem ser taxativamente dispostos em lei e não existe essa disposição em relação ao nome empresarial. A bem da verdade a Constituição Federal de 1988, utilizada por José Carlos Tinoco Soares[33] como base para a defesa de que o direito sobre o nome empresarial teria natureza de propriedade, prova justamente o contrário,  já que no artigo 5º, XXIX[34]  o termo propriedade é utilizado somente em referência às marcas. 

A defesa de José Carlos Tinoco Soares no mencionado artigo em relação à tese de propriedade prossegue com observações em relação ao direito romano, que não desenvolveu à plenitude a noção de direitos da personalidade. Segue sempre contrapondo os direitos reais aos pessoais (obrigacionais ou de crédito), não se ocupando dos direitos da personalidade.

Em socorro ao ilustre professor José Carlos Tinoco Soares pode-se dizer que esse equívoco foi cometido por vários outros autores a ponto de ter merecido a seguinte observação de Pontes de Miranda[35]:

“Uma das causas de erro, no tocante aos conceitos de bem incorpóreo e de direito real, está na reminiscência das dificuldades com que os juristas menos sensíveis à evolução técnica receberam as precisões do conceito de bem incorpóreo e a conceituação mesma dos direitos reais sobre bens incorpóreos. Hostis a conceito de bem incorpóreo que não fosse crédito, ficaram propensos, quando tiveram de admitir a propriedade intelectual e propriedade industrial, a não verem outros bens incorpóreos que aquele e esses. Hostis à compreensão dos direitos reais sobre bens incorpóreos, tornaram-se, após se terem de render à evidência, inclinados a apontar direitos reais onde quer que descobriram a existência de bens incorpóreos. Há bens incorpóreos que são créditos pessoais, bens incorpóreos que são objetos de direitos reais (criações intelectuais, criações industriais, sinais distintivos) e bens incorpóreos que não são créditos pessoais, nem objeto de direito reais. O bem da vida, da verdade, da integridade física ou psíquica, da honra, do nome, da liberdade, do segredo de fábrica ou de negócio e tantos outros. “ (grifos nossos)

Os atributos da personalidade como a honra, a vida e a liberdade podem ser considerados bens incorpóreos, mas são protegidos como direitos da personalidade que são direitos absolutos, como os direitos reais, em contraposição aos direitos obrigacionais (pessoais na terminologia de parte da doutrina) que são relativos.

Essa parece ser a posição de Paulo. Roberto Costa Figueiredo, que nos brindou com um excelente trabalho sobre a matéria[36] e que conclui da seguinte forma, após analisar a posição do ministro Eduardo Ribeiro, os ensinamentos de Clóvis Bevilácqua e de outros juristas: 

“Podemos, ao menos, concluir que definitivamente o direito ao nome empresarial, até porque sem autonomia, dentro da universalidade dos direitos da personalidade, de cunho absoluto, como sustentou Clóvis, não se tratando de propriedade. E aí desponta a genialidade de nosso civilista maior: vislumbrou o direito pessoal absoluto, a escapar das limitações do crédito pessoal no que tange o sujeito passivo. Os direitos da personalidade, personalidade que inclui o nome, portanto, são direitos pessoais no que inerem à personalidade, todavia exercitáveis erga omnes como direitos absolutos que são.”

Gama Cerqueira[37] adota uma solução engenhosa em relação ao nome empresarial enxergando duas funções diversas do nome empresarial, a subjetiva, que seria a função de designar o sujeito de direito ligando-se à personalidade de quem o usa e a objetiva que caracteriza e distingue a atividade comerciante no campo da concorrência comercial. A função subjetiva estaria fora do âmbito da propriedade industrial e a função objetiva no entendimento do insigne tratadista teria natureza de direito de propriedade.  Não nos parece que a solução adotada por Gama Cerqueira seja satisfatória, pois que, como  explicamos acima, o direito sobre o nome empresarial não pode ser enquadrado como propriedade.      

Já para Gabriel F. Leonardos[38] a resposta correta seria uma terceira opção (que não direito de personalidade ou de propriedade) conceituando o direito sobre o nome comercial como um direito pessoal, derivado da repressão à concorrência desleal. 

Segundo Gabriel F. Leonardos faltariam diversos atributos e elementos de direito de da propriedade e tampouco se trataria de uma projeção da personalidade do comerciante, tendo em vista que a proteção ao nome comercial tem fundamento exclusivamente utilitário, de proteção dos investimentos utilizados na formação da reputação e dos consumidores. Além disso, a natureza de direito de personalidade impediria a aplicação do princípio da especialidade ao nome comercial.

Concordamos com Gabriel F. Leonardos no tocante ao direito de propriedade, porém, não acreditamos que o fato de o nome empresarial da pessoa jurídica  ter cunho utilitário impeça que seja um atributo da personalidade da pessoa jurídica e, portanto, protegido como um direito de personalidade.

Como já dissemos, a proteção aos direitos da personalidade da pessoa jurídica deve se adequar aos contornos próprios dos entes morais,  tanto que em relação à honra da pessoa jurídica só se protege o  conceito que a empresa tem na sociedade, ligado à definição de reputação e que também tem, notadamente, cunho utilitário.

Além disso, o fato de os direitos da personalidade serem absolutos não impediria a adoção do princípio da especialidade na disciplina do nome empresarial, pois que o direito à marca como propriedade também é absoluto, mesmo assim, comporta o mesmo princípio da especialidade. Essa não deixa de ser uma particularidade necessária à adequação da marca, bem incorpóreo,  ao  conceito de propriedade, sendo justamente um dos motivos que levam  José Roberto d’Affonseca Gusmão[39] a caracterizar o direito sobre a marca como um direito de  propriedade com particularidades ou sui generis que se diferencia em vários aspectos do direito de propriedade pura e simples (tout court). 

Como vimos, o nome comercial também é um bem incorpóreo e sua aceitação como pertencente ao direito absoluto da personalidade comporta adequação análoga a que foi realizada para que  a marca pudesse se amoldar ao direito absoluto de propriedade.

Por fim, entendemos que a caracterização do direito ao nome empresarial como um direito de personalidade da pessoa jurídica não impede que as  regras contra concorrência desleal sejam aplicadas para coibir abusos praticados em relação ao nome comercial, muito pelo contrário, a coibição de atos de concorrência desleal tem um fundamento ético inegável que apenas potencializa a proteção ao nome comercial enquanto atributo da personalidade das pessoas jurídicas. 

Parafraseando Gama Cerqueira, encontramos no direito ao nome uma função subjetiva de identificação ligada aos direitos de personalidade e uma função objetiva protegida em função das normas que regulam a concorrência desleal.           

Em relação à marca, porém, não nos parece que exista direito de personalidade.  O direito sobre a marca é um direito de propriedade sobre um bem imaterial. A Constituição Federal de 1988 expressamente confirma esse entendimento em seu artigo 5º, inciso XXIX que determina que “a lei assegurará…, bem como proteção… à propriedade das marcas” princípio que foi  consagrado pela própria Lei de Propriedade Industrial  Lei n. 9279/96 que determina em seu artigo 129 que a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido. 

O desenvolvimento da doutrina até chegar ao entendimento de que bens imateriais também podem ser objeto de direito de propriedade já foi alvo de excelentes explanações por parte de Gama Cerqueira[40] e, mais modernamente, José Roberto d’Affonseca Gusmão[41], tendo aceitação pela doutrina majoritária atual de forma que o autor não pretende desenvolver a questão novamente.

Apesar de o direito sobre a marca não ser um direito de personalidade, podem ocorrer violações à reputação da marca que atinjam a honra objetiva da pessoa jurídica titular da marca causando um dano moral e o dever de reparação, como a divulgação de informação falsa acerca de produtos com determinada marca ou a publicidade comparativa com cunho depreciativo ou mesmo a venda de produtos de baixa qualidade contrafeitos, principalmente, em relação a marcas de alto renome.   O mesmo pode ocorrer com outros sinais ou elementos, tais como, expressões de propaganda e o conjunto imagem de produtos e estabelecimentos.     

 

VI – DIREITO À INTIMIDADE – SEGREDOS DE NEGÓCIO
 
A defesa da intimidade e vida privada é fundamental para o desenvolvimento das pessoas de forma que a Constituição Federal de 1988 elenca a proteção desses bens como um dos direitos e garantias fundamentais em seu artigo 5, incisos X e XII 

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Atualmente vivemos um momento crítico do direito à intimidade, já que a proliferação de inovações tecnológicas e a escalada da violência mundial têm contribuído para uma limitação forçada da esfera desse direito ao mesmo tempo em que a sociedade está cada vez mais ávida em exercer o voyeurismo e proliferam programas onde a exploração consensual da privacidade alheia é o estímulo principal.[42]         

A doutrina defensora dos direitos da personalidade da pessoa jurídica coloca ao lado do direito à honra objetiva e ao nome, o direito à intimidade (segredo)  como um atributo protegível da  personalidade dos entes morais.   O direito à intimidade se destinaria a resguardar a privacidade em seus aspectos pessoais, familiares e negociais, sendo nesse último caso extensível à pessoa jurídica.  Assim, para que a pessoa jurídica possa desenvolver suas potencialidades e atingir seus objetivos deve ter uma esfera privada que possa ser defendida da intromissão de terceiros.

O conceito de intimidade da pessoa jurídica é mais amplo do que de segredos de negócio e engloba o sigilo bancário, sigilo sobre sua escrituração comercial, de comunicações, entre outros. Tais direitos são oponíveis erga omnes, mas não são absolutos, de forma que cedem, por exemplo, ante ao direito do fisco ou de autoridades fiscalizarem os atos e escriturações das sociedades. Esse fato, porém, não deve ser tomado como particular à pessoa jurídica pois que mesmo em relação à pessoa humana os direitos da personalidade sofrem restrições como no caso das pessoas famosas que têm uma expectativa de proteção menor do que pessoas comuns, embora mantendo alguns aspectos tutelados de sua vida privada.

Na conceituação de Carlos Alberto Bittar[43] trata-se de direito, em que mais se exalça a vontade do titular, a cujo inteiro arbítrio queda a decisão sobre a divulgação.  A possibilidade de divulgação pela pessoa dos elementos de sua intimidade e vida privada não importa em disponibilidade do segredo e não é incompatível com a sua caracterização como direito de personalidade como defende Pontes de Miranda[44]: 

“Tem-se discutido e alguns juristas têm afirmado a disponibilidade do direito ao segredo, porque se pode dar o consentimento para a exposição ou publicação. A questão, de si só, revela quão fracos eram os alicerces em que tais juristas erguiam as suas construções. O sigilo provém de exercício de direito à liberdade, e todos sabemos que alguns direitos se exercem por meio de negócios jurídicos formativos ora por atos jurídicos strictu sensu, podendo ser tácita, ou presumida, a declaração da vontade, ou por tácitos ou presumidos os atos fatos jurídicos. A inércia volitiva, que mantém o segredo, pode cessar, se cessa, a sigilação só existiu até esse momento, a proibição de não divulgar, ou não devassar termina; o suporte fático, a que se pré-exclui o elemento vedativo, expresso, tácito, ou presumido, não mais entra no mundo jurídico como fato jurídico de que irradie o direito ao sigilo.  Falar-se de renúncia ao direito ao sigilo, entender-se-ia, se melhor não traduzisse  o que se passa a pré-exclusão do elemento de suporte fáctico. Falar-se de disposição é absurdo. (e.g. V. Manzini, Trattato di Diritto Penale, VIII, 762. A de Cupis, I Diritti della personalità, 130)”         

Assim, está na esfera da própria pessoa a liberdade de decidir não manter determinado fato em segredo, mas não se pode renunciar ao direito (ou liberdade)   de decidir o que manter em segredo e o que divulgar. 

Esse é o sentido do direito à privacidade no direito norte-americano conforme delimitado naquele que é tido como o mais famoso artigo sobre esse tema nos Estados Unidos publicado na Harvard Law Reviewem 1890 por Luis D. Brandeis, que se tornaria ministro da Corte Suprema dos EUA e Samuel d. Warren[45], seu sócio em um escritório de advocacia:

“The common law secures to each individual the right of determining, ordinarily, to what extent his thoughts, sentiments and emotions shall be communicated to others”[46]    

A caracterização dos segredos de negócios como um direito de personalidade não é sem problemas e não tem aceitação unânime pela doutrina.

Antes de entrar nessa discussão, deixemos assentado que o termo segredo de negócios compreende as informações passíveis de serem utilizadas em todas as atividades empresariais e que podem gerar uma vantagem para seus detentores, especialmente por seu conteúdo sigiloso, que não necessita ser absoluto.  Nessa noção está compreendido tanto o que se costumava diferenciar como segredo de indústria como segredo de comércio.

A lei de propriedade Industrial não define expressamente o que sejam segredos de negócio, mas podemos verificar alguns elementos nas normas que proíbem a concorrência desleal, especialmente o item XI do artigo 195, que dispõe sobre a proteção de “conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto”.

O requisito de que as informações não sejam “evidentes para um técnico no assunto” é sujeito a críticas, já que na esfera tecnológica se reconhece que mesmo conhecimentos que não atendam aos requisitos de patenteabilidade podem ser protegidos.  Teria sido preferível que a lei tivesse adotado uma conceituação mais próxima do acordo do TRIPS que exige apenas em seu artigo 39 que a informação não seja facilmente acessível a pessoas que normalmente lidem com o tipo de informação em jogo e foi inspirada na definição adotada pelo Uniform Trade Secrets Act norte-americano de 1979.[47]

É importante entender que o segredo de negócio tem uma relevante limitação já que não impede que terceiros venham a desenvolver, desde que autonomamente e sem violação a esfera privada do titular do segredo, o mesmo conhecimento ou tecnologia.   

Definidos os contornos do segredo de negócio, passemos a analisar a possibilidade de serem incluídos e protegidos como parte da esfera da intimidade da pessoa jurídica.

Como dissemos antes, a questão não é pacífica, tem-se, por exemplo, que nos Estados Unidos a Suprema Corte Americana já se pronunciou a respeito do assunto caracterizando o segredo de negócio como um direito de propriedade na decisão do caso Ruckelsahaus vs. Monsanto Co. 467 US 986, 1002, 104 S.Ct. 2862, 81 L.Ed. 2d 815 (1984)  que envolvia uma lei determinando a divulgação de uma formula secreta e que foi considerada como uma forma inconstitucional de desapropriação[48]. 

No Brasil, o enquadramento do segredo de negócio como um direito real não é aceito pela doutrina uma vez que não existe disposição legal expressa a esse respeito e os direitos reais devem ser numero clauso.  A esse respeito tem-se a posição de José Antonio B. L Faria Correa[49]: 

“Bem incorpóreo, de sua posse decorre direito de eficácia erga omnes , ainda que seu titular não desfrute das ações dominicais, já que a lei brasileira não deu ao conhecimento secreto o status de direito real. De direito real só se pode cogitar, no direito pátrio, na medida em que a lei assim o diga expressamente, pelo princípio do numero clauso, como o fez, e.g no tocante às marcas e as invenções patenteáveis, que uma vez registradas e patenteadas, passam a ser objeto de propriedade.”    

Partilham do mesmo entendimento, entre outros, Pontes de Miranda[50], Gabriel F. Leonardos[51] , João Marcos Silveira[52], os dois últimos vislumbrando o segredo de negócio como um bem imaterial protegido pelas normas de repressão à concorrência desleal.  

João Marcos Silveira, no artigo mencionado, subscreve a posição de Antonio Gomez Segade[53] para o qual dois argumentos afastariam a possibilidade do segredo de negócio ser considerado um direito de personalidade: primeiro porque a violação de um segredo industrial não prejudica a personalidade do empresário, mas sim o que ele possui; segundo, porque o segredo de negócio pode ser objeto de negócios jurídicos, ao passo que os direitos de personalidade, de caráter personalíssimo, são intransferíveis.

Ousamos divergir, já que vislumbramos a necessidade de proteção de uma esfera de privacidade essencial para que as pessoas jurídicas possam desenvolver sua personalidade  e que deve ser livre da intromissão de terceiros  mas que  é perfeitamente compatível com a noção de que o objeto coberto pelo segredo de negócio, ou seja, a técnica ou conhecimento pode ser um bem intelectual com valor no mercado.

Igualmente não concordamos com a assertiva de que o fato de o segredo de negócio ser objeto de negócios jurídicos impediria sua caracterização como direito de personalidade.  Como já dito acima e na esteira da lição de Pontes de Miranda, está na esfera da própria pessoa a liberdade de decidir comunicar determinado fato, mas não se pode renunciar ao direito (ou liberdade) de decidir o que manter em segredo e o que divulgar. O que está sendo objeto de negócio jurídico é apenas o conhecimento amparado pelo segredo e nunca a liberdade de decidir o que divulgar,  que se mantêm de posse da empresa divulgadora do conhecimento. 

Após exercida sua liberdade de divulgar o segredo, o titular originário do conhecimento  terá o dever implícito de não divulgar o conhecimento objeto do segredo de negócio para outros, sob pena de indenizar o cessionário em decorrência do prejuízo patrimonial que causar pela perda do valor do conhecimento divulgado. O que estará em jogo nessa segunda etapa são apenas direitos obrigacionais de cunho patrimonial. 

Além disso, o mesmo que dissemos a respeito do nome comercial cabe a respeito do segredo de negócio, ou seja, não encontramos incompatibilidade entre a esfera de proteção do segredo de negócio enquanto direito de personalidade da pessoa jurídica e com base na concorrência desleal.

A crítica daqueles que como Tullio Ascarelli [54],  não enxergam no segredo de negócio um direito absoluto pois que seu titular não poderia impedir o uso do conhecimento por aqueles que o tiverem adquirido de forma autônoma ou de boa fé também não nos parece correta.  O que se protege erga omnes pelo direito de personalidade é a esfera da intimidade da pessoa jurídica e não a técnica ou conhecimento que está sendo utilizada em segredo.  Assim, aqueles que desenvolverem técnicas semelhantes sem invasão da esfera de privacidade da empresa não cometem nenhum ilícito e podem, inclusive, respeitados os demais requisitos, vir a obter proteção patentária. De outro lado, qualquer um que invadir a esfera da intimidade da pessoa jurídica estará infringindo o seu direito de personalidade.         

A possibilidade de proteção do segredo de negócio como decorrência de um direito à intimidade também é defendida por José Antonio B. L. Faria Correa[55] para quem a posse de um segredo de negócios origina uma série de direitos:

“A posse de um segredo sobre processo industrial novo ou informações estratégicas que, como se viu retro, podem consistir em lista de clientes e fornecedores, dá nascimento a uma panóplia de direitos e pretensões. Há, primeiramente, direitos de personalidade, consistentes em velar pela intimidade, alinhados dentre os direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República. O direito à intimidade inscreve-se dentre as grandes realizações do processo civilizatório. Traduz o reconhecimento da dignidade e intocabilidade da pessoa humana, o respeito pelo silêncio sobre o que o homem faz, em sua vida privada, e o afastamento do conceito primitivo de comunicação reinante na horda, conceito que os regimes totalitários, notadamente de acento stalinista, adotaram, vendo na pessoa humana nada mais do que um simples elo em uma longa cadeia de membros de uma comunidade a serviço de um quimérico Estado que, na realidade, se reduzia a um grupo dominante.  O direito à intimidade, exprime-se não só pelo respeito aos segredos de negócio como, também, pela proteção ao sigilo epistolar ao sigilo bancário, ao sigilo profissional, etc. matéria que foge porém aos limites traçados por este artigo”.     

Merece também destaque a posição de Elizabeth Kaznar Fekete[56] que também percebe a existência de um direito à intimidade da pessoa jurídica, com tecitura diversa do direito da pessoa física, mas igualmente justificador de proteção sob pena de se fragilizar a pessoa jurídica perante o mercado. Para Elizabeth, a violação do direito ao segredo de negócio da pessoa jurídica geraria o dever de indenização por dano moral. 

A possibilidade de se proteger a intimidade das pessoas jurídicas como um direito de personalidade é defendida por vários autores tal como Carlos Alberto Bittar[57], como segue:

“Desse direito desfruta também a pessoa jurídica, que, a par do segredo, faz jus à preservação de sua vida interna, vedando-se, pois, a divulgação de informações de âmbito restrito. Há, inclusive, normas legais que proíbem a difusão de dados de cunho confidencial na empresa (assim no âmbito societário, no plano da publicidade; das comunicações). Mas, de outro lado, por exigências do mercado, ficam certas empresas obrigadas a divulgar informações (as companhias abertas), integrando-se, aliás, em mecanismos regulamentares próprios de fluxos de dados, sob controle estatal.”

       A defesa de um direito de intimidade das pessoas jurídicas encontra esteio também nas lições de Elimar Szaniawski[58] que propõe o conceito de direito a intimidade genérico englobando o direito ao resguardo e ao segredo e defende que as pessoas jurídicas também necessitam para sobreviver de uma esfera privada que impossibilite a aproximação indesejada.      

Ainda no mesmo sentido Edson Ferreira da Silva que, em seu livro Direito à intimidade, assim aborda a questão[59]: 

“Também em relação aos entes coletivos existe um interesse legítimo, que deve ser tutelado pelo direito, no tocante à preservação de fatos e ocorrências de natureza privada, como com respeito às estratégias de atuação da companhia no mercado, ao lançamento de um novo produto, ao desenvolvimento de novas tecnologias para superar a concorrência.”

Por fim, cabe anotar a posição de José Paulo. da Costa Jr[60] que, apesar de entender que a pessoa jurídica pode vir a ser tutelada em matéria de segredo, não consegue individuar uma vida privada da pessoa jurídica que não seja a soma das vidas privadas de seus vários componentes.

Entendemos que existe um direito à intimidade da pessoa jurídica como ente moral e que é distinto do das pessoas naturais que à compõe e, nesse ponto, acompanhamos Elimar Szaniawski[61], Edson Ferreira da Silva[62] e Rui Stocco[63] que,  em seu Tratado de Responsabilidade Civil, assim comentou essa questão:

“Não se pode deslembrar que a pessoa jurídica é detentora de personalidade e imagem próprias. Tem sua própria identidade, que não se confunde com a dos sócios dela integrantes”. 

Por essa razão não há como afirmar que a vida privada da pessoa jurídica seja a soma das diversas vidas privadas de seus vários componentes. Não se pode confundir a pessoa jurídica da pessoa física de seu sócio ou sócios.  Assume identidade peculiar e projeta imagem distinta da dos seus componentes.

O ingresso nas questões interna corporis da sociedade constitui agressão à sua intimidade e não dos sócios. “(grifos nossos)

Como dissemos antes, o direito reconhece à pessoa jurídica uma personalidade e capacidade próprias para ser sujeito de direitos em vista do atendimento de seus objetivos sociais e, em contrapartida, tutela os atributos dessa personalidade de forma independente das pessoas naturais que a compõe.  

 

VII – DIREITO MORAL DE AUTOR E DE INVENTOR
As invenções, modelos de utilidade e desenhos industriais visam a atender a fins utilitários e práticos enquanto as obras literárias, científicas e artísticas têm finalidade estética e de aperfeiçoamento cultural. Nos dois casos, porém, a criação intelectual é o objeto comum do qual resulta a proteção.

Aos autores e inventores é reservado um direito moral sobre suas criações decorrente do vínculo existente entre o criador e a obra que é caracterizada pela maioria da doutrina como uma emanação da personalidade do criador[64].

Embora esteja presente tanto nas criações industriais como nas obras literárias, científicas e artísticas o delineamento desse direito teve maior desenvolvimento na doutrina em relação a estas últimas.

O direito moral resulta da exposição da personalidade do autor na obra e segue a obra mesmo após a expiração dos direitos patrimoniais. Esse fenômeno é explicado por Piola Caseli, conforme citado por José Carlos Costa Netto[65], nos seguintes termos:

“Se a personalidade do autor acompanha o exercício do direito de autor, é a qualidade da obra, diferentemente de um bem patrimonial comum, que é representativa da personalidade do autor na sociedade. O autor, como tanto já se escreveu, vive na obra. Tendo em vista que a sociedade identifica a natureza e o valor da obra com o dom pessoal e o mérito do autor, suapersonalidade tanto se engrandecerá em decorrência da obra, como, ao contrário, poderá ser, por esta, diminuída ou obscurecida.”

Diverge da maioria, José de Oliveira Ascensão, que, além de considerar o termo direito moral um equívoco de tradução preferindo a expressão direito pessoal, não entende que os direitos pessoais seriam direitos de personalidade pelo fato de que, sendo a obra exterior ao autor, não pode ser uma qualidade deste[66]. 

Parece-nos que a posição desse notável autoralista português não procede nesse caso específico, já que a caracterização como direito da personalidade decorre do vínculo entre o criador e a obra que nela reflete a individualidade da pessoa do criador.  Mesmo sendo a obra exterior ao criador, tal como o nome é em relação à pessoa, tem a marca da subjetividade daquele de forma que suas vicissitudes repercutem na pessoa do criador, para o bem ou para o mal, e em defesa desse vínculo deve ser atribuído ao criador o direito de velar pela integridade e ter seu nome ligado à obra, dentre outros direitos.

O artigo 25 da Lei 9609/98 elenca os seguintes direitos morais do autor

Art. 24. São direitos morais do autor:

I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III – o de conservar a obra inédita;

IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Outros existem, já que a listagem não é taxativa, sendo que Bruno Hammes[67] destaca, “o direito de seqüência, interpretação favorável ao autor, faculdade de examinar a escrituração, direito de corrigir as edições sucessivas, o direito de corrigir as edições sucessivas, o direito de repudiar a paternidade de obra arquitetônica alterada, o direito de opor-se ao espetáculo mal-ensaiado e respectiva fiscalização; a incomunicabilidade do direito de autor ao cônjuge.”

Para as finalidades do presente artigo, basta notar que as faculdades morais decorrentes do direito de personalidade de autor integram ao lado dos direitos patrimoniais, em uma unidade incindível, o conteúdo do direito de autor e do inventor, não cabendo, aqui, uma análise mais detalhada do intrigante debate entre as mais diversas teorias que procuraram explicar a natureza jurídica desses direitos[68]. 

A questão que devemos enfrentar é se caberiam às pessoas jurídicas direitos morais de personalidade de autor ou inventor, conforme indicado pelos diversos autores que defendem a possibilidade da pessoa jurídica ser titular de direitos de personalidade.

Em relação a Lei 9610/98 essa atribuição encontra um difícil obstáculo consubstanciado no artigo 11, que determina que autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica[69].    

Trata-se de mais um percalço na delimitação do direito da personalidade das pessoas jurídicas e que deve ser superado pela interpretação do operador do direito tal como feito em relação ao nome, à honra e a intimidade dos entes morais.

No âmbito dessa questão está o reconhecimento de que, na maioria das obras postas em circulação hodiernamente, a dinâmica do processo de criação, suas motivações e finalidades são muito diversos daqueles existentes nos séculos passados, quando a maioria das obras ainda era oriunda de um esforço individual do artista em seu ateliê.

A indústria da informação e do entretenimento ocupa um papel importante na sociedade e os produtos dessas empresas, especificamente, as obras coletivas, como, em alguma situações,  os filmes, websites,  jogos, software,  reclamam um tratamento diferenciado e compatível com a natureza de sua gênese. 

Portanto, e sendo a pessoa jurídica uma realidade atuante no mundo moderno, reconhecida pelo direito, sujeito de direitos e obrigações, geradora de riqueza e fundamental para a satisfação das mais diversas necessidades humanas tendo, inclusive, responsabilidade penal distinta da de seus sócios no âmbito ambiental[70], não vemos por que não poderia ser reconhecida como verdadeira criadora ou titular originária em situações determinadas.

Tal atribuição é devida notadamente no âmbito da chamada obra coletiva, onde a pessoa jurídica detém a iniciativa, organização e responsabilidade pela obra que se  realiza mediante atuação de seus dirigentes ou prepostos que,  nesta qualidade, dirigem e intervêm no processo criador. Esse processo criador é integrado pela participação de diferentes autores cujas contribuições se fundem numa criação autônoma sendo que, ao final, a obra será publicada sob o nome da pessoa jurídica.

A esse respeito escreve Carlos Alberto Bittar[71]:

“É que, nesse caso, (obra coletiva) verdadeiramente criativo e intelectual é o trabalho do dirigente, reduzindo-se, quase sempre, os elaboradores a executores de suas instruções, ou a realizadores materiais da obra por aquele concebida e coordenada. Em isso acontecendo, os direitos pertencem somente ao encomendante, recebendo os assalariados a remuneração ajustada. E mais, essa concepção justifica duas posições básicas na estruturação do Direito de Autor, a saber, a) a de que a pessoa jurídica pode ser titular de direitos autorais, a exemplo, aliás, de qualquer outro direito privado, não encontrando apoio algum a orientação existente em certos setores que o negam; e b) a de que, na obra coletiva, e pelo próprio fenômeno da criação, que, no caso, é do encomendante (empresa que dirige e remunera os elaboradores), os direitos pertencem, originariamente, ao coordenador, tanto no âmbito moral, como patrimonial (a nossa lei é, como frisamos, expressa a esse respeito: art. 5, VIII, h).  

Para tanto é necessária a reunião dos seguintes elementos: direção e coordenação do encomendante; trabalho intelectual remunerado de vários elaboradores, que produzem em equipe (assalariados, exatamente para criar); fusão dos respectivos esforços na obra final encomendada (filme, software, novela, texto, música, reclame publicitário). Desse modo, se, no conjunto das elaborações, se puder destacar qualquer contribuição autônoma, os direitos próprios pertencerão ao respectivo titular, sem prejuízo dos direitos sobre o conjunto.”

Tal como em relação ao direito da intimidade onde defendemos a existência de um direito da pessoa jurídica que não se iguala à soma das vidas privadas de seus sócios ou colaboradores, defendemos a necessidade de reconhecimento dos direitos morais de criador da pessoa jurídica, desvinculados das pessoas físicas que a compõe.

A obra coletiva realizada refletirá também de certa forma a personalidade da pessoa jurídica que  tem o direito de paternidade e de ver seu nome ligado à obra e a impedir que sua reputação seja atingida pela violação da integridade da obra. Na esfera da liberdade da pessoa jurídica deve estar também a decisão de publicar ou não a obra. 

Não estamos dizendo com isso que não se deva respeitar os direitos dos autores pessoas físicas em relação às suas participações que possam ser utilizadas separadamente do conjunto da obra e desde que não prejudiquem a exploração econômica da obra final. 

Também não estamos admitindo direitos somente pelo fato da encomenda ou da remuneração de per se, mas exigindo um envolvimento dos integrantes da pessoa jurídica no processo criativo bem como o seu poder de decisão sobre o conteúdo final da obra.  Podem existir também casos de co-autoria onde as regras da lei para a exploração da obra devem ser respeitadas.

Entretanto, admitimos que, nas circunstâncias delineadas acima, deve ser concedido à pessoa jurídica a proteção dos direitos de personalidade do criador, com base, inclusive no próprio parágrafo único do artigo 11 da Lei de Direitos Autorais que determina que a proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos naquela lei.

Tal reconhecimento, inclusive, se mostraria mais apto a regular as criações modernas no âmbito empresarial tal como os websites que, atendidas as qualificações da lei, podem ser compreendidos como obras coletivas.  Nesse caso, como demonstrado por Manuel J. Pereira dos Santos[72]: 

“A problemática é altamente relevante porque o website é uma obra em constante evolução, é uma construção dinâmica, em geral encomendada pela empresa que deseja ocupar um espaço virtual. A grande preocupação é com o impacto do direito moral de autor face à necessidade de alterações posteriores para a adaptação e aperfeiçoamento da criação original.”

Além do abrandamento dos direitos morais das pessoas físicas no caso do website não ter sido criado como uma obra coletiva, entendemos que o reconhecimento da necessidade de proteção do direito moral da personalidade da pessoa jurídica como criadora ou titular originária no caso da obra coletiva pode solucionar esse problema.

Essa possibilidade nos países latinos foi reconhecida inclusive por José de Oliveira Ascensão, nos seguintes termos:

“Outra não é a visão nos países latinos, e há que tirar todas as conseqüências da opção feita. A empresa é o verdadeiro titular do direito de autor. É titular originário: é ficcioso pretender uma transferência de direitos, dos criadores intelectuais para essa empresa. A obra coletiva é uma unidade e sobre essa só há o direito de autor da empresa, embora a empresa não seja um criador intelectual.”

Entretanto as considerações de José Oliveira Ascensão sobre esse assunto devem ser entendidas no contexto de seu pensamento já que esse autor não entende que as pessoas jurídicas podem ser titulares de direitos de personalidade e assim enxerga apenas um caráter patrimonial no exercício dos poderes atribuídos à  pessoa jurídica enquanto titular originária da obra[73] :     

 “IV – O titular originário que não for o criador intelectual não tem o direito pessoal de autor. Não tem o direito à integridade, como vimos, pois sua honra ou reputação não estão em causa. Não tem o direito de retirada. Pode exercer os poderes correspondentes ao direito ao inédito, de modificação, ao nome e à paternidade. Mas supomos que nesses casos se trata de meros poderes patrimoniais. Não há direito ao inédito, mas o poder patrimonial de divulgar a obra. Pode fazer as modificações que entender, mas como exercício de direito patrimonial. Indica o seu nome como autor e pode exigir  de terceiros a menção da designação, bem como reivindicar a paternidade da obra.  Só aqui poderíamos encontrar algo que restasse, como faculdades pessoais. Poderiam caber mesmo a pessoa coletiva. Mas pensamos que não basta este direito a que a obra figure em nome do titular para que se fale num direito pessoal de autor. São faculdades desgarradas, como as que cabem ao inventor que não recebeu a patente, em não há que falar num direito pessoal do inventor.    

Nesse ponto surgem as divergências com a nossa posição.  Se à pessoa jurídica já foi reconhecido depois de muita luta a possibilidade de sofrer danos morais em decorrência da violação da sua honra objetiva, não vemos por que não se possa sustentar que existam poderes morais de criador que possam ser atribuídos à pessoa jurídica para a defesa de sua personalidade quando em jogo uma obra coletiva criada sob seus auspícios e controle e publicada sob seu nome. Muitas vezes a iniciativa da obra é da pessoa jurídica e sem esta a obra não existiria.    

O direito ao inédito e à integridade existirão. Vejamos, por exemplo, o caso de um livro na área jurídica desenvolvido como obra coletiva nas condições a que aludimos acima onde existe uma obra diferente da soma das participações individuais e que deverá ser  publicado sob o nome de uma sociedade de advogados.  Imaginemos que antes de o livro ser considerado pronto pelos integrantes da sociedade seja publicado por terceiros. Houve a invasão da esfera privada da sociedade. Imaginemos que tenha sido publicado com alterações de seu conteúdo. Esse fato pode até repercutir na reputação, conceito que a sociedade faz daquela banca, e, portanto, causar danos morais à pessoa jurídica.  Por fim, o terceiro publica o livro sem indicar a paternidade. Vemos também a necessidade de proteção desse atributo da personalidade da pessoa jurídica enquanto criadora.

A obra coletiva está ligada à personalidade daquela pessoa jurídica e esse vínculo deve ser preservado pois suas vicissitudes repercutem, para o bem ou para o mal, na esfera da pessoa jurídica.  

Isto não quer dizer que os direitos de personalidade da pessoa jurídica devam ter idêntica configuração e proteção daquela conferida à pessoa física, mas para aqueles que tiveram a paciência de acompanhar o trabalho do autor até o presente momento, essa observação já deve ter ficado clara.       

Assim, a menção à reputação ou honra, presente no direito de integridade e de retirada, deve ser ajustada ao conceito de honra objetiva já que é claro que a pessoa jurídica não é capaz de sentir dor. 

As observações acima podem ser aplicadas também em relação às invenções quando o processo de criação ocorra em circunstâncias análogas ao da obra coletiva. As mesmas restrições ocorrem nessa seara também não bastando à condição de empregado ou a remuneração podendo haver casos em que apenas os direitos patrimoniais sejam originalmente da pessoa jurídica.        

Aliás, no contexto moderno as invenções são cada vez mais resultado de uma atividade de equipe e não resultado de um esforço individual. Quando a empresa efetivamente dirigir e participar desses esforços criativos da equipe e houver uma invenção final distinta da soma do resultado das participações individuais, vislumbramos a possibilidade de surgirem direitos de personalidade de criador que devem ser investidos na empresa.         

 

VIII – NOVO CÓDIGO CIVIL
 
Examinados os contornos dos direitos da personalidade, a possibilidade de a pessoa jurídica ser titular desses direitos e os direitos de personalidade que se adequariam à natureza da pessoa jurídica, resta-nos, ainda, analisar os direitos da personalidade tais como disciplinados pelo Novo Código Civil em seus artigos 11 à 21 sob a luz do citado artigo 52 que dispõe que se aplicam à pessoa jurídica, no que couber,  as disposições sobre a proteção dos direitos da personalidade.

Conforme já tivemos oportunidade de esclarecer, o Novo Código Civil em seu artigo 11 faz menção apenas à irrenunciabilidade e intransmissibiliade dos direitos de personalidade, deixando de lado outras características desses direitos, dispondo ainda que o exercício desses direitos não pode sofrer limitação voluntária.

A tutela dos direitos da personalidade foi explicitada admitindo o Novo Código Civil a possibilidade de se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito de personalidade, bem como assegura o direito as perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Atendidos os demais pressupostos da lei adjetiva, o titular de um direito de personalidade pode fazer uso de medidas cautelares para cessar a ameaça ou lesão ao seu direito. As ações de abstenção cominadas com pedido de indenização também são instrumentos de que os titulares de direitos de personalidade podem lançar mão para defender seus direitos.           

No âmbito do presente trabalho, vale assinalar o artigo 17, que proíbe o uso do nome de pessoa em publicações ou representações que a exponha ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. Aqui se protege a honra objetiva da pessoa e, portanto, pode ser aplicado à pessoa jurídica. Tal artigo pode ser usado para reprimir condutas desleais tal como publicidade comparativa  ou diluição através da maculação[74] de um nome ou,  a fortiori  de marca ou outros sinais identificadores da empresa ou seus produtos. 

Nessa mesma seara da publicidade comparativa, vemos que o Novo Código Civil traz mais munição para os que defendem a proibição de uso de nome e marca de terceiro em propaganda comercial já que o artigo 18 é cristalino nesse sentido: 

Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. 

Note-se que a proibição é expressa e não contém restrição de forma que, mesmo que sem qualquer conteúdo difamatório, o uso desautorizado de nome ou outros signos identificadores em publicidade é vedado.

O artigo 19, que protege o pseudônimo, pode também ser usado pela pessoa jurídica para proteger o nome pelo qual for conhecida pelo público quando este for diferente de seu nome empresarial.

Aceitando-se a equiparação do conjunto-imagem do estabelecimento da  pessoa jurídica  à noção de imagem física da pessoa natural,  o artigo 20 proibiria o seu uso caso atentatório à  honra  objetiva da pessoa jurídica  ou se destinar a fins comerciais e nessa última hipótese, tal como no artigo 18, não se requer qualquer conteúdo difamatório. 

O artigo 20, ao referir a escritos, também pode ser utilizado para resguardar os direitos morais de personalidade da pessoa jurídica quando sua divulgação ofender sua honra objetiva ou for realizada com finalidade comercial.

Por último, o artigo 21 pode ser aplicado à proteção da intimidade da pessoa jurídica, incluindo-se aí, como vimos, os segredos de negócio, onde há premência na obtenção de medida liminar, sob o risco de perecimento do direito.      

         

CONCLUSÃO
 
Acreditamos ter mostrado que a pessoa jurídica pode ser tutelada em relação aos atributos de sua personalidade e que essa proteção tem reflexos importantes no campo da Propriedade Intelectual. Reconhecemos que se trata de matéria polêmica e não temos a pretensão de esgotar o assunto em todos os seus nuances no âmbito desse modesto artigo.   

O Novo Código Civil abre mais um capítulo na discussão dos direitos da personalidade da pessoa jurídica no ordenamento jurídico nacional e causa reflexos vários no campo da propriedade intelectual com a possibilidade de danos morais devidos pela infração desses direitos, a disciplina rígida do direito sobre o uso de nome em publicidade comercial e a proteção aos segredos de negócio.

Permanecemos agora, como bem disse Paulo. Roberto Costa Figueiredo[75], ansiosos pelos comentários e sugestões dos colegas, temendo, por natural, a denúncia de alguma impropriedade, mas que nos propiciará o aprendizado e correção de rumo. 



[1] Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, Tomo VII, Editor Borsoi, pág. 6

[2] A respeito dos direitos da personalidade tem-se, dentre outros, Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, Tomo 7,Editora Bookseller;  R. Limongi França, “Manual de Direito Civil”, v.1, livro III,  2ªEdição, Editora Revista dos Tribunais; Fabio Maria de Mattia, “Direitos da Personalidade: aspectos gerais”,  Revista Forense, vol. 262, Abril/junho 1978, págs. 79/88; Carlos Alberto Bittar, “Os direitos da personalidade”, Rio de Janeiro, 4ª  Edição, Forense, 2000; Adriano de Cupis, “Os direitos da personalidade”, Lisboa, Livraria  Morais, 1961; Hermano Durval, “Direito à Imagem”, Editora Saraiva, 1988; Edson Ferreira da Silva, “Direitos da Personalidade, os direitos da personalidade são inatos?”, RT, 694:21 e “Direito à intimidade”, Editora Oliveira Mendes; Gilberto Haddad Japur, “Liberdade de Pensamento e direito à vida privada”, São Paulo., Revista dos Tribunais, 2000; J. Oliveira Ascensão, “Os direitos da Personalidade no Código Civil Brasileiro”, Revista Forense vol. 342, págs. 121-131; Rui Stoco, “Tratado de Responsabilidade Civil”, Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, 2001; Ivana Bonesi Rodrigues, “Responsabilidade civil por danos causados aos direitos da personalidade”, Revista de Direito Privado, n.9, págs. 119-141, jan/mar 2002; Caio Mário da Silva Pereira, “Direito Civil alguns aspectos de sua evolução”, capítulo 1,  Editora Forense, 2001; Gustavo Tepedino, “Temas de Direito Civil”, págs. 23-55, 2ª Edição, Editora Renovar, 2001.

[3]  Carlos Alberto Bittar, “Os direitos da Personalidade”, 4ª. Edição, Ed. Forense, pág.1. 

[4] Fabio Maria de Mattia rebate de forma incontestável aqueles que os considerariam direitos sobre a própria pessoa em seu artigo “Direitos da Personalidade: aspectos gerais”, Revista Forense, vol. 262, Abril 1978 pág. 82, com o que se alia a Pontes de Miranda que, em seu monumental “Tratado de Direito Privado”, v. 7, Editor Borsoi, pág. 13, observa  “O direito de personalidade como tal não é o direito sobre a própria pessoa, é o direito que se irradia do fato jurídico da personalidade”.             

[5]  Sobre a origem e evolução do conceito de direitos da personalidade escreveu Gilberto Haddad Japur em seu livro “Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada”, Editora Revista dos Tribunais, Capítulo 2, págs. 32/40. 

[6] ver J.M. Leoni Lopes de Oliveira, “Teoria Geral do Direito Civil”, v.2, 3ª. Edição, Editora Lumen Júris, pág. 172.     

[7] ver Carlos Alberto Bittar, obr. cit., págs. 22/31. 

[8] San Tiago Dantas, “Programa de Direito Civil”, I, Ed. Rio (ed. Histórica), pág. 192.

[9] O autor prefere a expressão “direitos obrigacionais” a “direitos pessoais” utilizada na doutrina civilista tradicional na esteira dos ensinamentos de Caio Mario da Silva Pereira que assim a critica “A designação (direitos pessoais) é, contudo, imprópria, pois todo direito é pessoal, no sentido de exprimir uma faculdade atribuída à pessoa de seu titular” em “Instituições de Direito Civil”, vol. 1, 18ª. Ed., Editora Forense, pág.31.   

[10] obr. cit., pág. 30.

[11] ver Maria Helena Diniz, “Curso de Direito Civil Brasileiro –  Teoria Geral do Direito Civil”, 1. vol,  Editora Saraiva;  J.M Leoni Lopes de Oliveira, obr. cit. pág. 180; Carlos Alberto Bittar, obr. cit., pág. 11, Gilberto Haddad Japur, obr. cit. págs 41/74, defendendo, com absoluta razão, a sua escolha pelo termo erga omnes, ao invés de absolutos.  

[12] obr. cit., pág. 46.

[13]  Rubens Limongi França “Manual de Direito Civil”, vol. I, 3ª edição, Editora RT, pág. 411.

[14] obr. cit., pág. 17.

[15] A respeito do tema específico dos direitos da personalidade da pessoa jurídica recomendamos a leitura da monografia de Alexandre Ferreira de Assumpção Alves “A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade”, Editora Renovar; os artigos de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, “Direitos da Personalidade e Pessoa Jurídica”, publicado em Lex  Jurisprudência dos Tribunais de Alçada Civil de São Paulo., v. 168, março e abril de 1998,  e de Elimar Szaniawski, “Considerações sobre o direito à intimidade das pessoas jurídicas”, RT 657, julho 1990, págs 25-31. 

[16]  Sobre as diversas teorias vide J. M. Leoni Lopes de Oliveira “Direito Civil – Introdução do Direito Civil”, volume 2, págs 268/279,  3ª Edição, Editora Lumen Juris, 2001. 

[17] Savigny, “Traité de droit romain”.

[18] Hauriou, “Précis de droit constitutionnel”, 2ª Edição, 1929.

[19] obr. cit., pág. 207.

[20]. Pietro Perlingieri, “Perfis do Direito Civil, Introdução ao Direito Civil Constitucional”, 2ª. Edição, Editora Renovar, pág. 157.

[21] Gustavo Tepedino, “A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Constitucional Brasileiro – Temas de Direito Civil”, 2ª Edição, Ed. Renovar, 2001, págs. 52-53.    

[22] obr. cit., pág. 13

[23] obr. cit., pág. 237: “A capacidade da pessoa jurídica decorre logicamente da personalidade de que a ordem jurídica lhe reconhece por ocasião de seu registro. Essa capacidade estende-se  a todos os campos do direito. Pode exercer todos os direitos subjetivos, não se limitando à esfera patrimonial. Tem direito à identificação, sendo dotada de uma denominação, de um domicílio e de uma nacionalidade. Logo, tem direito à personalidade, como o direito ao nome, à liberdade, à própria existência, à boa reputação”.    

[24] Dentre outros, Pontes de Miranda, Maria Helena Diniz, J.M Leoni Lopes de Oliveira, Alexandre Ferreira de Assumpção Alves, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes.

[25] Principalmente no que diz respeito ao direito à existência da pessoa jurídica onde se posicionam a favor de seu reconhecimento Carlos Alberto Bittar, Maria Helena Diniz e Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, Manuel Gonçalves Ferreira Filho  e, em sentido contrário, Alexandre Ferreira de Assumpção Alves.

[26] Aluisio Gonçalvez de Castro Mendes, obr. cit., págs 10/11. 

[27] Entre nós, aquele que mais se destacou na defesa da tese contrária à possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral foi Wilson Melo da Silva em “O dano moral e sua reparação”, 3ª Edição, Ed. Forense,  que assim defende sua posição: “Ora, a pessoa jurídica não é um ser orgânico, vivo, dotado de um sistema nervoso, de uma sensibilidade, e, como tal apenas poderia subsistir como simples criação ou ficção de direito. Não possui um corpo físico, não tem um mundo interior, não é animada dessa vida que São Tomás definiria como o movimento imanente, e que só de Deus pode provir. Seriam, pois, assim, para os efeitos de danos morais, as pessoas jurídicas meras abstrações, não tendo mais vida que a que lhes é emprestada pela inteligência ou pelo  direito. … Não se angustiam, não sofrem. Não seriam jamais suscetíveis dos danos anímicos que lhes não poderia insuflar a mais sutil casuística” . 

[28]  Um exemplo é a seguinte decisão da 2ª CC do TJRJ da lavra do Des. Sérgio Cavaliere Filho: “A pessoa jurídica, embora não seja titular de honra subjetiva que se caracteriza pela dignidade, decoro e auto-estima, exclusiva do ser humano, é detentora de honra objetiva, fazendo jus à indenização por dano moral sempre que seu bom nome, reputação ou imagem foram atingidos no meio comercial, por algum ato ilícito. Ademais, após a CF/88, a noção de dano moral não mais se restringe ao pretium doloris, abrangendo também qualquer ataque ao nome ou imagem da pessoa, física ou jurídica, com vistas a resguardar sua credibilidade e respeitabilidade”. (TJRJ – 2ª C, AP.REL. Sérgio Cavalieri Filho, j. 08.11.1994, RT 725/336).  

[29]  Helio Fabbri Jr., “Responsabilidade Civil: dano moral oriunda das relações concorrenciais”, Revista da ABPI N° 12, Julho/Outubro 1994. 

[30] Elisabeth Kasznar Fekete, “Reparação do Dano Moral Causado por Condutas Lesivas a Direitos de Propriedade Industrial: Tipologia, Fundamentos Jurídicos e Evolução”, Revista da ABPI 35, julho/agosto 1998, págs.3/14. 

[31] Gabriel F. Leonardos, “A proteção Jurídica ao nome comercial, ao título de estabelecimento e a insígnia”, Revista da ABPI n. 13, nov/dez 1994, pág. 4. 

[32] Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, Tomo 16, Cap. II, Editora Bookseller, pág. 294.

[33] José Carlos Tinoco Soares, “Marcas e  Nome Comerciais: A prescrição das ações agora é qüinqüenal” , em Revista da ABPI n° 53, julho/agosto 2001, pág. 31.  

[34] C.F/88 art. 5, XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas , aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

[35] Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, Tomo 17, Editora Bookseller, pág. 521.

[36] Paulo. Roberto Costa Figueiredo, “Considerações sobre o nome e sua proteção”, Revista da ABPI 52, maio/junho de 2001.

[37] Gama Cerqueira, “Tratado da Propriedade Industrial”, v. 2, Editora Revista dos Tribunais, pág. 1160  descreve a função subjetiva como “A adoção de firma ou denominação impõe-se pela necessidade de se saber com quem se trata e contrata e a quem competem as responsabilidades assumidas, e, no caso das sociedades, quais as pessoas que por elas também se obrigam. Sob esse aspecto, o nome do comerciante individual, as firmas e as denominações ligam-se estreitamente à pessoa do comerciante, como o nome civil à personalidade de quem o usa. No mundo dos negócios e nas relações com terceiros exercem, precipuamente, a função de designar o sujeito de direito. Em respeito à função objetiva esclarece que  ”Sob outro aspecto, porém, as firmas sociais e as denominações das sociedades anônimas, a firma ou a denominação das sociedades por quotas, como a firma do comerciante singular exercem função objetiva, que caracteriza, individualiza e distingue a atividade do comerciante ou industrial, pessoa física ou jurídica, no campo da competência comercial. Nessa função, mais importante sob o nosso ponto de vista, as firmas e denominações entram no domínio da propriedade industrial e ficam sujeitas a regime especial e a princípios diversos, gozando, ao mesmo tempo, da extensa proteção das leis e princípios que disciplinam a concorrência desleal.” 

[38] Gabriel F. Leonardos, “A proteção jurídica ao nome comercial, ao título de estabelecimento e à insígnia no Brasil”, Revista da ABPI n° 13, nov/dez 1994, págs. 20 e seguintes.

[39] As questões que levaram José Roberto d’Affonseca Gusmão a não aceitar a teoria da propriedade integralmente são as seguintes “1) A questão da revalorização do direito absoluto sobre a marca (subdivida em três subitens a) em função do princípio da territorialidade; b) em função do princípio da especialidade; c) em função das conseqüências do não-uso) ; 2) A questão da posse; 3) A questão da atipicidade penal; e 4) a questão da atipicidade legislativa”, tal como citado por João Paulo. Capella Nascimento em “A natureza jurídica do Direito sobre os bens imateriais”, Revista da ABPI n° 28, maio/junho de 1997.  

[40] Gama Cerqueira, “Tratado da Propriedade Industrial”, v.1,  Editora Revista dos Tribunais. págs. 70 e seguintes.        

[41] José Roberto d’Affonseca Gusmão, em trabalho monográfico intitulado “A natureza jurídica do direito de propriedade intelectual” e cujas observações podem ser conferidas em artigo de João Paulo. Cappela Nascimento intitulado “A natureza Jurídica do Direito sobre os bens Imateriais”, Revista da ABPI 28, maio/junho 1997, pág. 23.

[42]  Aqueles que desejarem um aprofundamento dessas questões sugerimos a leitura do livro “The Unwanted Gaze – The destruction of Privacy in America” do professor da George Washington University Law School, Jeffrey Rosen.    

[43] obr. cit., pág. 108.

[44]  Tratado de Direito Privado, Tomo VII, Editor Borsoi, pág.134.

[45]  Uma curiosidade é que o real motivo de tal artigo teria sido o fato de que Warren ficou irritado com a reportagem publicada no jornal de Boston “Saturday Evening Gazette” sobre o suntuoso jantar que  ofereceu por ocasião do casamento de sua filha.

[46] conforme citado por Jeffrey Rosen em seu livro “The Unwanted Gaze – The destruction of Privacy in America”, Editora Randon House, pág. 5.

[47]  A definição de “trade secrets” segundo o artigo 1 da Uniform Trade Secrets Act é a seguinte: “trade secret means information, including a formula, pattern, compilation, program, device, method, technique or process, that: (i) derives independent economic value, actual or potential, from not being generally known to, and not being readily ascertainable by proper means by, other persons who can obtain economic value from its disclosure or use, and (ii) is the subject of efforts that are reasonable under the circunstances to maintain its secrecy”, já o item 2 do  artigo 39 do acordo TRIPS dispõe o seguinte: “2. Pessoas físicas e jurídicas terão a possibilidade de evitar que informação legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento, de maneira contrária a práticas comerciais honestas, desde que tal informação:

a) seja secreta, no sentido de que não seja conhecida em geral nem facilmente acessível a pessoas de círculos que normalmente lidam com o tipo de informação em questão, seja como um todo, seja na configuração e montagem específicas de seus componentes;

b) tenha valor comercial por ser secreta; e

c) tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta.”

[48] Na verdade o tratamento do segredo de negócio como propriedade nos EUA não é tão pacífico como possa parecer da decisão da Suprema Corte e nesse aspecto James Pooley em seu livro “Trade Secrets” Ed. Law Journal Seminars Press, 1997, pág. 1-21, aponta para duas escolas de pensamento uma que entende ser o “trade secret” melhor definido nos termos de uma relação de confidencialidade (The Confidential Relationship School) e a outra que adota a definição como um direito de propriedade (The Property School) e sugere uma solução mista nos seguintes termos “d – An integrated View – The more closely the cases are analyzed, the more this seems to be a “breath mint/candy mint” sort of debate. Even the Restatement of Torts, from which the confidential relations school draws much of its authority, acknowledged that the courts will intervene only on behalf of protectable interests. Thus, the better approach is not to argue for one school or the other, but to recognize that both “philosophies” find expression in trade secret law. That law seeks to protect confidential relationships, to be sure, but the subject matter for protection must rise to the dignity of a protectable trade secret. Thus, the secret holder’s bundle of rights does have many characteristics of  “property”.          

[49] José Antonio B. L Faria Correa, “A atual proteção aos segredos industriais e de negócios”, Anais do XVIII Seminário Nacional de Propriedade Intelectual da ABPI, pág.145.    

[50] obr. cit., Tomo 16, pág. 571: “O sistema jurídico brasileiro absteve-se de considerar  direito real o direito sobre o segredo de fábrica ou de indústria. É direito de eficácia perante todos, pois todos têm de admitir que existe e não seja violado, abstendo-se, portanto, de ofender. Não se lhe atribuiu a realidade que se reconheceu à obra literária, científica ou artística, nem à patente de invenção e dos modelos de utilidade, nem ao registro dos desenhos industriais. Para o legislador, o que não se exerce à vista de todos pode exercer-se sem que se admita incursão, mas faltar-lhe-ia elemento indispensável à exclusividade negativa (= exclusividade, a despeito da cognição por todos): a exclusividade do segredo é positiva, porque existe em si mesma e por si mesma (= os outros ignoram o que se  explora).”  

[51] Gabriel F. Leonardos, “Considerações sobre a proteção ao segredo de fábrica e de negócio no Brasil” , Revista Forense, vol 337, pág. 74: “Com relação à natureza jurídica da proteção, percebe-se imediatamente que, no Brasil, o sistema não é idêntico à proteção das marcas, ou das patentes de invenção, sobre os quais o titular tem direito de propriedade.”

[52] João Marcos Silveira, “A proteção jurídica dos segredos industriais e de negócio” , Revista da ABPI N° 53, julho/agosto 2001, pág. 20: “Não sendo objeto de direito de propriedade, oponível erga omnes , mas sim uma exclusividade de fato, enquanto de conhecimento restrito, não se trata tampouco de um direito de propriedade industrial ou intelectual”

[53]  El Secreto Industrial (know-how) – Concepto e Protección, Ed. Tecnos, Madri, 1974, pág. 69/70

[54] “Teoria della Concorrenza e dei Beni Immateriali”, 3ª Ed., A Giufrrè, Milano 1960, pág. 287.     

[55] José Antonio B. L. Faria Correa, “A Atual Proteção aos Segredos Industriais e de Negócios”, Anais do XVIII Seminário Nacional de Propriedade Industrial, 1998, págs. 145 e seguintes.

[56] obr. cit., pág. 11: “Embora não se possa entender que, para a pessoa jurídica, a intimidade tenha a mesma conotação daquela alcançada em relação à pessoa física, poderia se dizer  que o direito à intimidade traduz-se, para a empresa, na garantia da manutenção de sua esfera de privacidade. Uma vez violada esta, estará se atingindo a empresa no seu âmago, pois ela se “sentirá” vulnerável e, consequentemente se tornará fragilizada, ao perceber que terceiros se infiltraram com o objetivo escuso de desvendar seus conhecimentos e informações mais íntimas, imprescindíveis para o bom prosseguimento de suas atividades. Todos estes sentimentos irão repercutir na empresa, não somente através de seus membros, podendo trazer conseqüências negativas ao desempenho normal da mesma face ao mercado, como também de concorrentes e demais pessoas a ela alheias, que poderão se aproveitar de sua posição de desvantagem, por tomarem conhecimento de que seu segredo foi revelado, para atacarem seus pontos presumivelmente enfraquecidos. O já citado jurista italiano Adriano de Cupis, ao se referir à honra das pessoas jurídicas – e cujos dizeres podem ser igualmente aplicados à intimidade desta – mesmo que a pessoa jurídica não possa ter o sentimento da própria dignidade, ela é sempre capaz de refletir na consideração de terceiros, justificando-se, assim, a tutela legal. Em outras palavras, ainda que ela não seja, por si própria, capaz de dimensionar seus próprios sentimentos, os outros a ela alheios irão fazê-lo, porque dotados de percepção, no sentido humano da palavra. E esta percepção de terceiros já é suficiente para pleitear a tutela jurisdicional do Estado no resguardo do direito à personalidade da empresa.”

[57] obr. cit., pág. 110, Carlos Alberto Bittar ainda coloca o direito ao segredo com um direito autônomo embora ligado ao direito da intimidade e nele insere também o segredo de negócio.

[58] Elimar Szaniawski, “Considerações sobre o direito à intimidade das pessoas jurídicas”, em RT 657, julho de 1990 de quem podemos citar a seguinte passagem “Obviamente entendemos que o direito à intimidade genérico das pessoas jurídicas é diverso e não se identifica perfeitamente com o direito geral à intimidade das pessoas naturais. Não possui a pessoa jurídica uma vida familiar. Mas durante sua existência, cresce, se desenvolve e cumpre suas funções sociais e pessoais, necessitando, portanto, de uma esfera íntima que possibilite este desenvolvimento e o cumprimento de sua função social.”

[59] Edson Ferreira da Silva, “Direito à intimidade”, Editora Oliveira Mendes, págs. 72/76.

[60] José Paulo. da Costa Jr,  “O Direito de estar só”, São Paulo., Ed. Rt, 1967, págs. 56 e 57.

[61] obr. cit., pág.  31: “Os prejuízos decorrentes dos atos de indiscrição praticados por terceiros, através da intrusão na intimidade da pessoa coletiva não serão de seu presidente, nem dos sócios, e muito menos dos funcionários da pessoa jurídica, que têm seus salários e direitos garantidos por lei. Quem sofrerá os danos pelos ilícitos praticados será somente a pessoa jurídica, não a pessoa de seus sócios, e muito menos a soma das vidas privadas de seus vários componentes, pessoas naturais.” 

[62] obr. cit., pág. 73: “É evidente que as atividades e os negócios da pessoa jurídica não têm qualquer relação com a vida particular dos seus sócios, dirigentes e funcionários, pelo que não se pode abonar à opinião de que a vida privada dos entes coletivos possa de alguma forma identificar-se com a soma das vidas privadas das pessoas naturais dos seus vários componentes. “

[63] Rui Stocco, “Tratado de Responsabilidade Civil”, Editora Revista dos Tribunais. 5a Edição, pág. 1351.

[64] Nesse sentido José Carlos Costa Netto, “Direito Autoral no Brasil”. Editora Ftd, pág. 72-76; Carlos Alberto Bittar, “Direito de Autor”, 3ª. Edição, Editora Forense, 2000, pág. 47; Antônio Chaves, “Direito de Autor – Princípios Fundamentais” ,Editora Forense, 1987, págs.  16-17.  

[65] Eduardo Piola Caselli, “Codice del Diritto di Autore Comentario”, Torino, Unione Tipográfico – Editrice Torinese, 1943, pág, 326, citado por José Carlos Costa Neto, obr. cit., pág. 73.

[66] José de Oliveira Ascensão, obr. cit., págs. 36 e 130.  

[67] conforme citado por Luiz Gonzaga Silva Adolfo em “Considerações sobre o direito moral do autor”, Revista da ABPI, jan/fev. 200, pág. 7.  

[68] Para uma análise das diversas teorias sugerimos Gama Cerqueira, “Tratado de Propriedade Industrial”, págs, 70-148, bem como  Antonio Chaves, obr. cit., págs. 3/22, e José Oliveira Ascensão, obr. cit., págs, 598,  616, observando quanto à esse último, que conclui “ser  o direito autoral nuclearmente caracterizado como  um exclusivo temporário de exploração econômica da obra”.          

[69] Esse reconhecimento era mais claro na  lei n° 5988/73 que em seu artigo 15 dispunha  “Quando se tratar de obra realizada por diferentes pessoas, mas organizada por empresa singular ou coletiva e em seu nome utilizada, a esta caberá sua autoria.”

[70] Lei 9605/98, art. 3, caput “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.” 

[71] “Direito de Autor”, Ed. Forense Universitária, pág. 43.

[72] Manoel J. Pereira dos Santos, “A Proteção Autoral do Website”, Revista da ABPI n. 57, março/abril de 2002. 

[73] José de Oliveira Ascensão, obr. cit., págs. 154/155.

[74] vide artigo de Felip Fonteles Cabral, “Diluição de marca uma teoria defensiva ou ofensiva?”, publicado na Revista da ABPI n° 58, que define maculação da seguinte forma “A maculação constitui uma ofensa à integridade moral de uma marca. É uma conduta que causa dano à reputação do sinal, seja pela associação desse signo com um produto ou serviço de baixa qualidade, seja pela sugestão de um vínculo do sinal com um conceito moralmente reprovado pela sociedade.” 

[75] Paulo.. Roberto Costa Figueiredo, obr. cit., pág. 51. 
 

 

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Rodrigo Borges Carneiro

Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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