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O Conar e o Código de Processo Civil

por Filipe Fonteles Cabral

01 de junho de 2012

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No inicio de 2012 tivemos a oportunidade de participar de um julgamento tão raro quanto interessante no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR.

Uma empresa do ramo de telecomunicações ofereceu uma representação ética contra um anúncio televisivo de sua concorrente. Segundo o Demandante, o anúncio não continha informações suficientes sobre a promoção divulgada. Até aí, tudo dentro dos padrões.

A novidade estava no fato de que o mesmo anúncio havia sido julgado poucas semanas antes em outra representação, iniciada por solicitação de consumidor, com decisão já transitada em julgado.

O fato é raro pois, ao identificar duas representações contra o mesmo anúncio, a Secretaria Executiva do CONAR, com autorização do Vice-Presidente Executivo, apensa a nova demanda ao processo mais antigo para julgamento conjunto. Como as representações costumam ser protocoladas pouco tempo após a primeira veiculação na mídia do anúncio questionado, o apensamento normalmente ocorre antes de qualquer exame de mérito.

Na Representação 303/11, todavia, o concorrente tardou a oferecer sua representação. Quando o fez, o Conselho de Ética do CONAR já havia emitido sua decisão sobre o anúncio e, na ausência de recurso, o entendimento havia transitado em julgado.

Ao protocolar sua defesa, como não poderia deixar de ser, o Anunciante suscitou uma preliminar de coisa julgada, a despeito da ausência desse conceito no Regimento Interno do Conselho de Ética (RICE) e no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP).

O RICE contém diretrizes básicas sobre o processamento e apregoa os princípios da “simplicidade, economia processual e celeridade” (art. 13). Sobre questão da coisa julgada, o Regimento é silente.

Para os casos de omissão, o RICE prevê a aplicação supletiva dos princípios gerais do Direito e do Código de Processo Civil.

Problema resolvido? Em parte. Deve-se incluir na equação  a composição heterogênea do Conselho de Ética, integrado , em sua maioria, por membros cuja formação não é jurídica.

Se, por um lado, a formação heterogênea do Conselho de Ética enriquece e aguça os debates, de outro lado, a falta de embasamento jurídico pode transformar questões corriqueiras em um mar de incertezas.

É, aliás, o que ocorreu, pois, na sessão de julgamento, logo após a sustentação oral das partes, se iniciou e um caloroso debate sobre a questão da coisa julgada. O tom das discussões pode ser medido pela declaração de um dos Conselheiros ainda sob a presença das partes: “- é muita arrogância do Anunciante pretender que um anúncio não esteja sujeito ao exame do Conselho de Ética”.

Circo armado: dos 12 Conselheiros presentes, ao menos nove demonstravam indignação ou algum tipo de desconforto em relação à chamada “coisa julgada”. Os esclarecimentos dos patronos do Anunciante desanuviaram as tensões, mas a incredulidade e desconfiança ainda pairavam no ar quando as partes e seus procuradores deixaram a sala de julgamento para o debate final e a votação (conforme artigo 36, §3º, do RICE, as partes não podem presenciar o desfecho das sessões).

Imagina-se que a etapa derradeira do julgamento também não tenha transcorrido de forma suave, pois demandou inacreditáveis 40 minutos, o quádruplo da média. Ao final, anunciado o resultado: acolhida a preliminar de coisa julgada, por unanimidade.

O episódio ilustra com clareza a eficiência do CONAR e a inteligência de sua estrutura. Além dos Conselheiros que examinam e julgam as representações, as sessões de julgamento são sempre acompanhadas por um dos membros da Assessoria Jurídica da entidade.

A Assessoria Jurídica é formada por funcionários de carreira do CONAR, todos advogados, que auxiliam os Conselheiros no curso das representações. Nas sessões de julgamento exercem o papel de “fiscal da lei”, sem direito a voto, porém com a prerrogativa de intervir quando necessário, tal como o Ministério Publico em audiências judiciais.

Os Assessores são, portanto, o ingrediente final para o sucesso da receita. Garante-se, assim, a boa sinergia entre a Publicidade e o Direito, com vistas a disciplinar a conduta ética nesse segmento de mercado.

Já em seu 32º ano de existência, o CONAR esbanja maturidade e assegura um lugar de destaque entre seus pares estrangeiros.

Com processos céleres e de baixo custo, a entidade é, sem dúvida, uma excelente alternativa para a resolução de disputas envolvendo peças de publicidade

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Filipe Fonteles Cabral

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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