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O acesso dos titulares de marcas à Justiça

por Roberta Xavier da S. Calazans

01 de novembro de 2005

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Para os cidadãos poderem usufruir da garantia do acesso à justiça, conforme previsto nos direitos e garantias fundamentais da nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é fundamental que o Poder Judiciário produza algo de concreto para multiplicar a sua capacidade de resolver conflitos, pacificar a sociedade e ampliar as alternativas para a solução harmônica das diferenças. Como diz o jurista Kaztto Watanabe, "não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa".

Dessa sorte, não nos parece razoável obter a nulidade de um registro para uma marca colidente com outra anterior, perante a Justiça Federal, conforme prevê o artigo 175 da Lei de Propriedade Industrial – a Lei n° 9.279, de 1996 – e, por questões meramente interpretativas dos órgãos julgadores, exigir que o titular da pretensão juridicamente amparada recorra novamente ao Poder judiciário, agora junto à Justiça estadual, para obter a plena satisfação de sua pretensão.

Felizmente, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 21ª Região proferiu decisões compartilhando desse entendimento, abrindo, destarte, um precedente favorável à cumulação de pedidos em uma única ação. Porém, a questão está longe de um entendimento pacífico e uniforme por parte dos magistrados.

De fato, o Poder Judiciário, em ações de nulidade de registro de marcas, ainda vem se manifestando pela incompetência da Justiça Federal para julgar os pedidos de abstenção de uso de uma marca e de indenização, extinguindo, assim, o feito com relação aos pedidos estranhos aos de nulidade de registro marcário. Como fundamento, parte dos julgadores sustenta que esses pedidos não estariam contemplados pelo disposto no artigo 109, inciso I da Constituição da República, na qual a competência da Justiça Federal é delineada.

Entretanto, em nosso entender, os pedidos de abstenção de uso de uma marca e de indenização devem ser apreciados pela Justiça Federal, uma vez que não há qualquer definição expressa e taxativa sobre a quem compete julgá-los, tampouco há vedação expressa de que a Justiça Federal não possa apreciá-los, como ocorre com outras matérias elencadas no inciso I do artigo 109 da Constituição da República.

Não se pode esquecer que a cumulação de pedidos em uma mesma ação judicial atende ao princípio da economia processual, diminui o número de litígios, elimina o risco de decisões divergentes, concentra a discussão e as provas pertinentes à causa, otimiza a atuação das partes, do juiz e dos auxiliares da justiça e permite extrair o máximo de utilidade do processo judicial.

Assim sendo, por que não aplicar esses princípios nas ações de nulidade de registro de marcas cumuladas com abstenção de uso e indenização por perdas e danos decorrentes da prática de concorrência desleal?

Entendemos que existe uma conexão por prejudicialidade entre os pedidos de nulidade de registro de marca e de abstenção de uso, porque não se poderia conceber o provimento do pedido de nulidade do registro e a rejeição do pedido de abstenção de uso. Por outro lado, também, não pode ser aceito que, por uma decisão judicial, o registro de marca seja considerado válido e, por outra, o titular que obteve essa confirmação de validade seja proibido de utilizar a marca. Estar-se-ia diante de verdadeira aberração jurídica.

Entendemos, ainda, que existe compatibilidade entre esses pedidos. De fato, a concessão errônea de um registro de marca garante que o real titular da marca requeira a nulidade do registro indevido, bem como a condenação do titular desse registro indevido a cessar o uso da marca e a indenizá-lo pelos eventuais prejuízos causados.

Nesse contexto, cabe ressaltar que o parágrafo único do artigo 173, da Lei n° 9.27996, assegura a possibilidade de o juiz conceder, liminarmente, nos autos da ação de nulidade de registro de marca, a suspensão dos efeitos do registro e do uso da marca, consagrando, dessa forma, uma eventual cumulação de pedidos de nulidade com os de abstenção de uso de marca. Trata-se de uma conseqüência lógica essa junção.

Além disso, a cumulação dos pedidos de nulidade de registro de marcas, de indenização e de abstenção de uso atende à regra absoluta de competência definida no artigo 109, inciso I da Constituição da República, que, como dito anteriormente, determina que cumpre aos juízes federais processar e julgar as causas em que entidade autárquica for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente, "in casu" o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), sem fazer qualquer vedação expressa para que isso ocorra. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, já se manifestou favoravelmente à competência da Justiça Federal nas ações com cumulação de pedidos quando algum deles, em razão da conexão, se dirigir a empresa pública federal.

Dessa forma, sendo os pedidos de abstenção de uso de marca e de indenização compatíveis, conexos e acessórios ao pedido de nulidade de registro de marca, e pela condição de residuabilidade a eles pertinente, devem acompanhar o pedido principal, como determina o artigo 108 do Código de Processo Civil brasileiro (CPC). Em conseqüência, esses pedidos devem ser processados e julgados pela Justiça Federal. Exigir que pedidos de abstenção de uso de marca e de indenização sejam apreciados e julgados pela justiça estadual, enquanto que o direito que os fundamenta é afirmado pela Justiça Federal, dificulta o acesso à justiça pelo legitimo titular e o desmotiva a buscar a plena satisfação do seu pleito.

Deve-se, portatlto, procurar fazer com que a Justiça Federal declare-se competente para julgar os pedidos de abstenção de uso de marca e de indenização pelos danos ocorridos em decorrência do uso indevido de uma marca, cujo registro seja objeto da ação de nulidade de marca, à luz do artigo 109, inciso I da Constituição da República e do parágrafo único do artigo 173 e do artigo 175 da Lei da Propriedade Industrial, sob pena de o titular do direito ver fracassado o seu amplo acesso à justiça e o amparo legal de sua pretensão.

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Roberta Xavier da S. Calazans

Socia, Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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