por Marcelo Mazzola
24 de dezembro de 2015
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Por Marcelo Mazzola
Nesse breve ensaio, abordaremos uma novidade trazida pelo NCPC, qual seja, a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente, fazendo um paralelo com as ações de propriedade industrial.
Inspirada no direito francês, a estabilização da tutela antecipada parte de uma lógica de que, se ambas as partes estão satisfeitas com a decisão antecipatória, não há necessidade de dilação probatória e de se prosseguir em busca de uma decisão exauriente no plano vertical. Um brinde à duração razoável do processo e à efetividade da prestação jurisdicional!
De acordo com o NCPC, se o autor lançar mão do benefício da tutela antecipada em caráter antecedente (artigo 303, parágrafo 5º), não precisará preparar uma extensa petição inicial, formulando desde logo os pedidos indenizatórios e requerimentos secundários. Bastará requerer a tutela antecipada, demonstrando sucintamente a plausibilidade de seu direito e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, indicando, ainda, o valor da causa.
Uma vez concedida a tutela, deverá aditar a petição inicial em 15 dias ou em prazo maior que o juiz fixar (artigo 303, parágrafo 1º). Registre-se apenas que, em nossa opinião, não faz sentido o NCPC determinar que o autor adite a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final no prazo acima, uma vez que, se o réu não interpuser o recurso, todo esse trabalho do advogado terá sido em vão. Melhor teria sido postergar esse aditamento para após a notícia da interposição do agravo de instrumento[1] ou, então, adotar a metodologia defendida adiante.
Ocorre que, caso a ordem judicial seja concedida e o réu não interponha agravo de instrumento, o processo será julgado extinto e a tutela antecipada tornar-se-á estável (artigo 304, caput e parágrafo 1º). Ressalve-se, porém, que qualquer das partes, dentro do prazo de dois anos, pode ajuizar uma ação para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada. Ultrapassado esse prazo, a ordem judicial torna-se estável, porém sem força de coisa julgada (artigo 304. parágrafo 6º).
A sistemática é interessante e pode ajudar a desafogar o Judiciário (os processos serão encerrados precocemente), mas não devemos fazer uma interpretação literal dos dispositivos, sob pena de nos depararmos com algumas perplexidades jurídicas. Defendemos, assim, a necessidade de uma interpretação sistemática ilustrando a problemática com exemplos da área da propriedade industrial.
Em litígios dessa natureza, sobretudo nas ações de infração, o autor normalmente formula um pedido de tutela antecipada e também pleiteia indenização pelas violações perpetradas pelos infratores.
Imaginemos então a seguinte situação: se o autor formular um pedido de tutela antecipada em caráter antecedente, valendo-se do benefício de apresentar uma petição inicial simplificada (sem os pedidos indenizatórios, por exemplo), terá, em tese, que torcer para o réu interpor agravo de instrumento, evitando-se a estabilização da tutela e o consequente encerramento prematuro do processo (que, a essa altura, já terá recebimento o aditamento da petição inicial). Sim, porque de acordo com o artigo 304, parágrafo 1º, do NCPC, a inércia do réu enseja a extinção do feito.
Com a devida venia, essa “extinção” do processo não parece lógica. Obrigar o prejudicado a pagar novas custas judiciais, estender a contratação de seu advogado e propor uma nova ação judicial para buscar o ressarcimento dos valores devidos viola o sincretismo processual e os princípios norteadores do NCPC.
Do ponto de vista do réu, a questão também é inusitada: será ele obrigado a recorrer mesmo não tendo interesse recursal? Imaginemos a hipótese de uma ordem judicial proibindo o réu de utilizar a marca do autor em evento já realizado à época do prazo recursal. Por que ele precisaria pagar custas e arcar com honorários de seu advogado para elaboração de um recurso sem qualquer efeito prático? Não soa razoável. Da mesma forma, qual seria o interesse do réu de recorrer de uma ordem judicial proferida nos autos de uma ação de infração de patente, se ele percebe que no momento de interposição do agravo de instrumento a patente já caiu em domínio público?
Nesse particular, sem embargo de balizadas opiniões em contrário, filiamo-nos à corrente de processualistas que entendem que a estabilização da tutela antecipada não pode resultar simplesmente da não interposição do recurso pelo réu, mas também, necessariamente, do não oferecimento da contestação, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa.[2]
Neste sentido, sustentamos a necessidade de uma interpretação teleológica, prestigiando a linha de raciocínio de alguns processualistas[3]: i) se o autor aditar a petição inicial e o réu agravar ou contestar, não haverá estabilização e o processo prosseguirá normalmente; ii) se o autor aditar a petição inicial e o réu não agravar ou contestar, o autor deverá ser intimado para dizer se pretende prosseguir e buscar uma sentença de mérito (com exame dos demais pleitos) ou desistir da demanda, caso em que a tutela ficará estabilizada e o processo será extinto sem resolução do mérito; iii) se o autor não aditar a petição inicial, o réu pode, mesmo assim, querer agravar ou contestar para impedir a estabilização da tutela, sendo que nessa hipótese o processo será julgado extinto e eventual recurso declarado prejudicado; e iv) se o autor não aditar a exordial e o réu não agravar ou contestar, ocorrerá a estabilização e o processo será extinto sem resolução de mérito, devendo o Juiz declarar estabilizada a tutela.
No campo da propriedade industrial, essa sistemática é fundamental para que haja estímulo ao requerimento da tutela antecipada em caráter antecedente. Caso contrário, os advogados só farão uso do expediente naquelas hipóteses em que a situação é urgentíssima a ponto de inviabilizar o desenvolvimento de uma petição inicial completa ou nos casos em que o prejudicado se satisfaça com eventual ordem de abstenção de uso (para evitar o lançamento de um produto no mercado, por exemplo).
Afinal, ninguém vai querer correr o risco de ser prejudicado pela inércia do réu, se contentando com uma tutela antecipada que, apesar de estável, sequer fará coisa julgada.
[1] No mesmo sentido defende Heitor Sica (“Doze problemas e onze soluções quanto à chamada ‘estabilização da tutela antecipada’”) in Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. ed. 55, 2015, p. 92, nota de rodapé 13, disponível aqui.
[2] GRECO, Leonardo – A Tutela da urgência e da tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2014/2015, Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume XIV.
[3] CAMARA, Alexandre – O Novo Processo Civil Brasileiro, ed. Atlas, 2015, pág. 166