Candida Ribeiro Caffe
Socia, Advogada, Agente da Propriedade Industrial
Advogada e agente da propriedade industrial, e socia do escritorio Dannemann Siemsen. Pos-graduada em Direito da Pr[...]
saiba +por Candida Ribeiro Caffe
01 de novembro de 2007
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Desde a edição da Lei nº 10.168/2000, que instituiu a contribuição de intervenção no domínio econômico especificamente para atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, cujo objetivo principal é estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro ("CIDE-Tecnologia"), muitas empresas ingressaram em juízo para questionar a sua validade jurídica.
A despeito da plausibilidade dos argumentos de inconstitucionalidade da CIDE-Tecnologia, o fato é que os Tribunais Regionais Federais já se manifestaram majoritariamente de modo contrário à tese dos contribuintes.
Em síntese, os magistrados fundamentam a legitimidade da CIDE-Tecnologia na previsão legal de aplicação do produto da sua arrecadação em finalidade constitucionalmente tutelada: o desenvolvimento tecnológico nacional.
Contudo, um aspecto merece especial atenção na análise da jurisprudência sobre o assunto: a premissa adotada quanto à função extrafiscal da CIDE-Tecnologia. Sabe-se que a extrafiscalidade do tributo revela-se quando o seu papel principal deixa de ser a arrecadação e passa a ser a modulação da conduta do contribuinte, quer estimulando a atividade tributada mediante a redução do tributo, quer inibindo-a pela majoração desse mesmo tributo. As decisões que corroboram a constitucionalidade da CIDE-Tecnologia partem da premissa de que ela possui função essencialmente extrafiscal e, por isso, não haveria qualquer violação ao princípio da isonomia quando a lei restringe o pagamento do tributo às pessoas jurídicas brasileiras que contratam pessoas jurídicas estrangeiras para fornecimento de tecnologia, licenciamento de patentes ou marcas, por exemplo. Isto porque a intenção da lei seria estimular o desenvolvimento de tecnologia nacional, desestimulando a aquisição de tecnologia estrangeira.
Ocorre que é pacífico que a CIDE, como contribuição que é, distingue-se dos demais tributos pela destinação do produto de sua arrecadação. Com efeito, o propósito das contribuições não é modular a conduta do contribuinte a partir da sua majoração ou redução. Ao contrário, a sua função é sempre fiscal, pois visa a destinar o produto da sua arrecadação à finalidade para a qual foi instituída. Admitir que a arrecadação possa assumir um papel secundário no contexto das contribuições é contrariar a própria lógica que justifica a sua existência.
Se fossem alcançadas pela CIDE-Tecnologia as pessoas jurídicas brasileiras que contratam outras pessoas jurídicas brasileiras para transferência de tecnologia, licenciamento de patentes ou marcas, por exemplo, o produto da sua arrecadação não seria aplicado no desenvolvimento tecnológico nacional? É evidente que sim, pois a aplicação do produto arrecadado no fim para o qual foi instituída é o que caracteriza tal contribuição. Por isso, é nítida a violação aos princípios da isonomia e da razoabilidade no caso em questão, sendo ainda contraditória a justificativa que vem sendo dada pelos tribunais para a distinção prevista na lei, que onera apenas as empresas que remetemroyalties ao exterior (e não aquelas que contratam com licenciantes locais). Isso porque a justificativa dos tribunais não é compatível com a natureza jurídica de uma CIDE, tributo que possui caráter eminentemente fiscal e vinculado.
Além disso, não é raro encarar situações em que a tecnologia adquirida do exterior ainda não foi desenvolvida no Brasil, não havendo qualquer similar nacional. Nestes casos específicos, mesmo admitindo que a CIDE pudesse colocar em segundo plano a sua função arrecadatória (o que não é o caso), poderíamos afirmar que ela proporciona uma restrição injustificada ao livre exercício de atividade econômica lícita. Isto porque inibe a contratação da tecnologia estrangeira sem com isso estimular o desenvolvimento tecnológico nacional.
Os argumentos acima mencionados foram levados recentemente ao conhecimento dos nossos tribunais, de modo que os magistrados possam reavaliar as premissas utilizadas para fundamentar suas decisões. Com isso, espera-se reverter o cenário jurisprudencial que se afigura desfavorável aos contribuintes até o momento. Como gira em torno dos aspectos constitucionais da CIDE-Tecnologia, a discussão certamente passará pelo crivo do Supremo Tribunal Federal antes de ser encerrada.