por Jose Antonio B. L. Faria Correa
01 de março de 2004
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A marca inscreve-se na infinita teia de sinais que estabelecem conexão entre o indivíduo e o mundo exterior. Integra um sistema de comunicação que permite ao homem navegar pelo mundo comercial, tomando-se , aqui, a palavra "comércio" no seu sentido primígeno, de troca de bens (co – merx ).Da mesma forma como o idioma habilita o indivíduo a externar, para o seu próximo, sentimentos e julgamentos que se processam em seu interior, o sistema semiológico em que se situa a marca permite ao homem a aquisição dos bens e serviços que pretende, o que seria impossível se não pudesse identificá-los.
Ferramenta essencial para a formação da clientela, pois é o sinal que leva o consumidor até os produtos e serviços, a marca tem tutela própria nas diversas legislações, inclusive no Brasil, que contempla um sistema de registro, de caráter predominantemente atributivo, temperado por mecanismos destinados a evitar fraudes , com situações de confusão, por assim dizer, "congênita", em que o detentor ilegítimo da propriedade é que , pelo próprio ato de registrar ilegitimamente, já instala confusão quanto à origem.
O regime de tutela às marcas , no direito brasileiro, acolhe , no artigo 122, todos os sinais "distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais".
Ao qualificar a natureza dos sinais distintivos aptos ao registro, exigindo perceptibilidade visual, o legislador ,à primeira vista , adota a postura de que somente as marcas diretamente percebidas pela visão podem ser objeto de amparo mediante título expedido pelo órgão competente.
A interpretação de que o legislador optou por privilegiar apenas um dos canais sensoriais humanos , se prevalecente, estaria longe de ser feliz, porque insensível à dinâmica do mundo das marcas, influenciada pelas constantes inovações tecnológicas que têm repercussão direta sobre o comportamento dos industriais, comerciantes e prestadores de serviço. Ao dotar o País de uma lei de inspiração moderna, como é a Lei 9279/96, o legislador teria deixado à margem da evolução as marcas não tradicionais, captadas por outros sentidos humanos, o que causaria estranheza.
Apesar da aparente opção pelos sinais destinados à vista humana, a lei , obliquamente, dispõe de mecanismos que abrem uma janela para os demais sentidos do homem, como se verá no decorrer deste trabalho, e uma exegese sistemática e teleológica do diploma legal em foco mostra que , na realidade, o direito brasileiro tem amplo espaço para os sinais plurissensoriais.
Os sinais, quando não genéricos ou descritivos e, portanto, sem aptidão para servirem de marca de produto ou serviço, são o que, dentro da categorização semiológica trinária de Peirce [1]se convencionou denominar "símbolos", que, diversamente do que se passa com os "ícones", são ontologicamente neutros,independentes do conteúdo semântico a que se ligam, daí serem "distintivos", no sentido clássico (=a comunidade não emprega o significante para expressar o significado convencionado pelo idioma). Os sinais se expressam de várias formas e são traduzíveis aos sentidos. Assim, uma palavra, antes de fixar-se na forma escrita , tornando-se visível aos olhos de quem a lê, se exterioriza através de uma emissão sonora. Essa emissão sonora tem alturas, "tons", daí falar-se em "entonação", que é a verdadeira alma de cada idioma. Em certos idiomas – como o chinês – a altura dos vários sons que compõem as palavras e as frases chega a ser determinante para a sua acepção (=correspondência entre a forma e o conteúdo semântico). Mesmo em idiomas que não se fundamentam em tons para a distinção semântica, há, presente, uma considerável importância da entonação para a expressão de nuances do pensamento (conotações). J. R. Firth menciona que uma simples frase neutra, reduzida à escrita, como "You know what I mean" , serve para representar milhões de frases possíveis faladas por todas as espécies de pessoas no mundo inteiro ao mesmo tempo, além cobrir centenas e centenas de anos. Assim, como diz aquele lingüista, "os meros símbolos ortográficos daquela frase estendem-se a milhões de exemplos possíveis". É que a fixação do som e do ritmo de uma frase em determinado sistema de escrita não consegue apanhar a multiplicidade de modos de emitir o som,com as implicações semiológicas correspondentes [2]
Em português, há, também, uma acentuada distinção conotativa entre as seguintes orações, em função da entonação:
O citado lingüista britânico faz referência a idiomas que, muito mais do que as línguas ocidentais, fazem amplo uso da entonação como mecanismo de distinção semântica [3]
Logo, a palavra tem uma dimensão primacialmente sonora: primeiro, cria-se o som, que exterioriza sentimentos e que, no decorrer da evolução histórica de um povo, se refina para expressar conceitos abstratos e não apenas nomes concretos, que traduzem a idéia de seres presentes na natureza. Tanto assim é que as primeiras palavras criadas nas diversas línguas são onomatopaicas, ou seja, imitativas de sons da natureza e os vocábulos mais primitivos são justamente aqueles relacionados com experiências sensoriais do homem, daí porque os verbos essenciais em qualquer idioma são sempre irregulares, pois as regras gramaticais surgem em um segundo momento. Exemplo disso é a complexidade dos verbos mais antigos do grego clássico, os chamados verbos em "-mi", como "eimi" (ir), "femi" (dizer"), "kathemai" (sentar) e outros, sobre os quais F. Kinchin Smith e T.W.Melluish tecem considerações de grande alcance, aplicáveis aos vários idiomas do planeta:
Toda marca consistente em palavra parte, portanto, e necessariamente, de uma emissão sonora que, na realidade, constitui seu segmento principal: o aspecto visual é secundário, porque o som precede a representação gráfica, na história de qualquer povo[5]. E, como vimos das considerações de Firth, o grau de estabilidade documental da escrita não é tão alto como, ingenuamente, se pensa, não servindo de fundamento para se arredarem outros sistemas de notação gráfica, que é o argumento habitualmente aduzido por quem resiste à tutela jurídica de marcas não apreendidas preferencialmente pelo sentido da visão.
Registrar marca consistente em palavra significa, então, registrar um sinal que, na origem, é sonoro, mas que se deixa representar por um sistema gráfico de sinais (o alfabeto, no caso das línguas assim estruturadas, como é o caso do português e das línguas ocidentais em geral, ou os caracteres, como no caso das línguas silábicas). Assim, a exigência de perceptibilidade visual só pode ter como finalidade permitir a fixação da marca, de modo a documentá-la , pois o Direito não teria como tutelar a pura transdicção Logo, só faz sentido , em uma interpretação teleológica e sistemática da norma, tomar a expressão "perceptibilidade visual" na acepção de "possibilidade de representação visual". É o mesmo que se passa com as obras tuteladas pelo direito de autor, e , neste vértice, convergem direito de autor e direito de marca: o Direito as protege na medida em que manifestadas no mundo e fixadas em suporte visível. Marcas e obras artísticas são, em maior ou menor grau, concepções intelectuais, e o Direito ampara a sua matriz (=a concepção em si, ou, dentro da teoria platônica, exposta no Diálogo Phaidros, o "tipo"), exteriorizada e fixada fisicamente. Nem a representação gráfica de uma marca, nem um exemplar de uma obra artística, é a "obra" em si, mas uma manifestação dela, de outro modo, bastaria destruir uma placa exibindo um logotipo ou danificar um CD para eliminar uma marca ou uma peça musical. O que existe é o fenômeno semiológico da replicabilidade, em que a ocorrência traz as características essenciais do tipo, mas é dele independente [6]. Se é verdade que a doutrina vê, na maioria dos casos, o direito à marca como um direito de ocupação, verdade é , também, que, independentemente das hipóteses de pura criação intelectual (marcas inventadas pelo titular[7] ) a própria ocupação de sinal disponível para a designação de determinados bens ou serviços já constitui uma inovação semiológica, um uso particular do signo, dentro do qual se derrama novo conteúdo, diverso daquele convencionado, até então, pela cultura.
Na medida em que a marca consiste em algo que está no mundo – que se nos perdoe o truísmo, cujo objetivo é servir de premissa do raciocínio em seguida desenvolvido – a questão diz respeito, fundamentalmente, à própria percepção da realidade, que nos vem através de nossos sensores, todos mutuamente traduzíveis:o que se fala pode ser fixado por escrito e apreendido pela vista; o que se canta, igualmente, através de um sistema de notação musical, apreendido pela vista; o que se tange pode ser traduzido por sistemas de escrita especial ("braille", por exemplo); o que é apreendido pelo olfato se traduz em palavras e influencia o gosto ; o que se gosta é descritível, também em palavras e é sentido pelo olfato.
Por que somente a visão poderia apreender marcas? O ouvido também pode; assim, também, o tato; o paladar; o olfato.
A realidade objetiva é uma coisa só, vista através de diversas escotilhas. Não é por outra razão que o grande Goethe dizia que o céu não deixa de ser azul pelo fato de alguém não poder vê-lo.
Pode-se concluir, então, que a marca é potencialmente plurissensorial e que a percepção visual é apenas um canal comum, por assim dizer, objetivo, que represente o tipo (=matriz intelectual da marca, seu molde ideal), permitindo a tutela do Direito. Assim , a) a música se condensa, visualmente, um uma partitura, e se manifesta sonoramente ao ser executada;; b) a "música" do idioma (=as palavras, sintaticamente ligadas ou isoladas), se traduz, visualmente, em um sistema de escrita que, no caso da maior parte das línguas ocidentais, é alfabético, e pode ser empregada como marca ("palavra-marca"); c) a música empregada como sinal distintivo, ou seja, marca ("música-marca"),que se manifesta sonoramente, por alturas (=freqüências de onda) mais elevadas do que a música-palavra, se traduz visualmente, em um sistema particular de escrita (notação musical). E o reverso também é verdadeiro: a partitura , que é visual, leva ao seu conteúdo (vide Umberco Eco, na obra citada), que é sonoro e, assim, conduz, também, à música-marca. Isso, da mesma forma como o vocábulo escrito, que é visual, remete naturalmente ao vocábulo-som, que é sonoro, e à palavra-marca. Não é nada diverso do que se passa no mundo físico: a água se condensa em gelo , que se comuta em água que, por sua vez, se transforma em gás que,por seu turno, se condensa e volta ao estado aquoso e assim por diante. Partitura é música condensada em escrita; música é partitura traduzida em som; a escrita de uma palavra é som apresentado à visão; a palavra é a escrita traduzida em som. A marca é, portanto, um conteúdo arbitrário, não genérico em relação a produtos ou serviços que deve denotar, no mundo empresarial, apresentado sob diversos canais sensoriais e fixados em suportes físicos, visuais, traduzido sob diversos sistemas de apreensão visual. Portanto, marca é música e partitura; música é partitura e marca; marca é palavra, sendo som e escrita. Em última análise, o que se ampara é o conceito, expresso em sistemas inteligíveis à sociedade (idioma, quer silábico, quer alfabético, notação musical, gráficos etc).
Não fosse autorizada esta interpretação, e não haveria sentido em a própria Lei de Propriedade Industrial , em seu artigo 124, inciso VIII, proibir o registro não só da cor isolada, mas de sua denominação: o que se veda é o conteúdo, expresso quer lingüisticamente, quer plasticamente[8]. A mesma lei, em seu artigo 124, inciso XV, proíbe não só o registro não autorizado de obra protegida por direito autoral, como, também, o seu título, ou seja, a expressão lingüística que remete ao conteúdo[9]. A doutrina brasileira, tradicionalmente abraçada pelo INPI nas próprias diretrizes que orientam a análise de colidência, reconhece, além disso, o que se convencionou denominar "colidência ideológica", corroborando que o objeto da proteção é o "tipo" semiótico, não a representação.
A matéria foi tratada com maestria por Clóvis Costa Rodrigues, que evoca exemplos clássicos de colidência pela correspondência entre o vocábulo e sua representação visual [10] O próprio INPI vem, serenamente, admitindo que a marca se reveste de um conteúdo que vai além de seu esqueleto lingüístico ou pictórico [11] .
A questão remete à pungente reflexão de Julieta, na peça "Romeu e Julieta". O célebre personagem de Shakespeare pensava que a inimizade entre a sua família e Romeu se esgotasse no nome de seu amado. Exclamava ela:
O que provoca alguma inquietação quanto ao amparo de marcas endereçadas a outros sentidos que não a visão é que nem todos os sistemas de escrita são reconhecíveis pelo grande público, mas este, em nosso sentir, não deve ser considerado um fator concludente.
De fato, a Corte Européia de Justiça (ECJ), julgando o caso Ralf Sieckmann v. Deutsches Patent-und Markenamt, entendeu que a representação gráfica de um sinal perceptível por outros sentidos que não a visão deve ser clara, precisa, completa, duradoura, objetiva e facilmente acessível.[13] Se é verdade que a notação musical não é inteligível a todos, por outro lado, como aponta o Advogado Geral Colomer, do Benelux, chamado a opinar sobre o referido litígio, "não é essencial que a percepção da marca seja imediata. Uma vez que a partitura musical seja ´traduzida´para o leigo por alguém habilitado na arte de ler música, o leigo terá capacidade de entender a marca sem risco de confusão" [14]
Talvez aqui resida um dos nódulos da questão: como já visto, o legislador exige que a apreensão do fenômeno semiológico , inscrito no mundo mercantil (um odor, um som, uma sensação táctil que constitua marca, assinalando a presença de um produtor, comerciante ou prestador de serviço) tenha estabilidade documental, somente garantida , pelos padrões do nosso sistema jurídico, por um sistema que permita visualização. A eventual dificuldade do órgão do registro em estabelecer parâmetros de fixação em suporte físico e diretrizes de análise não autoriza, porém, a pura e simples negação de amparo a sinais ditos não convencionais [15] A problemática não deveria, portanto, ser de natureza conceitual, ou seja, o que se há de perguntar não é: "são protegíveis sinais outros que não visuais?", mas "como proteger esses sinais na prática"?
As marcas sonoras vêm sendo registradas nos Estados Unidos desde a década de 1950. Em interessante artigo publicado no INTA Bulletin Archive [16], Candida J. Hinton observa que as marcas sonoras "vêm sendo utilizadas desde o momento em que o primeiro sinal de tambor soou de vilarejo para vilarejo" e que , em 1950, a NBC (National Broadcasting Company, obteve o registro 0523616 para marca consistente em três badaladas de sino ("3 chime like notes") para identificar serviços de radiodifusão. Com a expiração do título em 1971, a NBC obteve o registro 0916552. Dentre os diversos sinais posteriormente registrados naquele país, a autora cita o grito de Tarzan[17] o "som de um dedo golpeando um prato juntamente a emissão da palavra "boing" [18]
Vê-se, portanto, que, nos Estados Unidos, as autoridades deram uma solução prática e cômoda à questão, permitindo a descrição do som objetivo. O mesmo, aliás, passa-se com outras marcas ditas não convencionais[19]
Na Europa, a OHIM vem, desde 1996,registrando marcas sonoras, tendo criado uma seção a parte nos formulários de pedido de registro e referência específica na orientação de exame. A metodologia empregada nos Estados Unidos, porém,vem sendo vista com reserva na União Européia, cujos países integrantes têm visões distintas sobre a operacionalização do registro dessa espécie de marca mas, de modo geral, não consideram suficientes as descrições lingüísticas de sons, mesmo em se tratando de onomatopaicos [20],já que a forma lingüística de apreensão dos sons da natureza , incluindo os da fauna, é extremamente variável de cultura para cultura, como exemplificado no conhecido caso da marca consistente no canto de um galo, representado, na Holanda, pelo onomatopaico correspondente no respectivo idioma, ou seja, "kukelekuuuuu", julgado inapto como forma de representação por parte da Corte Européia de Justiça.[21]
A referida Corte manifestou-se de forma inteiramente diversa quanto ao registro, como marca sonora, do tema principal da peça "Für Elise", de Beethoven, pleiteado pelo mesmo depositante, Shield Mark e representado em notação musical. De fato, a referida depositante obteve registros, no Benelux, para o tema principal da conhecida "bagatelle" de Ludwig van Beethoven "Für Elise" ("Para Elise"), sob n.o BX 517166, 535083, 551848, 552296, e instruiu seu pleito, lá concedido, com a respectiva partitura[22]:
Outra questão relaciona-se com a emissão de ruídos que não constituam propriamente "sons" . De fato, os sons constituem ondas com freqüências regulares e estáveis, com determinada altura, sendo produto de uma seqüência rápida entre impulsões e repousos e quedas cíclicas desses impulsos, seguidos de sua reiteração [23], enquanto o ruído é uma oscilação desordenada, não organizada. Esses sinais podem ser representados através de um sonograma, como, e.g, marca consistente no rugir de um leão, apresentado a registro perante a OHIM através de sse método[24]e recusado por aquele órgão. A matéria é objeto de recurso pendente, em que a depositante invoca registro americano obtido mediante a descrição lingüística do som "marca consistente em rugido de leão ", sob n.o US 73553567[25].
Com apoio nessas reflexões, cabe concluir que as marcas sonoras – como as demais marcas criadas para captação imediata por outros sentidos do homem – se acham devidamente resguardadas pelo Direito Brasileiro, podendo ser registradas em formas que lhe tornem claro o conteúdo. Especificamente, na hipótese de sinais sonoros, a forma mais segura é a notação musical, como no caso de "Für Elise" evocado acima e o sonograma, em se tratando de ruídos.
Na medida em que a partitura expressa, visualmente, um conteúdo sonoro, esse conteúdo se acha plenamente amparado por registro que lhe tenha por objeto. Assim, a execução da peça musical representada em uma partitura constitui violação dos direitos decorrentes de registro efetuado perante o INPI para figura consistente nessa notação musical. O registro da partitura, a título de marca, confere ,pois, ao titular, o direito de exclusividade sobre a execução da peça como elemento distinguidor dos produtos ou serviços objetivados. Pela mesma ordem de raciocínio, a execução da partitura pelo próprio titular constitui uso suficiente da marca, evitando a caducidade do registro eventualmente requerida por terceiro.
Entrecruzam-se, neste terreno, direito de autor e direito de marca. Ambas as figuras jurídicas convergem em torno do mesmo objeto, mas com funções diversas. Essa circunstância não deveria gerar qualquer inquietação, pois os dois institutos jurídicos se acumulam em outras situações, como, por exemplo, naquela em que a representação de uma obra artística é utilizada e registrada como marca, tendo disciplina específica no inciso XVII do artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial[26]
Como observado anteriormente, a forma de operacionalização do registro de marcas dessa natureza – como, e.g., modo de apresentação da marca, forma de inserção do banco de dados do órgão responsável pelo registro, critérios de apuração de colidência etc. – é aspecto de natureza puramente procedimental, sem qualquer prejuízo do estatuto jurídico desses sinais. Em nosso sentir, inspirando-se, em parte, na orientação fixada pela Corte Européia de Justiça e, em parte, no tratamento da matéria nos Estados Unidos, o INPI deveria aceitar, como forma de fixação do sinal sonoro registrando, qualquer representação gráfica que seja suficientemente clara, completa, duradoura, objetiva e facilmente acessível, incluindo – como nos Estados Unidos – a descrição de sons que sejam inequívocos. Nessa categoria entrariam todos os sons conhecidos na natureza e aqueles consagrados na cultura, como, e.g., o rugido de animais, tais como o balido de ovelhas, o mio de um gato ,o acôo de um cão; o ruído produzido por um jato d´água , o ruído de folhagens açoitadas pelo vento; um trovejo; o ruído das ondas; risos de crianças, som produzido por determinado veículo[27],etc. Em se tratando de composições musicais, a forma mais adequada seria a partitura, com os elementos completos que permitam sua execução: a clave, a tonalidade[28], o compasso (4/4, 2/2, ¾, 3/8, etc), a seqüência das notas, o andamento[29].
Quanto aos critérios de exame de colidência, a maior dificuldade que se poderia enfrentar seria na avaliação de similaridade entre marcas consistentes em peças musicais, ainda que singelas, que demandaria o trabalho de um "expert".
Em síntese, não vemos obstáculo conceitual , nem procedimental, à tutela jurídica das marcas sonoras. Em um mundo em rápida mutação, sacudido por inovações tecnológicas incessantes que redesenham nossos hábitos a todo instante, fechar as portas a marcas chamadas "não tradicionais", incluindo aquelas consistentes em sons, seria um grave erro, suscetível de travar ou, pelo menos, dificultar a verve criativa do homem.