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24 de março de 2017
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Em acórdão publicado em 10 de março de 2017, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou por unanimidade decisões exaradas em segunda instância de que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) tem competência para intervir em contratos de transferência de tecnologia, ao rejeitar um recurso especial interposto pelas empresas Unilever Brasil Ltda. e Unilever Bestfoods Brasil Ltda. contra decisão denegatória expedida em mandado de segurança impetrado contra o INPI.
As recorrentes alegaram que, com a alteração da Lei nº 5.648/70, a autarquia não mais possuiria a prerrogativa legal de intervir em contratos de transferência de tecnologia. Sendo assim, o INPI teria ultrapassado os limites de seu papel institucional ao expedir um Certificado de Averbação sem prever o pagamento de royalties, alterando cláusula contratual que estabelecia remuneração pela transferência de tecnologia.
A alteração feita pelo INPI decorreu do fato de já existir um contrato de licença de marca oneroso firmado pelas empresas Unilever Brasil Ltda. e Unilever Bestfoods Brasil Ltda., fato que, segundo entendimento da referida autarquia federal, impediria o pagamento simultâneo por transferência de tecnologia.
Apesar de não ter analisado o mérito da questão dos pagamentos simultâneos de royalties, em seu voto, o Ministro Relator Francisco Falcão esclareceu que, apesar das alterações na Lei nº 5.648/70, o INPI tem como finalidade principal dar efetividade às normas de propriedade industrial, sem perder de vista a função social, econômica, jurídica e técnica (artigo 240, “caput”, da Lei nº 9.279/96, que altera o artigo 2º da Lei nº 5.648/70).
Em outras palavras, de acordo com o Ministro Relator, o Instituto tem o dever de adotar medidas capazes de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes, além de poder de intervir nas condições contratuais estabelecidas para a transferência de tecnologia, para atender suas diretrizes infraconstitucionais.
Ainda segundo o Ministro Relator, o Estado brasileiro deve garantir que seus órgãos possuam os instrumentos necessários para a realização de suas competências. Portanto, para que o INPI possa desenvolver suas funções regulatórias e fiscalizatórias de forma plena e eficaz, deve lhe ser assegurado mecanismos efetivos de ação.
É importante reiterar que não se discutiu no caso em questão se a imposição da gratuidade na transferência de tecnologia entre as empresas do grupo Unilever atenderia ou não os interesses econômicos do país ou, ainda, se a vedação aos pagamentos simultâneos – segundo interpretação do INPI – teria ou não o devido fundamento legal.
Dessa forma, o STJ, de forma inédita, entendeu que o INPI seria competente para interferir e alterar cláusulas e condições relativas a acordos de transferência de tecnologia firmados entre uma parte brasileira e uma parte estrangeira.
Apesar desse precedente, que confirma de forma genérica a competência do INPI para interferir e até alterar determinadas cláusulas e condições contratuais, é importante lembrar que, como órgão da administração pública, a autarquia está sujeita não apenas ao princípio da legalidade, conforme o artigo 37 da Constituição Federal, mas também ao dever de motivar todos os seus atos administrativos, nos termos do artigo 50 da Lei 9.784/99.
Nesse sentido, caso o INPI interfira ou altere determinadas cláusulas e condições contratuais, sua atuação deve ser motivada e fundamentada do ponto de vista legal. Portanto, apesar desse precedente do STJ, entendemos que toda e qualquer interferência do Instituto deve ser avaliada sob o prisma da motivação e legalidade do ato.