Eduardo da Gama Camara Junior
Agente da Propriedade Industrial , Advogado, Engenheiro Mecanico e de Producao
Socio, advogado, engenheiro mecanico e industrial.
saiba +por Eduardo da Gama Camara Junior e Rodrigo de Assis Torres
17 de setembro de 2015
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Por Eduardo da Gama Camara Junior e Rodrigo de Assis Torres
No mundo dos celulares, há as chamadas tecnologias padronizadas que possibilitam que aparelhos de diferentes empresas falem entre si. Tecnicamente falando, é a interoperabilidade entre os celulares. Assim, quando uma empresa patenteia uma invenção, ela tem a opção de declará-la como essencial ao padrão, permitindo que aparelhos de outras empresas também a utilizem. A outra opção é manter o invento fora do padrão e exclusivo para apenas os seus celulares. Contudo, o que ocorre na prática é que grande parte dessas inovações acaba sendo padronizada.
Para que as patentes essenciais não se tornassem óbices a essa difusão tecnológica, cortes internacionais criaram regras limitando a cobrança a “royalties” a termos considerados justos, razoáveis e não discriminatórios – o termo FRAND – “fair, reasonable and non-discriminatory”, considerando que essas tecnologias, por serem padronizadas, deveriam ser utilizadas por todos. A exceção a essa regra seria na remota hipótese de uma empresa se recusar a pagar esses “royalties” razoáveis, hipótese em que o detentor da patente poderia promover ações inibitórias. No Brasil, ocorreu um caso recente, em que ambas as justiças brasileira e norte americana aplicaram essas regras internacionais para suspender uma série de ações judiciais propostas por uma famosa empresa sueca contra uma empresa da China, visando a retirar os celulares produzidos pela chinesa do mercado brasileiro.
O que ocorreu foi que essas empresas estavam negociando uma licença global para patentes declaradas essenciais, tendo, inclusive, instaurado processos de arbitragem na França, e uma ação judicial nos Estados Unidos, com o objetivo específico de fixar os “royalties” razoáveis pelo uso das tecnologias padronizadas, quando a sueca, titular das patentes, sem esperar a definição do assunto, passou a ajuizar uma série de ações inibitórias contra a empresa chinesa em diversos países, incluindo o Brasil.
Fazendo uso de pedidos de liminares, a empresa europeia começou a coagir a asiática a ceder nessas negociações internacionais, diante das ameaças de retirar os telefones da empresa chinesa do mercado. No Brasil, foram ajuizadas quatro dessas ações inibitórias.
Nas quatro ações, foram concedidas liminares visando impedir a comercialização e a retirada dos aparelhos celulares que já estavam no mercado nacional. O argumento lançado mão pela empresa sueca era simples: Se a tecnologia patenteada era padronizada e essencial para os telefones celulares, necessariamente estaria presente nos aparelhos da empresa chinesa, não restando dúvida, portando, de que esses aparelhos violavam as patentes do grupo sueco. Contudo, o compromisso de licenciar essas patentes a todos os interessados, assumido internacionalmente pela empresa sueca, quando esta optou por declarar que suas tecnologias deveriam ser padronizadas, foi omitido dessas ações ajuizadas pela empresa escandinava. Assim, inicialmente os julgadores consideraram tratar-se apenas de uma violação de patentes, quando, na verdade, a questão era mais complexa, na medida em que o grupo sueco, por um lado, tinha declarado suas tecnologias como padronizadas, essenciais para os aparelhos celulares, comprometendo-se a não tomar medidas inibitórias contra terceiros, sem antes negociar uma licença para a exploração dessas tecnologias essenciais, mas, de outra banda, ignorou esse compromisso e partiu na ofensiva contra a chinesa tomando todas essas medidas inibitórias no país, sem qualquer proposta de negociação de royalties.
Após mais de dois anos, a justiça brasileira que, inicialmente, havia deferido liminares, por entender que a violação de patente seria óbvia, por tratar-se de tecnologia padronizada necessária aos celulares nacionais, reavaliou a questão à luz das regras internacionais e corretamente mudou o seu entendimento.
Após entender que o pano de fundo dessas ações era uma negociação global de “royalties” razoáveis, e que se a empesa sueca tinha optado por padronizar mundialmente suas tecnologias, não poderia agora se recusar a licenciá-las nos termos FRAND, e, pior ainda, tomar medidas discriminatórias contra qualquer empresa, antes de se concluir a negociação dos “royalties”, a 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro cassou as liminares deferidas e manteve os celulares no mercado brasileiro.
Seguindo essa mesma linha, a corte norte-americana foi além e determinou que as empresas interrompessem toda e qualquer medida envolvendo essas patentes essenciais, não só nos Estados Unidos, mas em todos os demais países, incluindo o Brasil, até que aquela corte estadunidense defina quais serão os “royalties” globais para essas patentes.
O bom senso prevaleceu, tanto pela justiça nacional, como pela norte-americana, na medida em que, se a empresa sueca optou por padronizar sua tecnologia, assumindo o compromisso de licenciá-la globalmente, em termos justos, razoáveis e não discriminatórios, não tinha qualquer sentido em tomar medidas para impedir a utilização da tecnologia padronizada, enquanto ainda se discute uma licença global desses “royalties” FRAND.