por Felipe Dannemann Lundgren
23 de agosto de 2017
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Quando se fala no direito de precedência ou uso anterior da marca, previsto no artigo 129, § 1º da Lei de Propriedade Industrial (LPI), a principal polêmica diz respeito ao momento em que tal direito pode ser arguido.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou sobre a questão, entendendo que o direito de precedência pode ser exercido a qualquer tempo, respeitado o prazo prescricional previsto em lei¹ , inclusive em sede de ação de nulidade de registro de marca.²
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por sua vez, sustentava que o direito de precedência, deveria ser arguido pelo utente de boa-fé da marca antes da concessão do registro marcário.
No caso concreto analisado pelo STJ, a controvérsia girava em torno da possibilidade de anulação de registro para a marca “PADRÃO GRAFIA”, devidamente concedido pelo INPI em favor da empresa Seriprint Indústria e Comércio de Etiquetas Ltda. ME, com base no uso anterior da mesma marca por parte da empresa Padrão Grafia Industrial e Comercial Ltda. em território brasileiro.
Sabidamente, no âmbito marcário, o Brasil adota o sistema atributivo de direitos, por meio do qual a propriedade sobre a marca se adquire com o registro no INPI. Em outras palavras, quem primeiro deposita a marca no INPI possui o direito de prioridade sobre o sinal.
Portanto, a regra é que a propriedade sobre a marca se adquire através do registro e primeiro depósito no INPI (caput do artigo 129 da LPI).³
O parágrafo 1º desse mesmo artigo, entretanto, estabelece que, cumpridos determinados requisitos, o utente anterior de boa-fé da marca possui um direito de precedência ao seu
registro no INPI.4
Claramente, esse dispositivo traz uma exceção à regra do sistema atributivo de direitos adotado no Brasil. É uma espécie de última chance para que o utente de boa-fé da marca obtenha proteção e, consequentemente, exclusividade sobre o seu sinal em território brasileiro.
Como exceção à regra, portanto, o INPI tradicionalmente aplicava esse dispositivo
de forma restritiva, somente aceitando impugnações com base no pré-uso de marca em sede de oposição a pedido de registro e antes da efetiva concessão do registro marcário a terceiro. Em outras palavras, após a concessão do registro, por exemplo, em sede de pedido administrativo de nulidade, o INPI indeferia pleitos baseados no uso anterior do sinal, sob o argumento de que após a concessão do registro, salvo em casos de comprovada má-fé, não era mais possível arguir o direito previsto no § 1º do artigo 129 da LPI.
Por mais que a aplicação desse entendimento pudesse levar a algumas situações de aparente injustiça e gerasse grande polêmica no meio especializado, não há como negar que o entendimento do INPI possuía sólido embasamento técnico.
O STJ, no entanto, adotando interpretação mais flexível, e prestigiando o direito de
acesso à justiça previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, entendeu que as hipóteses de aplicação do dispositivo são mais amplas, sendo possível arguir o pré-uso de marca idêntica ou semelhante por utente anterior de boa fé, inclusive em sede de ação de nulidade de registro marca, ou seja, em prazo
de até cinco anos após a concessão do registro.
No julgamento do Recurso Especial No. 1.464.975-PR, anteriormente citado, o STJ
adotou o entendimento de que “é possível o reconhecimento judicial da nulidade do registro de marca com fundamento em direito de precedência (art. 129, § 1º da LPI)”, asseverando que “a lei de propriedade industrial protege expressamente aquele que vinha utilizando regularmente marca objeto de depósito efetuado por terceiro, garantindo-lhe, desde que observados certos requisitos, o direito de
precedência de registro”.
Não há dúvidas de que interpretação adotada pela Corte Superior prestigia o verdadeiro “criador” da marca, aquele que efetivamente desenvolveu o sinal e investiu na sua utilização e na construção de um fundo de comércio em torno do nome.
Por outro lado, a aplicação mais “ampliada” do previsto no §1º do artigo 129 da LPI cria maior insegurança jurídica, uma vez que um registro marcário só se consolida, ou seja, só se torna efetivamente imune a eventuais direitos de terceiros, decorrentes do uso anterior da marca de boa fé, após cinco anos da data de concessão do registro pelo INPI. Dependendo do tempo de tramitação do pedido de registro de marca no INPI (que, atualmente, é demorado), esse prazo pode ser tornar demasiadamente longo.
Consequentemente, cresce a importância, por parte dos titulares de marcas registradas no Brasil, de uma adequada coleta e armazenamento de documentos comprovando o uso da marca em território brasileiro, já que isso pode ser fundamental em eventual disputa com terceiros que aleguem direito anterior de uso sobre o sinal.
1 Lei No. 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI). Art. 174 – Prescreve em 5 (cinco) anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data de sua concessão.
2 Recurso Especial No. 1.464.975-PR (2014/0160468-6), Rel. Ministra Nancy Andrighi Data do Julgamento: 01/12/2016.
3 Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
4 Art. 129. (…) § 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.
Artigo