Gustavo Piva de Andrade
Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Direito da Propriedade [...]
saiba +por Gustavo Piva de Andrade
18 de abril de 2017
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Em acórdão publicado em meados de 20161, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o processo de registro de um medicamento em trâmite perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) constitui razão legítima para justificar o não uso da marca em processo de caducidade perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
O cerne da discussão dizia respeito à marca de um contraceptivo oral chamado “MINESSE”, cujo registro foi concedido pelo INPI em 02/07/1996 e serviu de base para uma oposição contra um pedido de registro da marca “GINESSE”.
Em resposta à oposição, a titular do pedido para a marca “GINESSE” instaurou um processo de caducidade contra o registro da marca “MINESSE”, nos termos do artigo 143 da Lei da Propriedade Industrial2.
Em sua contestação, a titular da marca “MINESSE” reconheceu que a marca não foi utilizada no Brasil dentro do quinquênio legal exigido, mas esclareceu que tal fato se deu porque o registro do medicamento ainda não havia sido concedido pela ANVISA.
Ademais, demonstrou que “MINESSE” é um contraceptivo oral produzido na Irlanda e que, para ser comercializado no Brasil, a empresa deveria cumprir os requisitos da legislação regulatória brasileira, insculpidos nos artigos 12 e 18 da lei que trata do registro de fármacos (Lei n° 6.360/76)3.
Assim, a titular da marca sustentou que o registro não deveria ser cancelado, pois a atual Lei da Propriedade Industrial brasileira prevê, no seu artigo 143, §1°, que “não ocorrerá a caducidade se o titular justificar o desuso da marca por razões legítimas”.
O INPI concordou com a defesa e proferiu decisão mantendo o registro, reconhecendo que o não uso da marca foi justificado. Insatisfeita com o resultado, a outra parte interpôs ação judicial perante a Justiça Federal.
A 35ª Vara Federal do Rio de Janeiro, contudo, concordou com a titular do registro e com o INPI. O Juiz analisou as regras dos artigos 12 e 18 da Lei n° 6.360/76, destacando que “não há alternativas para o uso da marca no caso concreto que não seja por via do cumprimento da legislação extravagante à propriedade industrial”.
Além disso, destacou que “desde novembro de 1999, a titular do registro iniciou diligências no sentido de cumprir a legislação brasileira relativa ao registro do seu produto” e que “antes do término do prazo previsto no caput do artigo 143 da Lei n° 9.279/96 já havia cumprido todo o trâmite previsto”.
Por fim, concluiu que a empresa “não ficou inerte dentro do prazo de cinco anos, tomou providências efetivas para por o medicamento no mercado brasileiro e isso dentro do quinquênio legal”.
Após novo recurso, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região manteve a sentença. O Tribunal concordou com os fundamentos utilizados pelo Juiz de primeiro grau, adicionando que “a titular da marca buscou a licença perante a ANVISA e que isso deve ser entendido contrariamente à ideia de um possível abandono da marca.”
Na sequência, se interpôs recurso especial contra o acórdão do TRF. O STJ concordou com o entendimento das instâncias inferiores, ressaltando que “ao estabelecer as hipóteses de caducidade de registro de marca pelo não uso, a Lei n° 9.279/96 abre hipótese de exceção ao prever, no parágrafo primeiro do artigo 143, que não há que se cogitar de caducidade de registro se o retardo for justificado por razões legítimas.”
Ainda de acordo com o STJ, “a busca de licença da ANVISA para comercialização de medicamentos cuja marca foi registrada no INPI está entre as razões legítimas previstas na norma em questão.”
O STJ, portanto, também entendeu que o trâmite regulatório perante a ANVISA constitui razão legítima para justificar o não uso da marca dentro do quinquênio legal.
Dentre as principais lições transmitidas pelo caso, observa-se que, na análise de processos de caducidade envolvendo marcas farmacêuticas, o intérprete não deve se ater apenas às regras de propriedade industrial, mas sim, a todo o arcabouço regulatório existente.
Nesse processo, as disposições da Lei n° 6.360/76 são fundamentais, pois referido diploma estabelece que nenhum dos produtos por ela regulados pode ser comercializado sem primeiro estar registrado perante a ANVISA.
Por isso, trâmites regulatórios realizados dentro do quinquênio legal constituem prova válida de que o titular tomou as medidas necessárias para iniciar o uso da marca. Logo, ainda que o processo perante a ANVISA tenha se iniciado em data próxima ao quinto aniversário da concessão do registro da marca, a regra do artigo 143, §1°, da LPI, pode ser aplicada caso se comprove que o titular agiu de boa-fé e tomou medidas efetivas para inserir o produto no mercado nacional.
Uma vez concedido o registro do produto, contudo, é fundamental que o uso da marca seja iniciado em período razoável. Caso contrário, o não uso da marca se tornaria injustificado, desaparecendo a razão legítima prevista pelo legislador.
Recomenda-se, pois, que empresas farmacêuticas prestem especial atenção a tal precedente jurisprudencial, a fim de preservar seus registros e evitar a perda de direitos marcários em território nacional.
1 Recurso Especial n° 1.377.159 – RJ (2013/0092320-4), Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Data do julgamento: 05/05/2016.
2 Artigo 143 – Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 anos da sua concessão, na data do requerimento: I – o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; II – o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.
3 Artigo 12 – Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.
Artigo 18 – O registro de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos de procedência estrangeira dependerá, além das condições, das exigências e dos procedimentos previstos nesta Lei e seu regulamento, da comprovação de que já é registrado no país de origem.
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