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Marca de posição é finalmente regulada pelo INPI

por Enzo Baiocchi

19 de outubro de 2021

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Certa vez, Miuccia Prada, famosa estilista e herdeira pelo lado materno do império da moda italiana, afirmou que a “moda é linguagem instantânea”[1]. Isso é fato. A moda cria, comunica e expressa por meio de signos diversas coisas, estabelecendo um verdadeiro processo de comunicação. Umberto Eco também via a moda como um sistema semiótico por meio da “linguagem do vestuário”[2].

Além da questão semiótica, que é indispensável para a compreensão dos sinais distintivos, a importância da moda para a economia e a sociedade é inquestionável. O Direito, especialmente o Direito de Marcas, reconhece essa importância e lhe garante a proteção jurídica adequada.

Entre nós, a lei deve assegurar também às inovações estéticas no campo dos sinais distintivos a devida proteção, considerando o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país (art. 5º, inciso XXIX, CRFB/1988).

Embora a Lei nº 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial – LPI) não contemple expressamente a figura da marca de posição, os artigos 122 e 124 não afastam a registrabilidade dessa espécie de sinal distintivo como marca. Mesmo o inciso VIII, do referido artigo 124, permite o registro de marca composta por cores e suas denominações, desde que dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo.

De fato, se atender aos requisitos legais, um sinal distintivo pode ser registrado como marca mista, figurativa ou tridimensional.

A título de exemplo, podemos citar a marca figurativa abaixo:

No entanto, em que pese a ausência de qualquer proibição expressa, fato é que não tínhamos uma norma administrativa que regulamentasse os procedimentos para a análise de pedidos de registro de signos cuja distintividade decorrem da forma em que são posicionados.

Mas isso mudou.

Os titulares de marcas em geral, e a indústria criativa como a da moda em particular, têm um bom motivo para comemorar. Finalmente, após longo período de gestação, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) trouxe à luz o marco regulatório da proteção da chamada marca de posição: a Portaria/INPI/PR nº 37, de 13/09/2021[3], e a Nota Técnica INPI/CPAPD nº 02/2021, de 21/09/2021[4].

Dito de uma maneira sucinta, entende-se por marca de posição todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que consiste na maneira específica como é aposto em determinado suporte.

De acordo com o INPI:

[…] considera-se marca de posição aquela formada pela aplicação de um sinal em uma posição singular e  específica de um determinado suporte, resultando em conjunto distintivo capaz de identificar produtos ou  serviços e distingui-los de outros idênticos, semelhantes ou afins, desde que a aplicação do sinal na referida  posição do suporte possa ser dissociada de efeito técnico ou funcional.[5]

A Portaria/INPI/PR nº 37/021, dispõe sobre a registrabilidade de marcas sob a forma de apresentação marca de posição. De acordo com o artigo 1º:

Será registrável como marca de posição o conjunto distintivo capaz de identificar produtos ou serviços e  distingui-los de outros idênticos, semelhantes ou afins, desde que:

I – seja formado pela aplicação de um sinal em uma posição singular e específica de um determinado suporte; e

II – a aplicação do sinal na referida posição do suporte possa ser dissociada de efeito técnico ou funcional.

Assim, como a proteção legal é apenas da marca, e não do produto (tampouco do seu design) onde a marca está aposta, sua representação, para fins de registro, deve ser feita mediante a apresentação de um suporte (figura, desenho ou imagem) capaz de mostrar claramente os detalhes da marca (sua exata apresentação, posição, cor, dimensão e proporção em relação ao produto em que deva ser afixada).

De acordo com o INPI, no pedido de registro de marca de posição esse suporte deve ser representado em linhas pontilhadas ou tracejadas, a fim de evidenciar a marca aplicada no suporte e, além disso, deverá ser apresentado um texto com a descrição da marca, com o propósito de informar o que efetivamente se pretende proteger por meio do pedido de registro da marca de posição (itens 7 e 8, da Nota Técnica INPI/CPAPD nº 02/2021).

Vejamos um exemplo:

De forma semelhante é disciplinada a matéria na União Europeia, cujos países membros têm longa tradição e experiência na regulação da marca de posição. O Regulamento de Execução (UE) nº 2018/626 que estabelece as regras de execução do Regulamento (UE) nº 2017/1001 sobre a marca da União Europeia diz o seguinte:

No caso de uma marca que se caracteriza pelo modo específico em que é colocada ou aposta nos produtos (marca de posição), a marca será representada por uma reprodução que identifique corretamente a posição da marca e a sua dimensão ou proporção em relação aos produtos em causa. Os elementos que não fazem parte do objeto do registo serão visualmente ignorados, de preferência graças à utilização de linhas a tracejado ou a ponteado. A representação pode ser acompanhada de uma descrição especificando de que forma o sinal é aposto nos produtos.[6]

Por sua vez, o manual de orientação relativo ao exame de marcas do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (Manual de Marcas do EUIPO)[7] traz os seguintes exemplos de registros concedidos para marcas de posição da União Europeia:

Ainda de acordo com o INPI, nos processos pendentes de exame, será facultada a adequação quanto à forma de apresentação. Quer dizer, o INPI poderá formular exigência para que o depositante de pedido de registro de marca mista, figurativa ou tridimensional informe se concorda com a alteração da forma de apresentação do pedido para marca de posição, desde que haja indícios de que a marca de posição é a forma de apresentação adequada (item 10, da Nota Técnica INPI/CPAPD nº 02/2021).

A Nota Técnica do INPI também disciplina os procedimentos referentes à análise de pedidos de registro de marcas de posição. Recomenda-se a leitura atenta, pois não são poucos os critérios e requisitos exigidos pela Autarquia para a concessão do registro da marca de posição sob o crivo de uma análise em relação à especificação dos produtos ou serviços, à distintividade e disponibilidade do sinal.

Esperamos que a economia criativa, que se caracteriza pela intensa atividade cognitiva dos seus membros que desafiam os limites do intelecto humano, não tenha dificuldade para atender aos exigentes critérios fixados pelo INPI para a proteção das suas marcas de posição. O maior desafio até então tinha sido a ausência de regulamentação específica sobre o assunto.

Qualquer profissional ou executivo de empresa sabe que para se manter competitivo é preciso ser criativo. Mas não basta criar. Para impressionar, chamar atenção, é preciso inovar e revolucionar.

No campo do Direito de Marcas isso se traduz no potencial distintivo do sinal, que será decisivo no momento da avaliação da distintividade durante o processo administrativo de exame do pedido de registro da marca de posição no INPI.

Assim, de acordo com o item 13, da Nota Técnica INPI/CPAPD nº 02/2021: “quanto mais singular for a posição na qual o sinal é aplicado, maior será a distintividade do conjunto […], quanto mais distintivo o sinal aplicado, maior a eficácia distintiva da marca de posição”. Já o item 12 exige “que a aplicação do sinal ao suporte resulte em conjunto distintivo, sendo percebido como marca”.

Todavia, não ficou claro no texto se a referida distintividade deve ser inerente e, portanto, verificada a priori, ou se pode ser adquirida, ou seja, confirmada a posteriori, por exemplo, como resultado de uma distintividade adquirida (acquired distinctiveness) ou significação secundária (secondary meaning). Na ausência de proibição, entendemos que a distintividade adquirida não só pode, como deve ser considerada.

Fora do contexto estritamente normativo do Direito de Marcas, as chamadas marcas de posição são bons exemplos de inovação no campo do marketing, especialmente como estratégia de branding voltada para novas formas de criação e divulgação de marcas no mercado. Como disse Umberto Eco[8], o vestuário “fala” – e nós podemos complementar, afirmando que esse processo de comunicação continua nas funções desempenhadas pelas marcas.

Quanto maior for a singularidade da posição da marca no produto, maior será o grau de distintividade alcançado. Trata-se de uma inovação estética aplicada no campo das marcas. A marca de posição se torna, por assim dizer, uma espécie de “assinatura” do produto.

Sem dúvida que essa estratégia de branding está inserida em um contexto maior denominado ato empreendedor. A criação de um novo método para a produção ou a circulação de produtos ou de serviços é um genuíno ato empreendedor que envolve um processo criativo de inovação, a chamada “destruição criadora (ou criativa)” (schöpferische Zerstörung), que é o fato essencial do capitalismo, segundo Joseph Schumpeter.[9]

No caso concreto, à luz da concepção schumpeteriana de um processo de destruição criadora, vemos no campo dos sinais distintivos a introdução de um novo método de produção e comercialização.

O ato inovador está justamente em conceber uma posição para uma marca de determinado produto ou serviço, de modo a torná-la, a um só tempo, nova e original, singular e distintiva, capaz de identificar e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins.

Inovar vale a pena até mesmo no campo dos sinais distintivos.

O direito positivo brasileiro deve reconhecer e proteger esse esforço inovador. Afinal, parte da Constituição Federal a garantia de que a lei assegurará proteção à propriedade das marcas, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

Isso também vale para a proteção de outras formas – ditas não tradicionais ou não convencionais – de marcas, como a marca sonora, animada, multimídia, holográfica, entre outras.[10]

Agora que o INPI reconheceu, de lege lata, a proteção da marca de posição, os empreendedores e operadores do Direito possuem uma interessante ferramenta para proteger a reputação e o goodwill associados a esse tipo de signo identificador.

 

 

[1] Disponível em: https://www.revistalofficiel.com.br/moda/10-frases-do-mundo-da-moda-para-te-inspirar. Acesso em: 11 out. 2021.

[2] ECO, Umberto et al. Psicologia do vestir. Assírio & Alvim: Lisboa, 1975, p. 15-16 e passim.

[3] Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias/PortariaINPIMarcadePosio.pdf. Acesso em: 11 out. 2021.

[4] Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/marcas/arquivos/legislacao/NT_INPI_CPAPD_02_21.pdf. Acesso em: 11 out. 2021.

[5] V. item 3, da Nota Técnica INPI/CPAPD nº 02/2021.

[6] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32018R0626&from=EN. Acesso em: 11 out. 2021.

[7] Disponível em: https://guidelines.euipo.europa.eu/1922895/1926066/trade-mark-guidelines/9-3-4-position-marks. Acesso em: 11 out. 2021.

[8] ECO, op. cit., p. 15.

[9] SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961, p. 106.

[10] Em alguns casos, como as marcas táteis (de efeito ou sensação tátil), de odores (olfativas) ou gustativas, a concessão do registro dependerá da disponibilidade de tecnologias que permitam a correta e precisa representação desses tipos de marcas nessas condições, pois nem sempre a simples descrição textual da marca pode substituir a sua representação clara, precisa e objetiva para fins de concessão do registro. Pelo menos é essa a posição oficial do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (v. item 9.3.11 do Manual de Marcas do EUIPO).

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Enzo Baiocchi

Coordenador Academico

Professor de Direito Comercial na UERJ e UFRJ, onde tambem leciona Direito da Propriedade Intelectual e Direito da [...]

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