por Roberta Xavier da S. Calazans, Caio Richa de Ribeiro, Patrícia Porto
21 de março de 2023
compartilhe
Leite de Rosas obtém sentença favorável na Justiça contra uso indevido de sua marca e trade dress
Roberta Xavier da Silveira Calazans[1]
Caio Richa de Ribeiro[2]
Patricia Carvalho da Rocha Porto[3]
O posicionamento e a manutenção de uma marca ou do conjunto distintivo de um produto ou serviço no mercado não é uma tarefa simples, rápida ou de baixo custo. Para uma empresa posicionar seu produto e a marca que lhe é aposta no mercado, é necessário estabelecer uma relação distintiva e de unicidade entre ambos, além de uma conexão com o consumidor com a percepção por parte deste das informações, qualidades e de outros elementos passados pela marca e/ou pelo conjunto distintivo desse produto ou serviço. E, usualmente, esse vínculo perceptivo é criado com investimento em propaganda e com o tempo de continuidade de uso desse signo distintivo, gerando a fixação dessa relação na mente dos consumidores. Na semiologia aplicada às marcas[4], diz-se que é necessário criar uma percepção entre o significante[5], o significado[6] e referente[7] que fixe essa relação triádica[8] (marca, imagem da marca e produto/serviço) na mente do consumidor.
Não raro, o concorrente, no afã de construir essa relação entre novo produto ou serviço/marca/forma de percepção pelos consumidores, opta por encurtar o tempo e o investimento na criação dessa relação, se aproximando de símbolos e referências já estabelecidos no mercado em que adentra.
Nesse contexto, a reprodução ou imitação, sem autorização, por parte de um competidor, dos elementos protegidos por marcas registradas de seu concorrente, de modo que esse uso possa induzir confusão ou associação no consumidor, configura violação marcária. Cometer esse ato com a finalidade de que isso beneficie o posicionamento do seu produto e da sua marca a ele aposta no mercado, de forma a aproximar a sua marca dos aspectos de reputação da marca desse concorrente, além de gerar ganhos econômicos indevidos pela possibilidade de confusão ou associação, dilui a marca do concorrente[9]. Nos casos em que a reprodução ou imitação não se limita aos aspectos protegidos pela marca, mas se estende a outros elementos distintivos do trade dress ou conjunto imagem do produto[10], além da violação marcária, tem-se a interdição do uso desses elementos, quando capaz de gerar confusão, pelo instituto da concorrência desleal. A proteção dos elementos distintivos do conjunto imagem do produto é independente da tutela contra a violação da marca em si, mas pode ocorrer concomitantemente (e como elemento agravador do ilícito) em relação à reprodução ou imitação da marca.
Essa é exatamente a situação do caso em apreço: na sentença proferida em 02/12/2022, pelo Juiz Alexandre Carvalho Mesquita da 1a Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nos autos do processo n. 0014515-37.2020.8.19.0001. Nesta oportunidade, a Leite de Rosas obteve vitória na Justiça contra o uso indevido de sua marca e trade dress. Ficou, assim, decidido que a responsável pelo produto “Leite de Arroz e Rosas”, a empresa Master Line do Brasil LTDA (Master Line), deve abster-se, definitivamente, de usar a expressão “Leite de Arroz e Rosas” e/ou suas variações, bem como de fazer uso da combinação de cores rosa e branco na marca e embalagem de seu produto, devendo adotar marca e combinação de cores diferentes para identificar os produtos que vende e expõe à venda, de modo que o consumidor não seja mais induzido em erro pela semelhança com a marca e embalagem do produto “Leite de Rosas”, de titularidade da empresa Etne RJ Participações S/A (Etne). .
Isso porque o produto em questão, o “Leite de Arroz e Rosas”, vinha utilizando a referida expressão com a mesma combinação de cores branco e rosa, com a letra estilizada remetendo a um caráter nostálgico, sendo a caligrafia extremamente similar àquela criada especialmente para a marca e produto “Leite de Rosas”. Ademais, a embalagem do produto “Leite de Arroz e Rosas”, além de igualmente fazer uso de mesma caligrafia e combinação de cores utilizadas na embalagem do “Leite de Rosas”, reproduzia outros detalhes como a imagem de pétalas e de uma rosa, depositada sobre uma superfície líquida e branca, sem associação à imagem de um arroz:
Além dos elementos identificadores acima, uma série de características dos dois produtos concorriam para a possibilidade de confusão, dentre eles, o público-alvo, a identidade de canais de comercialização dos produtos (supermercados, drogarias, farmácias) e a falta de especialização requerida para a compra, uma vez que, quanto menos especializado for o consumidor, maior o risco de confusão ou associação. Outros fatos pertinentes apontados foram (i) a embalagem utilizada pelo produto “Leite de Arroz e Rosas”, que era extremamente semelhante à embalagem utilizada pelo “Leite de Rosas” na década de 1970, qual seja, corpo da embalagem na cor branca e letras rosas e (ii) que os produtos em tela vinham sendo veiculados através de outras embalagens (“roll-on”), agregando à ocorrência de colidência e confusão perante os consumidores:
O papel da perícia no caso foi fundamental para a identificação desses fatos, atos e tratamento da questão[11]. Uma corte sem o auxílio de uma perícia técnica poderia desconsiderar questões cruciais, como o fato de serem produtos de prateleiras ou “over the Counter”, de se tratar de produto de uso diário e vendido para o consumidor, em geral, com menor grau de atenção.
Nesse contexto, em seu laudo, observou o perito que, embora a titular da marca e do produto “Leite de Rosas” não tenha a exclusividade sobre a expressão “Leite de” ou “Rosas” quando usadas isoladamente, a forma de apresentação do produto “Leite de Arroz e Rosas” representa violação marcária por reprodução com acréscimo. Com relação à concorrência desleal, a perícia esclareceu que a violação estava “no trade dress, isto é, na combinação que compõe toda a sua identidade visual: a nomenclatura do produto, a combinação de cores rosa e branco, a grafia e fonética semelhantes, a imagem de pétalas de rosas e da própria flor sobre o leite”. O perito explicou também que “por serem produtos OTC (“Over The Counter” – de prateleira), de uso diário e valor de consumo acessível, presume-se menor grau de atenção dedicado no ato de consumo”.
Acolhendo, na totalidade, o laudo pericial, o Juízo entendeu que a coexistência das marcas em apreço era “passível de causar confusão no consumidor e prejuízo ao titular da marca violada, constatando, assim, a configuração de concorrência desleal por parte da ré”, apontando, ainda, que o ajuizamento da demanda se configurava “exercício regular de um direito”. Dessa forma, o Juízo julgou procedente o pedido principal da empresa Etne e improcedente a reconvenção da empresa Master Line.
Na parte indenizatória, a Master Line foi condenada ao pagamento de indenização por danos materiais, nos termos dos artigos 186, 884 e 927 do Código Civil e 208 e 209 da Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96, cujo montante deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença, de acordo com os critérios do artigo 210 do mesmo diploma legal, bem como ao pagamento de indenização por danos morais, no valor emblemático de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Embora objeto de recurso, observa-se que a sentença mostra a maturidade do Judiciário brasileiro frente às controvérsias envolvendo direitos de Propriedade Industrial, dando segurança quanto à razoabilidade das posições tomadas em face dos litígios que desses direitos possam nascer. Mais precisamente, a decisão privilegia a tutela marcária e do trade dress, em benefício do seu real criador/titular, endereçando a mensagem de que não serão tolerados atos, mesmo que sofisticados, de diluição marcária e de concorrência desleal no mercado.
_______________________________________________________________________________________________________________________________
[1] Advogada, agente da propriedade industrial e sócia do Dannemann Siemsen. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC-RJ. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá.
[2] Advogado. Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Pós-graduado em Resolução de Conflitos pela FGV-Rio. Graduado pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[3] Advogada. Coordenadora Acadêmica do Instituto Dannemann Siemsen. Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ. Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
[4] Maiores aprofundamentos sobre a semiologia aplicada às marcas vide: Denis Borges Barbosa. Proteção das Marcas. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008 e BEEBE, Barton. “The Semiotic Analysis Of Trademark Law”, 622 51 UCLA Law Review, 621 (2004)
[5] É a representação da marca em si, em sua forma material – no seu aspecto nominativo, figurativo, misto, tridimensional etc.
[6] É a interpretação que os consumidores fazem do significante. É o conteúdo associado à marca em si, as qualidades que ela passa ou que são percebidas pelos consumidores, como, por exemplo, valores, emoções, sentimentos. Também identificado pela imagem da marca.
[7] Produto ou serviço assinalado pela marca. O objeto a que a marca se refere e que está por trás da representação simbólica da marca.
[8] PEIRCE, Charles Sanders (1839-1934). Semiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 3a ed., 2005.
[9] “Diluição de marca é uma ofensa à integridade de um signo distintivo, seja moral ou material, por um agente que não necessariamente compete com o titular do sinal. O efeito da diluição de marca é a diminuição do poder de venda do sinal distintivo, seja pela lesão à sua unicidade, seja pela ofensa à sua reputação.” Filipe Fonteles Cabral. Diluição de Marca: Uma Teoria defensiva ou ofensiva? Disponível em: https://ids.org.br/diluicao-de-marca-uma-teoria-defensiva-ou-ofensiva/#:~:text=Dilui%C3%A7%C3%A3o%20de%20marca%20%C3%A9%20uma,pela%20ofensa%20%C3%A0%20sua%20reputa%C3%A7%C3%A3o.
[10] Conjunto imagem ou trade dress é o conjunto de elementos visuais e sensoriais através do qual um produto ou serviço é apresentado aos consumidores e que tem por finalidade de distinguir esses produtos ou serviços dos de outros concorrentes. Sobre o assunto, vide: SOARES, Tinoco. Trade dress e/ou Conjunto imagem. Revista da ABPI, nº 15, mar-abr. de 1995.
[11] Posicionamento já fixado pelo STJ no julgamento do REsp. 1.353.451/MG, “a confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado”.