por Luciana Goncalves Bassani
01 de julho de 2007
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Podem os bens intangíveis (incorpóreos) ser conferidos ao capital social? Os direitos relativos a marcas e patentes, licenças e tecnologia podem ser efetivamente aportados? A resposta deve ser cuidadosa e há que se avaliar determinadas premissas.
O capital social de uma empresa representa (1) a garantia de liquidez aos credores da sociedade; (2) o montante necessário à consecução das atividades descritas no objeto social (normalmente chamado de "capital de giro"); e (3) perante seus sócios, a participação de cada um deles, garantindo-lhes os direitos e deveres correspondentes àquele percentual (lucro, voto e, eventualmente, controle).
Assim, nem todos os bens podem ser aportados ou conferidos como ativos para sua integralização. Faz-se necessário que sejam bens passíveis de avaliação econômica e, por conseqüência, de serem penhorados ou executados. Além disso, precisam integrar o processo produtivo ou a circulação dos bens e serviços, para realização -com sucesso- do objeto social.
Tanto é assim que o art. 1.055, em seu parágrafo 1º, determina que "(…) pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade (…)". E, quanto à finalidade, temos a própria definição de ativo imobilizado, compreendendo os direitos de propriedade industrial: "(…) os direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da companhia e da empresa, ou exercidos com essa finalidade, inclusive os de propriedade industrial ou comercial." (art. 179, inciso IV, da Lei das S.A – Lei nº 6.404/76).
A primeira premissa -tarefa nem sempre muito simples- diz respeito à avaliação econômica dos bens intangíveis. Como já foi discorrido em artigos publicados por nossos profissionais em outras oportunidades , existem três métodos mais conhecidos de avaliação de bens intangíveis: (1) método de custo (custo de criação ou de reposição de determinado bem); (2) método de mercado (valor pago por bem similar) e (3) método de renda (valor presente dos benefícios econômicos durante a existência do bem). No intuito de conferi-los ao capital social, a expectativa de renda (pelo fluxo de caixa descontado) nos parece o método mais prudente, pois permite auferir os benefícios que o ativo oferecerá durante a sua existência.
A Lei das S.A. admite, desde sempre, a integralização do capital social mediante conferência de bens: "Art. 7º O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro." Da mesma forma, o art. 997 do Código Civil também admite tal possibilidade, em seu inciso III: "(…) capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária.".
O artigo 8º da Lei das S.A. trata também da avaliação de tais bens por três peritos ou empresa especializada, que deverão apresentar laudo fundamentado, com a indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados. Note-se que, se a assembléia geral ou o subscritor não aprovarem tal avaliação, ficará sem efeito o projeto de constituição da companhia (§ 3º).
Quanto à avaliação propriamente dita, os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens (§ 6º). Ainda que o Código Civil não imponha tais procedimentos de avaliação para conferência de bens ao capital social, em se tratando de bens intangíveis e, por conta do já transcrito art. 1.055, acreditamos também ser prudente adotá-los para as sociedades limitadas.
Como admitido por grande parte da doutrina , cumpridos os requisitos já alinhavados nesta breve exposição, não há grandes questionamentos na conferência ao capital social de direitos de propriedade industrial exclusivos (marcas registradas e patentes de invenção, por exemplo). Nesta linha, as licenças exclusivas averbadas no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) com efeitos contra terceiros (erga omnes) e irrevogáveis poderiam ser assim aportadas, pois correspondem "(…) a uma efetiva aquisição do direito exclusivo correspondente." . Nas mesmas condições, poderíamos falar no aporte de contratos de franquia conferindo plena exclusividade a determinados territórios.
A dúvida apresenta-se quando tratamos de pedidos depositados ou de direitos não exclusivos. Quanto aos depósitos de marcas e patentes, como não existe qualquer garantia de que o direito de propriedade será assim reconhecido pelo INPI, trata-se de mera expectativa de direito, sem poder cumprir os requisitos para a capitalização (garantia aos credores, por exemplo). Já no que concerne aos direitos não exclusivos, ou aos bens intangíveis não identificáveis (tecnologia não registrada, por exemplo), dúvidas ainda restam no tocante à sua capitalização, pois não resta claro o direito de impedir sua utilização por terceiros a conferir atributos especiais à consecução das atividades em relação aos concorrentes.
No que concerne à conferência de bens intangíveis não identificáveis (tais como ponto comercial ou clientela), Modesto Carvalhosa(4) entende que tal conferência não pode ser isoladamente admitida, mas somente quando integrarem uma universalidade, como o estabelecimento mercantil.
Em suma, a conferência de bens de propriedade industrial deve guardar grau de contato com a realidade e com a consecução da atividade empresarial, pela validade das premissas presentes em sua avaliação, evitando questionamentos e a futura responsabilidade dos sócios.