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Brasil precisa desenvolver suas indicações geográficas

por Ana Lucia de Sousa Borda

11 de agosto de 2011

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Atendendo a um convite Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), agência especializada da ONU para a propriedade intelectual, a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) participou recentemente do Simpósio Mundial de Indicações Geográficas, evento que ocorre a cada dois anos e que este ano teve como anfitriã a cidade de Lima, no Peru.

O simpósio reuniu representantes de associações de produtores, autoridades de diversos países e estudiosos. Não obstante a diversidade de produtos e países representados no evento, as opiniões e conclusões convergem no sentido de que as indicações geográficas são apenas ferramentas que, como tais, precisam ser bem utilizadas de forma a se obter os melhores resultados com vistas ao sucesso de um determinado produto no mercado.

Levar o consumidor a adquirir um produto de valor mais elevado que outros de sua categoria não é uma tarefa fácil: para tanto, ele precisa vislumbrar atributos que não são encontrados em produtos similares. Por trás de um produto de reconhecida qualidade, há uma extensa cadeia, formada por produtores, entidades públicas e/ou privadas dedicadas à sua valorização. De um lado, o controle das etapas de produção por meio de um regulamento de uso e, de outro lado, um constante monitoramento de modo a coibir atos de violação e de concorrência desleal, tendentes a criar confusão ou associação indevida com relação à verdadeira procedência do produto. O risco de vulgarização de uma indicação geográfica também é um motivo de preocupação, sendo exemplos disso o "Queijo Minas", o Queijo Prato" e a "Água de Colônia".

Outro ponto de convergência foi a sustentatibilidade: praticamente todos os países presentes ao evento relataram sua preocupação com a produção de forma sustentada e com especial atenção ao meio ambiente.

O evento aconteceu no momento em que se discute a possível modificação de dois importantes tratados internacionais: o TRIPs e o Acordo de Lisboa. No tocante ao TRIPs (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), que surgiu no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), e que, dentre outros, tem a propriedade intelectual como tema, estão em curso, desde janeiro deste ano, negociações com base em um texto único com vistas à criação de um sistema de registro das indicações geográficas (Artigo 23, inciso 4 do referido tratado). No entanto, discussões relacionadas à extensão da proteção especial conferida pelo acordo TRIPs aos vinhos e destilados (Artigo 23 inciso 1) a outros produtos têm interferido nas negociações relacionadas ao sistema de registro já mencionado.

Por força da proteção especial conferida aos vinhos e destilados, os países signatários do Acordo TRIPs, incluindo o Brasil, assumiram o compromisso de proibir o uso de determinados termos para informar a verdadeira origem do produto, tais como "espécie", "tipo", "estilo" etc. A proposta em discussão na OMC visa, portanto, estender essa proteção mais ampla a produtos de outras categorias e o Brasil é um dos países que se filiou a essa proposta. Aguarda-se com expectativa o texto agora em discussão acerca da criação de um sistema de registro das indicações geográficas e que deverá ser concluído em dezembro deste ano.

Já na esfera do Acordo de Lisboa, as discussões têm como objetivo a flexibilização de algumas de suas regras de forma a atrair novos membros. Em vigor desde 1958, o Acordo de Lisboa é administrado pela OMPI e conta com 27 membros, entre eles França, Portugal, Itália, México, Cuba e Peru. O Brasil não é membro deste acordo. Com o fito de promover um fórum específico para as discussões visando a uma flexibilização do acordo, foi criado um grupo de trabalho que se reúne pelo menos uma vez por ano na sede da OMPI, em Genebra. A convite da OMPI, a ABPI vem participando das sessões do grupo de trabalho na qualidade de observadora.

Dentre as questões discutidas pelo grupo de trabalho merecem destaque a criação de um mecanismo de solução de disputas e, ainda, a possibilidade de adesão ao Acordo também por parte de organizações intergovernamentais, tais como a OMC e a Comunidade Europeia. Tal flexibilização, no entanto, vem se dando de forma criteriosa, a fim de preservar os princípios e objetivos do Acordo de Lisboa.

Independentemente do sistema de proteção estabelecido por cada país, seja a proteção mais conservadora adotada por países europeus com tradição na matéria, seja o sistema de marcas coletivas e de certificação adotado pelos Estados Unidos, o objetivo é o mesmo: a valorização de produtos dotados de características peculiares e únicas, capazes de disputar, em condições diferenciadas, a preferência dos consumidores. Vale registrar também que países de nossa região vêm obtendo êxito na promoção de seus produtos, dentre eles o México com a Tequila, a Colômbia com o café e o Peru com o Pisco.

A presença brasileira precisa se fazer notar neste cenário, haja vista não apenas o potencial de nosso País para alcançar um considerável grau de desenvolvimento de suas indicações geográficas, como também os registros já concedidos pelo INPI em favor de associações de produtores brasileiros, tais como o "Vale dos Vinhedos" (vinhos e espumantes), "Paraty" para cachaça, "Vale dos Sinos" para couro acabado e "Litoral Norte Gaúcho" (arroz), apenas para citar alguns exemplos.

 

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Ana Lucia de Sousa Borda

Socia, Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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