por Ana Carolina Lee Barbosa Del Bianco
12 de agosto de 2021
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Nos últimos anos, a jurisprudência majoritária tem entendido ser necessária a realização de perícia para a constatação de possível infração em ações que têm por objeto infração de trade dress (conjunto-imagem). O trade dress consiste no conjunto de características que formam a aparência extrínseca de produtos ou serviços, diferenciando-os dos concorrentes.
Assim, ações de infração de trade dress podem envolver a imitação de produtos, rótulos, embalagens, e também da fachada e do interior de estabelecimentos comerciais, dentre diversos outros exemplos.
Embora, em muitos casos, o trade dress possa ser objeto de alguns tipos de registro (marca, desenho industrial e/ou direito autoral), estes não são imprescindíveis para que se possa ingressar com uma ação judicial por imitação de conjunto-imagem com base em concorrência desleal.
De fato, embora a legislação brasileira não tenha um dispositivo específico que tipifique a infração de trade dress, esta pode configurar concorrência desleal, prevista nos arts. 2º, inciso V, 195, inciso III, e 209, caput, da Lei nº 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), e no art. 10 bis (2) da Convenção da União de Paris (CUP).
Por outro lado, a análise de infração de trade dress, principalmente quando tem por base apenas a configuração de concorrência desleal, é bastante complexa e subjetiva, devendo sempre ser feita caso a caso, considerando diversos elementos. Daí a importância da perícia técnica.
A título exemplificativo, pontos a serem verificados na análise de possível imitação de trade dress são:
(i) o grau de distintividade do produto ou serviço objeto da alegada infração. Isso porque, se os elementos imitados forem de uso comum, como a presença de tomates em uma lata de molho, por exemplo, as chances de haver infração serão menores.
(ii) como é a roupagem dos produtos/serviços de outros concorrentes. Da mesma forma, é importante verificar se os outros concorrentes usam embalagens diferentes ou se a embalagem supostamente imitada é semelhante à maioria, situação em que também seria considerada comum, o que poderia afastar a alegada infração.
(iii) eventual alteração feita na identidade visual do produto/serviço do possível infrator e a roupagem de outros produtos/serviços deste. Se o possível infrator altera radicalmente sua embalagem anterior de modo que passe a se assemelhar à de seu concorrente, ainda
mais se as embalagens de seus outros produtos seguem o perfil anterior, essa pode ser mais uma evidência da alegada infração.
(iv) o grau de semelhança entre os produtos/serviços das partes, considerada a impressão de conjunto destes, e não semelhanças e diferenças isoladas. Defende-se a necessidade de análise dos produtos/ serviços na sua visão de conjunto, e não a análise de cada ponto isoladamente, pois é a visão geral que os consumidores têm na hora da compra.
(v) a possibilidade de confusão ou falsa associação entre os produtos/serviços das partes pelos consumidores. Deve ser considerada a possibilidade de confusão pelo consumidor médio, levando em conta que a maioria não atenta a detalhes na hora da compra, que é feita geralmente com pressa.
Além dos pontos anteriores, cada caso pode exigir a análise de outros elementos, pelo que a perícia técnica
parece ser essencial.
Nesse sentido, vale transcrever trecho do voto da exma. ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.778.910-SP pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por unanimidade, deu provimento ao recurso em 6 de dezembro de 2018, a fim de anular o processo desde a sentença e deferir o pedido de produção de prova técnica:
“O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos. Dados a ausência de tipificação legal e o fato de não ser passível de registro, a ocorrência de imitação e a conclusão pela concorrência desleal deve ser feita caso a caso [sic]. Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço. […]
Nesse contexto, o indeferimento da prova pericial constituiu cerceamento de defesa, pois impossibilitou que a recorrente apresentasse ao juízo elementos técnicos imprescindíveis para a formação de seu convencimento. Para tal fim não era suficiente a mera comparação de imagens, pois se trata de prova de fato que depende de conhecimento técnico, conforme reconhecido nos precedentes da 3ª Turma acima mencionados, a cujas razões adiro”.
Observa-se que o indeferimento de pedido de prova pericial em ações de infração de trade dress tem inclusive sido considerado cerceamento de defesa, o que tem motivado a anulação de sentenças e acórdãos.
Assim, e também com o intuito de garantir uma correta e detalhada análise técnica do caso, recomenda-se que sempre seja requerida prova pericial nesse tipo de ação.